A Ópera dos Vampiros
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
As expectativas do público funesto eram altas. Os presentes, aos poucos, preenchiam os assentos do teatro, que se encontrava sob a penumbra diante do largo palco de madeira rangente. Quando todos estavam bem acomodados e o silêncio reinava, as cortinas vermelhas se abriram sob o tremelicar dos trilhos empoeirados.
O vulto de Melinda foi iluminado pelas luzes manuseadas por Syrrha, uma estranha jovem que guardava consigo uma lamparina e o dever de iluminar o palco. Melinda, que interpretava Christine Daaé, atenta a seu papel, ouviu os espirros do público, contagiados pela poeira. Ela andou vagarosamente até o centro, atraindo a atenção. Aquela plateia tinha olhos mórbidos, como bonecos de cera; pareciam imersos em um encanto sorrateiro que os prendia naqueles bancos.
Uma orquestra peculiar se destacava ao redor do palco; os músicos pareciam petrificados e presos aos seus próprios instrumentos pesados. O maestro produzia movimentos rápidos e rígidos, mas as roupas deles pareciam antigas e puídas pelo tempo. As faces mostravam-se sulcadas e fragilizadas pelo torpor de um sofrimento incomum, como se eles já não pertencessem ao mundo dos vivos, hipnotizados. Cada instrumento — os violinos, cujas cordas rangiam como unhas arranhando algo; oboés, que exalavam um chiado fúnebre; trompas de metal oxidadas — exibiam um véu espesso de pó, como se cada nota fosse expelida de um porão esquecido. Mas nada daquilo impressionava Melinda.
Ao som da orquestra sepulcral, ela entrou vestida com um longo traje de veludo escarlate, que ondulava como sangue sob as luzes do palco. Melinda era magneticamente bela. Seus cabelos ruivos, de um tom acobreado, eram uma cascata de cachos que desciam até a cintura, emoldurando um rosto pálido e aristocrático. Os olhos cor de mel, intensos e levemente entorpecidos, contrastavam com o ambiente imerso na penumbra. Era impossível fitá-la sem sentir-se atraído ou atraída.
Ao atravessar a coxia, ela desfilava em beleza pelo palco de madeira, enquanto sua voz reverberava doce e cálida, ecoando alta pela plateia absorta. Syrrha corria pelo fundo do palco para apontar a iluminação corretamente, contando com a ajuda de pessoas que ela via apenas como vultos na mudança de cenário.
Melinda atuava no teatro particular do Castelo Drácula, e aquela peça era nada menos que “O Fantasma da Ópera”. A ópera preenchia cada canto do teatro em um feitiço sonoro e, a cada nota, um desejo crescente pulsava nas veias dela. Ao fim de cada apresentação, sentia-se sedenta, pois seu canto exigia sacrifício.
Enquanto a vampira guiava os atos em atuação, aqueles vultos que Syrrha via estavam sob seu comando e, pelo comando dela, com apenas um único olhar, eles fizeram descer, por cordas, imagens de candelabros por trás de Melinda, imersa no papel de Christine e do Fantasma. A poeira suspensa dançava em redemoinhos no ar; iluminada pelos feixes de luz difusos, ela parecia tremelicar.
O Fantasma da Ópera entrou em cena, vindo das sombras de uma das coxias; ele deslizou sob o palco. A máscara branca ocultava parte de seu rosto mortiço, mas não podia esconder o sorriso traiçoeiro que se insinuava em seus lábios. Envolto em uma capa negra, ele avançava elegante; cada palavra entoada reverberava à luz vacilante dos candelabros. Era possível distinguir o brilho afiado de seus caninos sempre que sua voz cortava o ar, sugerindo sua realidade por trás do personagem.
A melodia era bela, entoada pela voz una do dueto e pela orquestra, incitando arrepios em Melinda. Enquanto a voz una do dueto se fundia às notas sombrias da orquestra, eles cantavam e encenavam como se estivessem possuídos.
“Those who have seen your face, draw back in fear...”
Melinda caminhava lentamente pelo palco, os braços erguidos em gestos fantasmagóricos, mas seus olhos permaneciam vigilantes. O Fantasma surgia por trás dela, como uma sombra a sugá-la para si; o rosto parcialmente coberto pela máscara branca, a capa ondulante como fumaça ao vento.
“I am the mask you wear...”
“It’s me they hear...”
A orquestra morta, mas vibrante, acompanhava ritmicamente o dueto. Enquanto a jovem dos olhos de mel ali cantava, podia sentir a respiração do Fantasma se aproximando pela sua nuca. Ele a abraçava, entrelaçando-se a ela com uma tensão entre ambos quase palpável, como se o palco fosse real. A voz dele roçava sua pele como um toque gélido.
“Your spirit and my voice in one combined...”
“The Phantom of the Opera is there...”
“Inside your mind...”
Quando o último verso desta parte foi entoado, ele ergueu os braços atrás dela, como se fosse uma entidade que a possuía por inteiro. Os rostos estavam muito próximos um do outro. Neste momento, Melinda o viu olhar por cima de seu ombro; ela sempre esquecia que o nome verdadeiro de seu par não era Erik. Ele olhava para a escuridão além da coxia.
Algo no Fantasma estava levemente estranho naquela noite; ele parecia mais sedento que o normal, mais insano e libidinoso que o usual. Lançou um olhar inquietante para o lugar onde Syrrha se escondia, enquanto cuidava da iluminação, e Melinda sabia o que aquele olhar sádico poderia significar — ele queria sangue. Mas aquela garota não era permitida para eles.
O espetáculo sombrio foi interrompido pelo Fantasma vampiresco, e as cortinas começaram a descer lentamente. A plateia permaneceu imóvel, com olhos vidrados, sorrisos petrificados, mãos imóveis segurando binóculos dourados. Melinda estava confusa.
O Fantasma, movido pelo impulso, deslizou para fora da atuação. Seus olhos escarlates, inflamados pelo desejo de sangue, fixaram-se em Syrrha, a jovem que, nos bastidores, sentiu o perigo. Em um ímpeto febril e faminto, ele avançou sobre ela, mas não conseguiu alcançá-la. Melinda tentou contê-lo, mas não conseguiu e foi arremessada para longe.
Syrrha recuou às pressas entre as cordas; seus dedos trêmulos seguravam a lamparina de óleo que carregava. No desespero da fuga, ela tropeçou. O vidro se partiu com um estalo seco contra o chão de madeira, o que fez com que as chamas, aos poucos, consumissem parte do palco. Um brilho soturno estava nos olhos dela, e uma energia enigmática e ameaçadora, emanada por ela, fez com que o vampiro se afastasse.
Melinda voltou a se aproximar e o segurou pela mão, pedindo para que parasse com aquilo, pois aquela garota não era para eles. O rosto da criança endureceu, como se o tédio e a raiva a possuíssem; uma risada sarcástica ecoou de sua boca. Ela parecia triste e, ao mesmo tempo, impetuosa. Por trás dela, vultos observavam, encobertos por véus negros muito finos. Então, ela revelou aos dois vampiros:
— A dor de vocês foi mais suportável quando vivida como ficção. Eu quis preservar e proteger isso, mas a verdade é a verdade, mesmo que façamos da dor um papel e da morte uma peça.
Um estalo sutil percorreu o ar, e a plateia, antes enfeitiçada, piscou como quem desperta de um longo sonho no umbral. Os vultos de Syrrha atravessaram as pessoas em silêncio... e desapareceram. Os binóculos tombaram das mãos. Murmúrios roucos, de quem desperta, escaparam das gargantas de cada um. Os atores, músicos, espectadores... todos, desnorteados. Aquilo não era apenas um teatro; era uma prisão. E os que ali atuavam não eram meros vampiros, mas sombras aprisionadas num ciclo de encenação eterna, condenadas a repetir papéis que não escolheram.
Aquele foi o fim, o último ato. Estavam libertos, mas quem eram eles de verdade? A plateia se ergueu lentamente. Alguns caíram de joelhos. Outros choraram. A orquestra virou pó. E Syrrha, a guardiã do encanto, tornou-se sua libertadora forçosamente. Melinda observava em silêncio, com uma lágrima de sangue imóvel à beira do olho esquerdo.
Quem era, afinal, seu companheiro de palco? Ela já não se lembrava. E ele desaparecera, deixando para trás apenas a máscara do Fantasma da Ópera, chamuscada pela chama da lamparina. Restaram apenas Melinda e Syrrha, sob o palco, no teatro abandonado por todos, em um silêncio ensurdecedor que queimava os ouvidos como uma tocha pode queimar o véu da ilusão.
Revisão de Tiago Serigy

Minerva, uma bruxa de alma inquieta, carrega como fardo uma maldição perversa e encontra no Castelo Drácula um refúgio para sua incessante busca por conhecimento e poder. Entre vivências intensas e, por vezes, terríficas, ela confronta os espectros de seu passado enquanto desvenda os enigmas que o presente lhe impõe. A cada passo, aproxima-se de uma verdade arcana — e sente que sua maldição é a chave oculta desse segredo. Sua rapsódia é o confronto entre sua alma e o destino que lhe foi imposto, enquanto revela uma sensibilidade de essência rara, há muito tempo privada de se expressar. » Leia todos os capítulos.

Júlia Trevas
Júlia Graziela Pereira Trevas é uma escritora de 29 anos, natural de Campina Grande, Paraíba. Formada em Letras - Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), também atua como professora de inglês. Sua paixão pela escrita começou ainda na pré-adolescência, quando compunha pequenos versos. Mais tarde, ao ingressar na faculdade, aprofundou-se na literatura gótica, que hoje é uma de suas principais influências criativas. Uma curiosidade interessante é que... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 18ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de agosto de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa
Data incerta – Saímos da caverna em silêncio, como alguém que abandona um templo. Siehiffar nos acompanhou até a saída, onde a floresta retornava…