Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Preciso ser rápido! Acabo de ter um sonho, daqueles… E bem sei que, por ser um sonho, a tendência é não me lembrar de mais nada daqui pra frente, daqui a algumas horas. Por isso, acho inadiável anotar aqui mais uma das experiências inquietantes que venho tendo no castelo… 

Na noite anterior, antes de me deitar, nada de mais me sobressaltou. Desde aquela “festividade laranja” — quando observei, incrédulo, junto a Ameritt, o esvoaçar de abóboras pelo espaço do castelo — estou ainda mais “seguro”... acostumado às diferentes surpresas que o ambiente aqui venha me apresentar. Quanto muito, se bem me lembro, somente fui agitado pela recorrente tensão vinda dos corredores, dessa aparente, sensível suspeita de que algo sempre ronda e parece colocar-se por detrás da porta, como se para ouvir ou ter certeza de minha presença… 

Para não perder o fio da reflexão, escreverei agora sobre este sonho, essa coisa inédita e aterradora que me aconteceu… 

***

Estava eu numa paisagem bucólica, algo campestre — verdadeiro contraponto às paredes e ângulos retos de uma cidade ou mesmo da frieza obscura existente aqui no Castelo. 

Sozinho, sem sinal algum de outra presença que não a minha, via-me naquela sensação única de estar e não estar em posse dos meus voluntários movimentos. Olhando para os lados, desejava mesmo intentar saber até onde iam os limites da planície observável; quando dava por mim, lá estava, saltando como jamais poderia na realidade, quase como se me teletransportasse… 

O sonho parecia comum, daqueles que, quando menos esperasse, me despertaria e fugiria, para sempre, da lembrança. Porém, o que se seguiu foi o completo oposto. 

Diante de mim, logo após ter terminado aquele percurso mágico, instantâneo, deparei-me com uma natureza diferente: flores e ramos de uma vegetação densa, de cor arroxeada, tomavam conta do horizonte à frente e da minha vista. Aquilo não tinha fim; era de uma amplidão desconcertante e visualmente desproporcional ao vazio que eu havia percorrido até então. 

Sem poder ignorar a estranha atração da paisagem, pus-me logo a caminho. Lembro de ter chegado com a mesma rapidez aos limites daquele roxo jardim. 

As plantas, ali (quando pude confirmar que eram mesmo de natureza vegetal), tinham altura considerável, e, quanto mais mergulhava em direção ao centro da peculiar paisagem, mais eu desaparecia, percebendo claramente que a saída de tal labirinto se tornava cada vez mais difícil. 

Nesse momento do sonho, eu já imaginava ter o poder de me retirar dele, assim como sempre procedo em minhas horas de sono. No entanto, deu-se o contrário: completamente consciente, podendo até me dizer num estado súbito de vigília, vi-me como nunca antes em pleno poder de meus sentidos naquela vegetação — estando, também, plenamente ciente de que estava sonhando. 

Não posso dizer com absoluta certeza que meus gritos tenham ecoado pelas paredes do Castelo, no momento em que gritei desesperadamente naquele sonho… Caso alguém tenha passado pelo lado de fora do meu cômodo ou mesmo tenha parado por um tempo lá embaixo, pelo jardim, talvez sim… isso é algo que não tenho mesmo como saber. 

Motivo houve de tamanho susto.  

Convictamente consciente de mim, do meu corpo e do risco que sentia estar correndo, ver aquele chão tremendo, como se fosse abrir sob meus pés, e aquelas mãos enormes, titânicas, se erguerem no horizonte que meus olhos ainda podiam enxergar, fez com que eu me colocasse, como nunca antes, no lugar de um inexpressivo inseto... de um piolho, cujo medo e desespero mostram-se semelhantes ao humano quando em presença de um desconhecido ser maior do que nós. 

Texto publicado na Edição 11 - Somníria, do Castelo Drácula. Datado de dezembro de 2024. → Ler edição completa

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