Le Combat des Âmes Fidèles - O Combate das Almas Fiéis

Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

Anton S. Miahi – Capítulo XXVII

(Escrito em meu Diário)

"Dei um passo à frente. A batalha me chamava.

E meu sangue... já começava a fervilhar."

Essas foram as palavras que escrevi antes que o caos ganhasse forma e profundidade. O rapaz caído, arremessado através da porta de madeira, começou a vibrar de modo antinatural, contorcendo-se com uma raiva que não pertencia à carne humana. Era uma aberração em nascimento. Algo inumano, um filho de trevas e necrose.

A cruz que Monm me entregara, ainda no quarto de vigília, jazia em meu pescoço, sob a camisa rasgada pelo tempo e pela guerra. Ela ardia em meu peito como se pressentisse o mal.

Monm, sem hesitar, cravou uma de suas longas adagas no coração da criatura e, em um movimento certeiro, separou-lhe a cabeça do corpo com a outra lâmina curva. O som foi o de um graveto partido sob os pés da justiça.

Observei em silêncio. A cena me arrebatava não por repulsa, mas por uma fascinação sombria.

— Já vi essas coisas antes, Anton. São ghouls. Não estamos só com humanos aqui dentro. — Sua voz era calma e firme, como a de quem aprendeu a reconhecer a noite pelo cheiro. — O vampiro que o matou busca cervos que não pensam.

— Certo. Temos vampiros... ghouls... e o que, em nome do inferno, são essas coisas, Monm? — indaguei em voz baixa, uma raiva latejante crescendo com a curiosidade.

— Aberrações, criaturas de um mundo que Deus está tentando esquecer. Mas nós ainda estamos aqui para lembrá-Lo.

A resposta me atravessou como um salmo distorcido. Cruzamos a porta com a cautela de pecadores num santuário profanado.

O salão se abriu diante de nós como a barriga aberta de uma besta adormecida. Era amplo, tomado por caixas empilhadas, mesas de madeira carcomida, cadeiras tombadas. Um portão no lado esquerdo permitia a entrada de água barrenta e de um sol amarelado, espectral, como se brilhasse de um mundo distante.

Do lado oposto, em meio a um semicírculo de corpos, erguia-se uma criatura dos pesadelos da infância. Caminhava sobre duas pernas, mas nada nela era humano. Devia medir mais de 2,40 metros. Os braços longos terminavam em garras que brilhavam como facas rituais.

A cabeça era ornada por brânquias pulsantes. Os olhos, negros, tinham íris cor de jade. Em suas costas, três apêndices semelhantes a guelras aladas, mas retorcidas, exalavam uma névoa verde-musgo que sussurrava orações num dialeto perdido, talvez náuatle, talvez infernal.

— Anton, a criatura está em vantagem. — sussurrou Monm. — Vamos avançar por trás daquelas caixas.

Assenti em silêncio. Rastejamos como sombras famintas.

Do esconderijo, observamos. Quatro ghouls, espectros de carne mordida e alma ausente, enfrentavam a fera. Tinham olhos turvos, unhas roxas e dentes gastos de tanto roer os mortos. Avançavam com fúria cega, mas sem coordenação divina. A criatura se movia com uma elegância brutal, uma dança de terror e sobrevivência.

Um ghoul foi partido ao meio com um golpe vertical. O outro teve o crânio esmagado pela garra esquerda. Os dois restantes tentaram contornar o monstro, mas a névoa os alcançou. Era um veneno de alma, drenava vontade e luz. Caíram de joelhos, como penitentes corrompidos.

— Aqueles são vampiros poloneses. — sussurrou Monm. — Provavelmente membros do clã Zmora. Eles dominam o miasma e a mente. Têm agilidade acima do comum, e suas lâminas cortam através da fé. Um deles, o de cabelo branco, é Kazimierz. O outro é Dawid, usa duas rapieiras.

Antes que eu pudesse responder, um dos ghouls foi arremessado em nossa direção, revelando nossa presença. O inferno nos acolheu de vez.

Erguemo-nos. As armas, encontradas por acaso num armário durante a noite em que Monm e Siehiffar me resgataram, já estavam em nossas mãos ao entrarmos no armazém. Monm empunhava suas duas adagas longas de prata, e eu segurava firmemente uma rapieira negra de origem desconhecida, também achada naquele momento. Quando o corpo do ghoul foi arremessado para junto de nós, perdemos as armas por alguns segundos no impacto. Mas logo as recuperamos, firmando posição como sentinelas diante da tormenta. Os vampiros nos encararam como caçadores observando uma presa que ousa se armar.

Kazimierz veio primeiro. Deslizou pelo chão com graça férrea. Saltou, girando no ar, e tentou um golpe diagonal com sua adaga de osso. Bloqueei por um triz. A força era assombrosa. Respondi com uma estocada ao flanco, mas ele evaporou em sombra e reapareceu atrás de mim.

— Anton! Cuidado com as ilusões dele! — gritou Monm, lutando com Dawid, que duelava como um dançarino sacrílego.

Monm esquivava-se com maestria. Uma rapieira o raspou no ombro, e ele respondeu com uma adaga cravada na coxa do inimigo. Dawid uivou, o som foi o de vidro estilhaçado por dentro.

Kazimierz tentou morder-me. A cruz sob minha camisa brilhou, e ele hesitou. Aproveitei. A rapieira cortou-lhe o rosto da sobrancelha ao maxilar. Ele recuou, cuspindo sangue negro e blasfêmias em latim corrompido.

— Você ainda reza, humano? — cuspiu.

— Não. Mas minha espada sim. E ela foi batizada.

Golpeei com toda minha força. Kazimierz desviou, mas não viu Monm vindo por trás. Uma das adagas cravou-se em sua nuca. Kazimierz caiu de joelhos. Com um grito, cruzei minha lâmina com a de Monm e decapitamos o maldito.

Dawid, ao ver o fim do irmão, recuou. Mas Monm, agarrando uma perna de cadeira quebrada que jazia próxima a ele, lançou ao chão um punhado de sal marítimo — remanescente de uma das caixas estilhaçadas nas lutas anteriores. O vampiro gritou. Suas pernas queimaram. Corri, saltei, e cravei minha rapieira — não herdada, mas encontrada por acaso como as armas de Monm — em seu peito. Monm finalizou com a estaca improvisada, direto no coração.

Ambos tombaram. O salão silenciou por um instante, até que uma voz gutural rasgou o ar com força ancestral:

— Váš svět se lembrará de mim! Eu sou Václav Vlk! — rugiu o vampiro, a voz mais parecendo um brado bestial do que uma frase compreensível. Não falava com ninguém em particular, mas gritava para a criatura.

Aquela cena proporcionada pelo vampiro nos deu a impressão de ser um clamor de coragem desesperada, uma tentativa de reacender em si a fúria da batalha, como se evocasse sua própria alma pelo nome. Era seu modo de desafiar o abismo com o que lhe restava de bravura.

A fera recuou, como se reconhecesse o nome. Václav, o vampiro que já estava presente desde nossa entrada no armazém, avançava com uma alabarda manchada de um líquido verde claro e tão vivo numa mão e uma pistola de pederneira prussiana na outra. Seus olhos cintilavam com um brilho febril, como de um passado que sangrava na memória da criatura.

O ser imenso começou a recuar, murmurando com insistência, como se as palavras brotassem de um passado ancestral esquecido:

— Tetl, tlachinolli... in cemanahuac yolotl... Tetl, tlachinolli... in cemanahuac yolotl...

Monm franziu a testa, sua mente mergulhando em lembranças distantes.

— Anton... esse dialeto... me soa familiar. Mas não é latino. Nem é náuatle puro. O que é isso?

— "Tetl"... pedra. "Tlachinolli"... fogo. Eu li isso num códice maia esquecido, salvo pelo convento de Oaxaca. É náuatle ritual... algo sobre guerra sagrada... sobre o coração do mundo. "In cemanahuac yolotl"... "o coração do mundo inteiro"...

— E por que ele está dizendo isso?

— Porque, Monm... ele está se lembrando de quem foi. Ou do que destruiu...

O silêncio voltou a cair como um véu, denso e prenhe de presságios. E eu sabia... o verdadeiro combate ainda estava por começar.

Anton S. Miahi – Capítulo XXVIII

(Escrito em meu Diário)

Václav Vlk avançou contra o monstro com uma fúria que desafiava qualquer concepção de medo. Não havia espaço para hesitação, tampouco para pensamentos racionais. O combate apenas prosseguia, como um cântico infernal que se recusava a cessar. Por um instante, a criatura permaneceu estática, repetindo aquele mantra estranho — uma ladainha de tempos esquecidos. Monm e eu trocamos um olhar rápido, buscando decifrar o significado oculto.

Foi então que percebemos a presença de dois indivíduos ocultos, agachados próximo às caixas na esquina esquerda do portão inundado. Um deles, trajando roupas negras, tentou se mover com discrição, mas foi percebido. A criatura virou o rosto lentamente, e o vampiro também.

Num átimo, Václav dissolveu-se em névoa, reaparecendo diante do fugitivo. Antes que qualquer um de nós pudesse intervir, o vampiro exibia um sorriso sádico. Num gesto fluido, agarrou o pescoço do homem e cravou-lhe os dentes. Um grito agudo ecoou pelo salão, reverberando entre as paredes úmidas. O infeliz debatia-se, mas sua luta cessou gradualmente. O sangue cessou de fluir.

Sim. Ele estava morto.

Monm e eu partimos em direção ao vampiro. Por um instante, minha mente esqueceu a fera ao lado direito. Esse lapso foi imediatamente punido: uma mão colossal me atingiu com brutalidade, lançando-me contra uma pilha de sacos de arroz e caixas despedaçadas. Senti as costelas rangerem.

Václav riu, limpando os lábios com o dorso da mão.

— Que pena, Monm... pensei que viesse com palavras santas. Mas tudo o que vejo são punhais e arrogância.

Monm não respondeu com palavras, mas com um salto fulminante. Suas adagas cintilaram sob a luz turva do galpão. Václav bloqueou o primeiro golpe com a lâmina da alabarda, girando o corpo com leveza, como se dançasse. A arma passou rente ao rosto de Monm, que se abaixou, deslizando por baixo da guarda do inimigo e desferindo um chute na perna do vampiro. O estalo foi seco, mas Václav mal se moveu.

— Já fui caçado por inquisidores, Monm. Você não é o primeiro... e, convenhamos, também não será o último.

— E ainda assim continua vivo. Deve ser frustrante para o inferno te ver de volta toda noite — retrucou Monm, arremetendo com a adaga da esquerda, mirando o ombro. Václav aparou com o cabo da alabarda, recuou e, com a pistola de pederneira na mão livre, disparou.

Monm rolou para o lado, o disparo arrancando faíscas das pedras do chão. Ele se lançou por cima de uma mesa caída, chutando uma cadeira em direção ao vampiro, que a partiu em dois com a lâmina. Antes que pudesse recuperar o fôlego, Monm já estava sobre ele, desferindo uma série de estocadas com precisão cirúrgica.

— Tua dança está velha, Vlk. Seus passos já não assustam ninguém.

— Ainda assim, fazem sangrar! — gritou Václav, golpeando com a haste da alabarda, acertando Monm no flanco. O som de carne e osso sendo atingidos me fez estremecer.

Mas Monm apenas sorriu, com os dentes cerrados.

— Isso doeu. Mas agora... é minha vez.

Num movimento inesperado, Monm agarrou o pulso do vampiro, torceu-o e cravou a adaga na articulação. Václav urrou, deixando cair a pistola. Um golpe certeiro no queixo, e o vampiro cambaleou. Monm chutou seu peito, lançando-o contra uma coluna. A alabarda caiu. Václav se ergueu com dificuldade, o rosto emoldurado por sangue e ira.

— Isso... é por cada alma que você devorou — sussurrou Monm, avançando como um anjo vingador.

Enquanto o combate continuava, tentei me erguer entre a poeira e o arroz espalhado. A dor irradiava das costas e ombros como brasas sob a pele, mas havia uma centelha de gratidão em mim: benditos sejam os sacos de arroz.

Ao virar o rosto, vi um jovem de traços juvenis — talvez quinze anos, ou um pouco menos. Tremia, choramingava, e fazia preces em alemão — palavras que reconheci vagamente de minha infância em Sevilha, quando um velho tutor luterano me ensinava os ecos esquecidos de salmos germânicos, como relíquias de um passado que se recusava a perecer.

Aproximei-me devagar, sem ameaçar.

— Junge... Junge, bist du verletzt? (Garoto... você está ferido?)

Ele olhou para mim com olhos arregalados. Estava pálido como um cadáver recente, mas vivo.

— Ich... ich weiß nicht... sie haben uns geholt... sie... — Ele começou a soluçar, cobrindo o rosto com as mãos trêmulas.

— Calma... estás seguro por ora. Qual é o seu nome?

— Friedrich. Friedrich Kröger... Ich bin aus Lübeck... (Sou de Lübeck...)

— Friedrich, ouça-me. Você precisa sair daqui. Há uma porta nos fundos. Quando ouvir um estouro — corra. Monm e eu vamos manter essa coisa ocupada.

Ele assentiu lentamente, os lábios movendo-se em oração muda. Seu corpo era só medo, mas os olhos — havia fé neles. Uma fé ainda não devorada.

E naquela hora, percebi que não lutávamos apenas contra carne e ossos distorcidos. Lutávamos para salvar os que ainda lembravam como orar.

Foi nesse momento que a fera urrou, um grito gutural que reverberou nos ossos: não era uma palavra comum, mas um nome — o dele mesmo, urrado com fúria primal.

— Nēhuatl Aloxōtl... Tlāltikpak tzitzimitl! — bradou a criatura, em um dialeto ancestral que escapava das dobras do tempo.

A criatura tornou a rugir, reafirmando seu nome como quem sela a própria maldição:

— Nēhuatl Aloxōtl... in nemiliztli cualli, in miquiztli tlachinolli!

Logo após, num bramido carregado de uma dor que parecia milenar, sua voz rompeu mais uma vez o ar saturado:

— Tetl, tlachinolli... in cemanahuac yolotl!

— Isso foi... nahuatl? — perguntei, franzindo o cenho, tentando vasculhar a memória por aquela cadência extinta.

A criatura tornou a rugir, como se se recordasse de sua própria maldição: — Tetl, tlachinolli... in cemanahuac yolotl! — bramiu com raiva quase febril.

— "Pedra e fogo... o coração do mundo... não foi ofertado..." — murmurei, traduzindo de forma tosca e instintiva, com um nó na garganta.

Monm girou o rosto, os olhos arregalados.

— Aloxōtl... ouvi esse nome numa ruína perto de Tenochtitlán. Era um espírito de destruição. Um condenado. Um ser que não devia estar aqui.

— Pelo que li em manuscritos antigos — sussurrou Monm, quase em reverência —, não se trata de um deus, mas de algo que ousou aspirar à divindade. Uma entidade do submundo asteca, forjada nos confins insondáveis de Mictlán. Durante um ritual arcaico, o sacerdote incumbido do sacrifício final hesitou, e nesse instante de fraqueza, o processo foi interrompido. Em vez de ascender ao plano dos deuses, a entidade se amalgamou à carne de seu invocador — um sumo sacerdote já corrompido pela ambição e pelo sangue. Desde então, vagou pelas fronteiras da existência, presa entre mundos, entre o éter e a matéria. Forças ocultas, possivelmente ligadas a ritos de translocação do Velho Mundo, o arrancaram de seu tempo e o lançaram para cá, como uma relíquia maldita do México ancestral, retida entre o ontem e o eterno, entre a morte e a memória sagrada.

A criatura urrava para o vazio: uma besta tentando lembrar a si mesma de que ainda existia — ou, talvez, anunciando sua danação ao mundo. Václav hesitou por um breve instante, distraído pela súbita irrupção daquela brutalidade animalesca.

Monm, atento como um lobo à espreita, percebeu a brecha. Estava de frente comigo, tendo o vampiro entre nós. A criatura se encontrava à esquerda de Václav, a mais de dez metros, ainda imersa em sua fúria desgovernada. Aquela era a chance. Nossos olhos se cruzaram, e sem necessidade de palavras, compartilhamos um plano silencioso: era preciso agir com rapidez. Com um leve movimento de cabeça, Monm sinalizou que, a qualquer momento, eu deveria correr.

Václav então se voltou para a criatura, em tom zombeteiro:

— Quem és tu, besta? Um espírito faminto preso em carne e osso? Um cão molhado rosnando contra os vivos? Esperava mais de um espectro milenar!

A criatura respondeu com um grunhido gutural, o som de séculos de ódio condensado em um só instante. Monm, sem perder o ritmo, rebateu com sarcasmo:

— Cuidado, Vlk... alguns cães mordem mais forte que o inferno.

Enquanto a tensão crescia entre as feras, deslizei pelas sombras, cada passo sussurrando segredos ao chão. Mas o monstro percebeu. Seus olhos faiscaram com fúria repentina. Num rompante animalesco, lançou-se contra mim.

O impacto foi devastador. Rolei para o lado, escapando por pouco das garras que despedaçaram o solo. A criatura girou com velocidade absurda, mas eu já me esgueirava entre colunas e destroços. Era a dança do desespero.

Monm aproveitou o momento. Saltou sobre um caixote, alavancando o próprio corpo com as duas lâminas empunhadas. Ignorando a fera, lançou-se diretamente contra Václav Vlk, mirando-lhe a garganta com precisão mortal. Um golpe que teria sido fatal — se Vlk fosse um homem comum. Ao aterrissar, Monm ficou perto demais do monstro, que girou com brutalidade e o lançou contra uma pilastra com um baque seco. Mas ele se levantou, os olhos ainda fixos em Vlk. Era ali que residia o verdadeiro perigo.

Enquanto isso, avancei com ele, olhos cravados na figura do vampiro.

Friedrich, o jovem alemão, permanecia em silêncio, oculto nas sombras, até que recebeu um sinal sutil de minha parte: quando chegasse o momento certo, deveria correr.

Vlk, com seu sorriso cruel e presunçoso, continuava a provocar a fera, divertindo-se com o caos.

— Essa tua arrogância vai te enterrar mais fundo do que essa criatura, Václav — retrucou Monm, sem vacilar.

A fera, enlouquecida, desviou seu olhar em minha direção, captando o rastro dos meus movimentos furtivos. O instinto selvagem tomou o leme; o pouco de controle que ainda restava se desfez.

Num novo surto de fúria, a criatura investiu contra mim. Esquivei-me com precisão treinada — cada gesto ensaiado como um ritual de sobrevivência. E o combate explodiu como um trovão em plena catedral: brutal, frenético, cruel.

Lutávamos: carne contra garras, aço contra ossos. Minha lâmina rapieira feria, desviava, provocava — açoite de precisão em meio à selvageria. Os dentes da besta rasgavam o ar, tentando encontrar minha carne, mas seus ataques falhavam por um fio de segundo, desviados pelo instinto que a dor e o medo haviam aguçado em mim. Ao fundo, Monm, já de pé, avançava novamente contra Václav Vlk, forçando o vampiro a recuar entre imprecações sibilantes e risos ácidos como fel.

A batalha era uma tempestade viva: o cheiro metálico do sangue e da carne queimada flutuava no ar, entrelaçado ao som de passos frenéticos e urros que pareciam brotar das entranhas do próprio inferno.

Friedrich, os olhos arregalados como espelhos de pavor, aguardava — só aguardava — o instante certo para fugir, enquanto ao seu redor o destino se desenrolava em aço e sombras. Sinalizei com um gesto firme, apontando a porta estilhaçada pela colisão com o cadáver do ghoul. Sem hesitar, ele correu. Não olhou para os lados, não gritou, apenas correu, com a alma cravada no instinto de sobrevivência. Ele realmente queria viver.

Não que Monm e eu não desejássemos o mesmo — mas sabíamos demais. Estávamos presos àquele lugar por laços que transcendiam o medo: honra, missão... ou maldição.

Movi-me entre pilhas de caixas, escombros e colunas rachadas, buscando uma posição vantajosa. Quando encontrei um ponto seguro de onde pudesse agir, sinalizei ao meu aliado. Monm captou o gesto, e então — como um maestro no ápice de sua sinfonia — investiu contra o vampiro com uma série de ataques fulminantes. Seus golpes eram rápidos e certeiros, movendo-se com a precisão de um guerreiro treinado além do tempo. Vlk, por sua vez, desviava-se com a graça de um predador antigo, empunhando uma alabarda com uma fluidez quase coreográfica.

Foi nesse instante que percebi algo além. O vampiro começara a recitar palavras em um idioma antigo, estranho e profundamente blasfemo. As vibrações desse discurso pareciam rachar o próprio ar. E então, surgiu uma nova presença.

Sentado sobre um monte de caixas quebradas, havia um ser cadavérico. Usava o que parecia uma coroa retorcida, um cajado disforme nas mãos esqueléticas, e vestes que lembravam restos de veludo cerimonial misturado a mortalhas profanadas. Sua pele era fina como pergaminho seco, e seus olhos... vazios, gélidos, observavam a cena com a paciência de um juiz das eras.

Não havia tempo para contemplações. Voltei-me para o vampiro justo no momento em que Monm me fez novo sinal. Sem palavras, compreendi: o ataque final viria agora.

Monm investiu com fúria controlada. Suas duas adagas riscaram o ar em movimentos oblíquos e alternados, forçando Vlk a recuar até a grande mesa redonda que jazia no centro do salão em ruínas. A madeira rangeu sob seus pés. O vampiro tentou usar a alabarda, mas Monm a prendeu com um giro acrobático de uma das lâminas, enquanto a outra ameaçava sua garganta — travando-o por um instante precioso.

Aproveitei. Lancei-me com toda a força contra o flanco do inimigo. O impacto o desequilibrou — e foi o bastante. Monm saltou, girando no ar como uma sombra viva, e desferiu o golpe final: um corte horizontal que atravessou o pescoço de Vlk. O som foi abafado, como se o tempo se comprimisse ao redor do aço. A cabeça tombou com um baque surdo, rolando pela mesa antes de cair ao chão, estalando contra as pedras como um cálice profano.

O corpo do vampiro ainda estremeceu, como se tentasse agarrar os últimos instantes de uma eternidade roubada. Depois, tombou — e a escuridão ao seu redor pareceu estremecer com seu fim.

Ofegantes, Monm e eu trocamos um olhar — sabíamos que aquilo era apenas o prelúdio. Pois o ser que nos observava, imóvel, ainda não havia feito seu movimento. Mas a criatura — o monstro ancestral — também o percebeu.

Ergueu-se com violência, liberando ao redor uma nuvem de névoa pútrida e tóxica que nos obrigou a recuar alguns passos. O ar se tornava mais denso, os olhos ardiam, e o coração parecia pulsar em outro ritmo diante daquela emanação sobrenatural. Então, como se tomada por uma cólera divina, a criatura bradou seu próprio nome com voz que reverberava nas entranhas do templo:

— Aloxōtl!

E, com a mesma fúria, bradou o nome do reino que a pariu nas trevas:

— Mitclan!

Num ímpeto de fúria atávica, Aloxōtl lançou-se sobre o visitante cadavérico, suas garras envoltas pela neblina venenosa que exalava como um manto de morte. O ar vibrou com a colisão iminente. Mas o estranho se ergueu com uma calma profana, como se cada movimento seu estivesse sintonizado com os relógios do juízo. Quando a criatura alcançou seu alcance, ele ergueu o cajado, que brilhou com uma luz âmbar soturna, desviando o golpe com um arco de energia espectral. Antes que a criatura pudesse contra-atacar com as presas escancaradas, ele girou o cajado como um bastão de sentença, bloqueando a mandíbula infernal com precisão inumana. O som do impacto ecoou como um trovão abafado num túmulo selado — e a batalha transcendia agora os limites da carne, entrando no domínio das forças esquecidas.

A cena que víamos, tanto eu quanto Monm, beirava o patético — mais para nós do que para o recém-chegado. Pelo simples fato de que ele parecia não empregar esforço algum em conter o Aloxōtl.

— Ele... está brincando com ele? — sussurrei, mantendo os olhos fixos na criatura cadavérica.

Monm, limpando o suor da testa com as costas da mão, assentiu com um leve movimento de queixo.

— Parece mais uma dança que um duelo — murmurou. — Mas quem, em nome do Altíssimo, é esse sujeito?

Como se ouvisse a pergunta lançada ao éter, o ser virou-se lentamente para nós. Seus olhos, vazios como a eternidade, cravaram-se nos nossos.

— Chamo-me Tezcal — disse, a voz de barítono soando como um canto sepulcral. — Fui criado das cinzas e do lodo pantanoso do Mitclan, uma fusão sombria de elementos terrenos e divinos, infundida com o sangue de Xolotl. Sou o reflexo entre os mundos. Moldado como um intermediário entre os vivos e os mortos, minha existência tem como objetivo manter o equilíbrio no ciclo da vida e da morte.

— És um necromante? — perguntou Monm, dando um passo adiante.

— Não — respondeu Tezcal, com calma imperturbável. — Sou o eco dos que caminham sem corpo, a vigília dos que repousam em ossos. Não comando os mortos. Eu os ouço.

O silêncio que se seguiu era denso, quase sólido. Aloxōtl, apesar da fúria anterior, recuava em círculos lentos, como um animal que pressente uma força que transcende sua fúria.

— E por que agora? — perguntei. — Por que intervir presentemente?

Tezcal apoiou o cajado no chão. O som ressoou como se ecoasse nas catacumbas do mundo.

— Porque o véu entre os mundos foi rasgado. Vocês o rasgaram. E ele... — olhou para Aloxōtl, cuja névoa começava a perder intensidade — não deveria ter atravessado.

Monm cerrou os punhos.

— Vai destruí-la?

— Não — respondeu Tezcal. — Vou devolvê-lo ao sono que jamais deveria ter sido interrompido.

Tezcal começou a murmurar. Um canto em dialeto azteca, antigo como os ossos da terra, deslizou de seus lábios como uma oração invertida. Gradualmente, o sussurro tornou-se canto pleno, ressoando nas paredes com ecos que pareciam vir de debaixo da pele do mundo. O ar gelou — não com frio comum, mas com o gélido das tumbas abertas. As sombras, até então imóveis, começaram a deslizar pelo chão como serpentes, convergindo para o recitador.

Aloxōtl, num último ato de cólera, tentou investir contra Tezcal — suas garras enegrecidas pelo veneno, sua boca aberta num rugido ancestral. Mas o ambiente pesava como chumbo, e a própria matéria parecia se curvar ao rito.

— Anton... — sussurrou Monm. — Isso... isso é um ritual de banimento?

— Parece mais um julgamento — respondi, com a mão instintivamente sobre a cruz que repousava sob meu manto. E ela queimava. Queimava com um brilho índigo, como se o céu clamasse por ordem.

Tezcal então silenciou. No mesmo instante, a criatura foi tragada do chão por uma areia negra e espessa, que brotou sob seus pés como uma fauce aberta. O som era de carne sendo puxada por ganchos, de ossos esmagando vidro. O odor de carne podre, sangue envelhecido e enxofre empestou o ar. E antes que pudéssemos reagir...

— Não... isso não é apenas magia — tentei dizer, mas a frase morreu em minha boca.

Crônicas de Sangue e Sombras
Anton Stefan Miahi nasceu para os livros e a reflexão, educado num tempo de paz. Aos trinta anos, porém, foi arremessado às batalhas sangrentas contra os prussianos, liderando soldados numa guerra que desafiava toda lógica que lhe era preciosa. No lúgubre Castelo Drácula, Anton enfrenta novamente o caos, onde eventos bizarros testam os limites da razão. Assombrado por traumas e perdas, ele percebe que a racionalidade é apenas uma frágil chama em meio à tempestade sombria da loucura. » Leia todos os capítulos.

Escrito por:
Aslam E. Ramallo

Aslam E. Ramallo, renomado autor de "Réquiem para a Poesia" e "Amores Segredos & Poesia", mergulha na essência do Ultrarromantismo e do existencialismo moderno em suas obras literárias. Este prolífico escritor, também destacado professor de história, tece narrativas que transcendem o tempo, imersas na melancolia gótica e na reflexão existencial. Com maestria, Ramallo entrelaça os fios da emoção humana com a complexidade histórica... » leia mais
17ª Edição: Dívanno - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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