Primeiro Ato
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Permaneci parada como se os deuses estivessem parados os ponteiros do infindável tempo, porém aquele ritmo cadenciado do relógio permanecia ressoando em minha mente, como um mantra.
Mesmo sem vislumbrar a figura atrás de mim, notei sua sombra imponente projetada à luz do úmido piso de pedras, à oscilante luz vinda da lamparina, preenchendo aquela biblioteca, sem dúvidas tratava-se de alguém muito importante.
Uma tosse vinda da figura interrompeu o breve momento onde o silêncio se fazia presente, senti uma tensão quase eletromagnética percorrendo meu corpo, sua forte respiração aguçava minha curiosidade. Finalmente sua voz ecoou forte e calma, (estava correta, era um homem).
Cautelosa, virei-me, os cachos escondiam minha tez franzida, e de fato era alguém mui importante, suas vestimentas perfeitamente alinhadas, trajava uma camisa social branca com detalhes renascentistas no punho e gola, colete e terno eram pretos, cabelos curtos igualmente pretos, olhos penetrantes porém cativantes, na mão direita trazia uma lamparina, voltei minha atenção para seus ágeis dedos manuseando um relógio de bolso feito ouro envelhecido, a caixa de no estilo savonnette com detalhes em arabesco, o mostrador era num tom azul petróleo, os ponteiros eram de prata, e a longa corrente também em ouro velho.
— Perdoe-me por assustá-la, não era minha intenção. Me chamo Professor Monm, (apesar de sua voz ser um tanto grave, como um barítono), havia também nuances melancólicas, seu olhar sereno certamente era de alguém que já enfrentou muitas provações ao longo de sua vida.
— Bem, confesso que havia conhecido poucas figuras masculinas aqui no Castelo, a não ser os rápidos encontros durante as festividades, mas... posso fazer uma pergunta, se me permite? O que o senhor leciona?
Primeiramente ele sorriu com os lábios, e disse que era um prazer me conhecer. Em seguida, fechou a porta. Pairava naquela biblioteca uma misteriosa calmaria. Chamei-o para caminhar, ele aceitou de bom grado, e continuarmos a conversa.
— Com toda franqueza, senhorita, esta é uma pergunta complexa, mas pode-se dizer que leciono transmutação temporal, além de ser exímio conhecedor em relógios.
Meus olhos saltam de curiosidade pois lembrei das obras de alquimia que folheei incontáveis vezes, sempre às escondidas. Foi difícil esconder minha euforia, a sede pelo conhecimento me movia (mesmo que esse conhecimento fosse “proibido”).
Minha reação foi notada pelo professor, que esboçou um tímido sorriso e, em seguida, perguntou se possuía algum conhecimento sobre o assunto. Assenti, (li bastante a respeito). Vi então seu semblante mudar sutilmente, acho que o surpreendi.
Ele falava dos relógios com uma notável paixão e, sinceramente, seria uma honra poder ouvi-lo discursar sobre cada engrenagem e suas particularidades por horas.
Erguendo a lamparina à altura dos olhos, iluminou as enormes estantes de carvalho que se estendiam até o final da biblioteca, repleta de inúmeras e empoeiradas obras.
Meus olhos fitaram as centenas de obras, algumas deterioradas severamente pelo inexorável tempo e pelas insaciáveis traças. Conforme andávamos, ergui levemente meus dedos e me permiti sentir cada puídas lombadas de couro e suas respectivas marcas.
Alguns resíduos permaneceram em meus dedos. Observei também o impecável trabalho das aranhas ocupando aquele estreito espaço. “Será que um dia eu o encontrarei?” Monm, que também observava as estantes, cessou os passos e pousou os olhos castanhos sobre mim.
— O que disse, senhorita?
— Não foi nada, apenas pensei alto, mas... ou talvez o senhor possa me ajudar, absorta, inicio minha narrativa.
— Certa noite, perambulando pelo Castelo, encontrei algo que se tornaria minha obsessão, e desde então tenho procurado com afinco. Trata-se de um horrífico e grandioso Códex, confeccionado em couro humano. Sua deteriorada capa era uma desagradável fusão entre marrom e tons de escarlate. Trazia ainda um símbolo arcano, o qual nunca tinha visto, mas parecia ser tão antigo quanto a própria existência. Ele também emanava um odor pútrido terrível. Foi ali que o encontrei, sobre aquela mesa redonda vitoriana.
Saí do estado letárgico, ofegante, meu corpo tremia, com meu braço direito estendido apontando para a mesa vazia. Olhei para o professor, que me ouvia com atenção. Vi suas feições adquirirem contornos espantosos. Ele passou a mão esquerda sobre a testa e disse:
— Sem dúvidas, é um relato muito impressionante. Gostaria muito de poder ajudá-la, mas conheço bem esse caminho...
Seus lábios emudeceram. Então, vi o horror estampado em sua fronte, seguida por uma profunda e terrível melancolia. Os batimentos reverberavam no recinto, atônito, o professor recorreu novamente ao relógio, abrindo e fechando sem cessar. Em vão tentei chamá-lo, estava absorto, talvez por alguma lembrança.
Até que ele “voltou” num estado de confusão mental, que me deixou preocupada. Será que, neste período ausente, ele teve acesso a outras realidades? Se foi, gostaria muito de aprender.
— Professor Monm, o senhor está bem?
— Sim, senhorita, não se preocupe, está tudo bem, permita-me dizer que foi um prazer conhecê-la, mas infelizmente tenho que partir. Bom, espero que possamos nos encontrar novamente.
Checou o relógio mais uma vez, como se estivesse atrasado. Antes de cruzar a porta, ele sussurrou: — Muito cuidado com a obsessão, Rose, é um caminho bastante tortuoso, confie em mim, você não quer isso...
Aquele conselho soou estranhamente, o timbre de sua voz trazia um pesar, um arrependimento, o qual nunca saberei. Nos despedimos com um cordial aceno.
A introspecção recai sobre mim, trazendo à margem alguns pensamentos: quanto tempo mais suportarei manter esta falsa máscara de normalidade? Será que alguém realmente sabe quem sou? Será que interpretei bem o meu papel de falsa humana? Se bem que Ameritt conheceu meu verdadeiro eu...
Caminho até a porta envolta de questionamentos, toco na maçaneta e fico parada por alguns instantes, tal qual um ator que está prestes a entrar em cena. Ouço resquícios de diálogos que desaparecem pelos extensos corredores, passos apressados ecoam pelo Castelo, risadas que se perdem. Qual será o próximo acto desta magistral peça teatral?
Revisão por Sahra Melihssa

Rose, uma jovem de espírito sensível, adentra o Castelo Drácula em busca de respostas para os mistérios que a cercam. Lá, ela se depara com um livro encadernado em pele humana, cujas páginas parecem proteger verdades inomináveis. À medida que mergulha nas profundezas do castelo, Rose enfrenta visões perturbadoras e enigmas que desafiam sua sanidade. Em sua jornada, ela descobre que a verdade pode ser mais sombria do que jamais imaginou, e que o conhecimento tem um preço que talvez não esteja disposta a pagar. » Leia todos os capítulos.

Pablo Henrique
Pablo é um escritor nascido no Nordeste do Brasil, em João Pessoa. Possui uma escrita bastante carregada em angústia, com a essência do terror, horror e ultrarromantismo. Sua paixão pela Literatura Gótica começou na infância. Algumas de suas referências literárias são: Mary Shelley, as irmãs Brontë, Agatha Christie, Edgar Allan Poe e William Shakespeare. Pablo Henrique também é artista visual... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 18ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de agosto de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa
Data incerta – Saímos da caverna em silêncio, como alguém que abandona um templo. Siehiffar nos acompanhou até a saída, onde a floresta retornava…