9 - Uma nova esperança em meio aos destroços
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Relato de Lisa
Alana já sabe sobre as mudanças que se fizeram em mim. De certo modo, me senti aliviada. Você não imagina como é difícil manter-se calada quando o coração está repleto de preocupações e reverberações das ações — incautas — alheias. Esperem. Vou contar-lhes tudo sobre esses últimos dias.
Gatos não têm religião, mas somos espiritualizados de uma forma que o conhecimento limitado humano é incapaz de compreender. Não se sintam ofendidos, mas imaginem uma situação em que vocês precisam explicar sobre a relatividade para um bebê de dois anos. Ninguém diria que o bebê é incapaz ou desprovido de inteligência, mas diriam que ele ainda não é capaz, pois precisa entender primeiro outros conceitos mais básicos. É exatamente assim que os vejo. Meus ancestrais, como já contei anteriormente, são seres além do tempo, míticos e que regem as leis do cosmos. Eu consegui me adaptar a essa existência limitante, mas não suprimi totalmente minhas capacidades cognitivas, e por isso, sei o quanto deve ser difícil para vocês entenderem certas coisas.
Sem mais delongas, porque isso está soando muito estranho, vou contar-lhes o que aconteceu com a minha Alana.
Há cinco dias ela acordou em meio a mais confusões noturnas — não consigo afirmar que aquilo era sonho. Eu não queria ter que usar os artifícios, pois quando adentrei nessa existência havia prometido para mim mesma que não iria interferir nas escolhas dos humanos, entretanto, tudo isso que aflige Alana não foi sua escolha, mas são consequências dos maus atos dos outros. Posso dizer que esse é um grande dilema, contudo, será assunto para outro relato.
Em meio ao conturbado despertar, entre lágrimas e terrores, esbocei a primeira frase audível para ela, que a princípio imaginou estar confusa pelo sono, pelo despertar recente ou pelo desassossego. Demorou para aceitar a realidade. Contei-lhe sobre os olhos flamejantes, minha ancestralidade e falei-lhe sobre Siehiffar Monm: ela te ajudará.
Aquela noite o vento assobiava entre as árvores retorcidas como se carregasse memórias que não deveriam ser lembradas. Alana hesitou de início, mas depois compreendeu que mal também não podia fazer. Partiu, guiada por uma promessa sussurrada por mim ela te ajudará.
Nos recônditos do Castelo havia o pequeno santuário iluminado por uma única vela bruxuleante, a luz parecia resistir por teimosia. Quando a porta rangeu sob o toque da minha tutora, o cheiro de cera derretida e madeira antiga a envolveu. E lá estava ela: Siehiffar.
Sentada em um banco gasto, o véu de linho repousando nos cabelos negros, as mãos postas sobre o colo — havia nela uma quietude que desafiava o mundo. Ela ergueu os olhos ao ouvir a porta, e o olhar que pousou sobre a recém-chegada não foi de julgamento, mas de acolhimento.
— Você veio. — disse Siehiffar com uma voz que parecia ser feita de manhãs brandas e orvalho. — Há dias sinto sua tristeza ecoando pelas paredes do Castelo.
Alana hesitou. (ela sempre hesita, mas faz).
— A minha gat... Lisa me contou sobre você. Eu... não sei por que vim. Só sei que não consigo mais carregar isso. A fé... desapareceu. Ou talvez nunca tenha existido.
Siehiffar se ergueu, seus passos silenciosos como preces. Aproximou-se sem pressa, até chegar de frente à alma atormentada. Tocou-lhe as mãos — mãos frias, que haviam cavado covas para os próprios sentimentos.
— Às vezes — disse ela — a fé se esconde. Não porque tenha deixado de existir, mas porque espera que a procuremos em lugares novos. No silêncio. No desespero. Naqueles instantes em que tudo parece perdido. Na banheira você teve fé, só não te ensinaram o nome daquilo.
— Você fala como se ainda houvesse esperança — e sorriu com amargura.
Siehiffar levou a mão ao coração.
— Porque há. Não a esperança tola de que tudo será fácil ou que as dores desaparecerão. Mas a esperança de que, mesmo com tudo isso, você ainda pode encontrar sentido. Que há beleza até mesmo na dor que transforma e machuca.
Um raio de luar atravessou a vidraça quebrada, banhando o rosto da minha Alana em prata. Pela primeira vez em anos, ela não sentiu apenas frio. Sentiu algo mais. Um calor tênue, sutil, quase imperceptível — a lembrança de um abraço.
— Fique, — disse Siehiffar, apontando o banco. — Não precisa falar. Apenas fique. Às vezes, a fé começa quando simplesmente decidimos não ir embora. Lisa, pode entrar também... É claro que ela sabia que eu estava à espreita. Entrei.
E Alana parecia mais leve do que esteve em anos. Eu sabia que Siehiffar podia ajudá-la, mas sinto que subestimei sua capacidade de amenizar as dores com uma precisão quase cirúrgica.
Se Alana precisará de mais sessões com ela, eu não sei... Só sei que estou disposta a fazer novas concessões se for preciso.

Ao adentrar o Castelo Drácula, a protagonista é envolta por uma realidade onde arte e loucura se entrelaçam. Cada pincelada em sua tela não apenas expressa emoções, mas também convoca entidades que desafiam sua sanidade. Neste ambiente gótico e onírico, ela confronta traumas passados e descobre que a linha entre o real e o imaginário é tênue. Uma jornada introspectiva que revela os abismos da mente humana e os segredos ocultos nas sombras do castelo. » Leia todos os capítulos.

Michelle S. Nascimento
Michelle Santos Nascimento é paulistana, mãe, esposa e amante das artes, em todas as suas formas de expressão, desde que aprendeu que há todo um universo fora dela. Ama as ciências humanas, mas também tem predileção pelas exatas, porquanto é graduada em “Segurança da informação”, pós-graduada em “Gestão de TI” e “Engenharia de software” e trabalha como Analista de qualidade de software... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
O licor havia se impregnado em minhas papilas gustativas. Meus dedos agitados fazem o líquido viscoso balançar com inquietação dentro da taça…