Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

Após ler e discernir melhor sobre a suposta origem do que sou hoje, tomei fôlego e segui adiante em mais um capítulo do livro de capa de dragão; este capítulo se intitulava “Caim Magnus”. Era mais uma narrativa de Igor Dracul sobre o que acontecera com Vlad após o encontro com o vulto grotesco na alcova.

Caim Magnus

Após os muitos dias e muitas noites em que Vlad Tepes havia estado trancafiado no intento que tivesse boa recuperação, ele se levantara no décimo quarto dia com um vigor como se nunca houvesse ficado acamado e beirando à morte. Ele mandara me chamar através de um dos criados de seu Castelo  e prontamente eu adentrara seu quarto a fim de atender prontamente ao chamado do meu Senhor. Vlad ainda permanecia com a aparência pálida, tal qual um cadáver. O primeiro pedido que ele me fizera era para ajudar a enterrar o corpo de um moribundo que estava escondido dentro do seu guarda-roupas; ele pedira ao criado que fora me chamar no meio da madrugada do dia anterior, para que trouxesse um dos presos turcos que se encontravam na prisão local de guerra, que se localizava dentro do castelo, e fizera do homem sua primeira refeição. O cadáver se encontrava murcho; talvez o homem fosse mais alto ou mais gordo do que o estado ao qual se encontrava no post mortem. Estarrecido, não sabia por onde começar a perguntar ao meu Senhor o que acontecera afinal na noite passada, e ele já presumindo que isso fosse acontecer, não me deu tempo para pensar muito; me pediu para ajudá-lo a enterrar o corpo no terreno ao lado do castelo. Após voltar para o seu quarto, Tepes me entregara em mãos este livro que escrevo (e, antes que alguém — que possa estar lendo — questione, as páginas do capítulo anterior foram adicionadas posteriormente. Note a costura da folha em cor diferente do resto das páginas originais que vieram no miolo deste livro), para que deixasse o registro por escrito sobre o que acontecera na fatídica noite em que ele e Mihnea estiveram na alcova.

O Conde me confessara que, durante os dias em que se encontrava em coma, a criatura que lhe sorvera o sangue e as forças naquela noite, fizera uma espécie de contato mental. A partir deste contato telepático, a criatura tenebrosa contara sua história e o porquê de ter escolhido Vlad para passar tamanha maldição que lhe pertencia adiante. Dos diálogos que Vlad me fizera registrar aqui, iniciarei com o mais marcante:

— Sua alma é minha, e, em troca de poder, você agora é das trevas.

Segundo Tepes, após ter caído ao chão, imediatamente o ser maligno se conectou com sua mente continuando o diálogo:

— És meu filho e Dela. És a ponte entre o esquecimento e o renascimento. Teu sangue clama pelo abismo, e o abismo respondeu.

E sem resposta de Vlad, que se mantinha em silêncio, a fim de manter sua vida e um pouco da sanidade preservada, o monstro então continuava a contar sua saga:

— Após milênios caminhando entre os mortais e vendo os Primevos corromperem minha maldição, enfraquecido pela tristeza e pela sede de um silêncio eterno, me retirei do mundo. Meus últimos seguidores, pertencentes a uma seita esquecida, selaram meu corpo adormecido em um caixão de ébano, cravejado com símbolos sumérios e hebraicos, banhado em prata lunar, e me carregaram pelo deserto e pelas montanhas do Império Turco-Otomano, buscando o local mais distante da luz — a sua terra Natal: A Valáquia. Ali, entre as florestas antigas e as fortalezas de pedra, eles me enterraram em uma cripta sob o solo amaldiçoado, confiando que o mundo me esqueceria…

Vlad, ainda incrédulo com a história que a criatura lhe contava, tentava se manter mentalmente em silêncio, porém o vulto continuava a narrar sua crônica pessoal:

— Séculos se passaram e chegamos ao século XV. O conflito entre o Império Otomano e a resistência valaquiana atingiu níveis épicos. Você, jovem príncipe Vlad Tepes, cruel estrategista e herdeiro de uma linhagem marcada por sangue e pacto, enfrentou o avanço turco com uma brutalidade que faria até os demônios hesitarem. Em uma batalha particularmente sangrenta, milhares morreram sobre a colina onde eu jazia. O sangue dos mortos da batalha penetrou a terra. O solo gritou. E eu despertei.

Tepes gritou mentalmente com o vulto:

— Você está louco!

O espectro continuou a dialogar:

— Você é feito de medo, homem. Mas aprendeu a usá-lo. É morte vestida de carne. E ainda assim… está vivo.

O Conde passa a encarar o vulto com desdém:

— Vivo o bastante para ver os deuses calarem. E você? Que abismo o pariu?

O monstro se dirige a Vlad, ainda sem hostilidade:

— O abismo é meu espelho. Eu fui o primeiro a matar. O primeiro a ser amaldiçoado.

E você… É meu reflexo quebrado.

Vlad, com certo receio, afirma:

— Você é Caim. O mito… a maldição viva.

A criatura sorri com melancolia e responde:

— Não mito. Não lenda. Apenas memória rejeitada. E você, Vlad, é mais do que príncipe. Tem olhos de condenado… Mas sua alma se recusa a morrer.

Vlad, ainda temeroso, responde:

— Já enterrei todos os deuses em que acreditei. Não procuro redenção.

Caim então retruca:

— Nem eu ofereço. Mas vejo em você a mesma fome que Yahweh não soube curar.

Lilith lhe sussurrou, não foi?

Tepes, então surpreso, respondeu:*

— Como sabes desse nome?

O espectro demoníaco interpelou:*

— Porque ela foi minha mestra. E agora, sussurra a você como sussurrou a mim.

Entenda, você não é um homem comum. É o elo perdido… é o filho que o tempo prometeu.

Vlad questiona, seriamente, firme:*

— E o que você quer de mim?

Caim responde:

— Nada. Mas o mundo… o mundo vai desejar seu sangue. E eu? Eu vim apenas ver o que a dor esculpiu em meu nome…

Lilith - A Deusa Negra

Vlad permaneceu em silêncio, como se paralisado por uma visão maior. Por meio do uso de magia, Caim, como testemunha de um tempo anterior ao tempo, mudara o cenário na mente de Tepes.

Com a voz solene, quase que religiosa, o Amaldiçoado disse:

— Antes do Éden. Antes de a terra ser dividida, ela caminhava entre os Deuses. Lilith… filha de Anu, o Senhor dos Céus. Irmã das estrelas, mãe das serpentes, Centelha viva do abismo primordial. Mas Yahweh, o ciumento, quis moldar o mundo à sua imagem. Roubo disfarçado de criação. E aprisionou Lilith em carne… E transformou Deusa em mulher.

A visão se forma na mente de Vlad: Lilith, resplandecente e imortal, envolta em luzes negras, é arrastada ao barro e moldada como esposa. Ela se ergue no Éden ao lado de Adão, mas seus olhos jamais se curvaram.

O espectro grotesco continuara a narrativa:

— Ele a deu a Adão como prêmio. Mas ela não se dobrou. Ela não nasceu da costela. Ela era anterior a ele. E então Lilith disse:

— Não fui feita para me deitar abaixo do pó, nem para que o barro me comande. Sou anterior à tua imagem, Yahweh. Eu me recuso.

Caim tomara para si a crônica e continuara:

— E foi expulsa, expulsa do Éden, da luz, da memória dos homens. Mas, ao cair… ela não quebrou. Ela despertou.

Em seguida, projetada na mente de Tepes, apareceu a imagem de Lilith em exílio, nua sobre a areia escaldante do mundo antes dos homens. Porém, ao invés de definhar, ela se ergueu em fúria. O sangue dos deuses voltou a queimar nela. Os pássaros caíram do céu. As águas se agitaram, a terra se contorceu.

Caim retomara a narrativa:

— Quando o silêncio dos céus tentou esquecê-la, ela gritou. E o grito rasgou o véu entre os mundos.

Em seguida, Tepes teve a visão de Lilith erguendo os braços. Atrás dela, havia um eclipse. A lua sangrou. Sua voz subiu aos céus, amaldiçoando o trono divino.

Lilith interpelou em tom desafiante:

— Ó Yahweh, você que criou o homem do barro e se envaideceu… Um dos seus filhos se voltará contra você, e dele nascerá uma prole que não morrerá. Sede será seu nome e sangue será sua língua. Eles não adorarão sua luz, eles andarão pela noite; minha herança. E lembrarão que eu fui a primeira a dizer não.

A visão de Vlad se quebrara. Caim estava de joelhos, como quem reviveu um trauma antigo. Vlad o encarou em silêncio, olhos arregalados, e afirmou:

— Você é a praga viva, Caim. O cumprimento da maldição.

Caim respondera sussurrando:

— Eu sou a lâmina da promessa, o filho do pó que ousou erguer-se contra o céu. Ela me fez como resposta ao castigo. E agora, Vlad… você é o próximo capítulo.

E então eu percebi que havia adormecido em parte da narrativa de outro capítulo do livro de capa de dragão, e já não sabia distinguir o que fora escrito e o que fora sonhado. Mas em mim havia a certeza de que algo havia despertado: a chama viva primordial de Lilith.


Escrito por:
Thais Gomes

Thais Gomes é apaixonada pelo universo Gótico da Literatura, sua formação é em Letras Português/Espanhol e sua obra mais recente, ainda está sendo produzida, é Contos Vampirescos, uma releitura de muitos personagens do Drácula de Bram Stoker. Inspirada em clássicos como Edgar Allan Poe, Lord Byron, Álvares de Azevedo, e contemporâneos como André Vianco e Eduardo Spör; a autora explora o universo da literatura... » leia mais
17ª Edição: Dívanno - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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Thais Gomes

Thais Gomes é apaixonada pelo universo Gótico da Literatura, sua formação é em Letras Português/Espanhol e sua obra mais recente, ainda está sendo produzida, é Contos Vampirescos, uma releitura de muitos personagens do Drácula de Bram Stoker. Inspirada em clássicos como Edgar Allan Poe, Lord Byron, Álvares de Azevedo, e contemporâneos como André Vianco e Eduardo Spör; a autora explora o universo da literatura gótica com maestria e suas narrativas estão imersas no mais puro mistério. Além de escritora, Thais é produtora de eventos, cantora e musicista.

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