Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

O licor havia se impregnado em minhas papilas gustativas. Meus dedos agitados fazem o líquido viscoso balançar com inquietação dentro da taça. Atônita, contemplo o baile sombrio mover-se com extrema volúpia. Meus olhos não eram capazes de acompanhar os movimentos. Fecho os olhos, pois fui acometida por fortes náuseas. Deixo a taça no chão e, vagarosamente, caminho. Mesmo estando longe, era possível ouvir o doce dedilhar sob as cordas dos delicados violinos, assim como as risadas libertinas. Tiro a máscara, e minha tez está febril. Conforme ando, o som das festividades foi se distanciando, se igualando a estranhos sussurros vindos de alguma civilização esquecida há éons.

Em meu íntimo, desejo voltar para o baile. Minhas entranhas suplicam mais um gole do detestável licor. Tento silenciar os pensamentos, contemplando o Castelo. Ao fazer isto, constato que o mesmo se modificou — sua estrutura ganhara dimensões abissais; sofrera, também, graves mudanças. O Castelo estava imerso numa aura lúgubre; cada pedra foi consumida por uma cor inenarrável, profunda e viscosa.

As pedras também sofreram com a presença de terríveis musgos, ocupando as frestas presentes em cada pedra. Noto uma sutil, mas aterrorizante, mudança no ar, tornando árduo o ato de respirar. Vi o véu que guarda segredos além do tempo sendo rasgado perante mim, e então o imaginário se materializou.

— Eram semelhantes a inúmeras partículas de uma pálida poeira, pairando misteriosamente, alcançando todo o interior do Castelo. Fui até uma das janelas e constatei que vinham de fora. As palavras de Evelyn Dubois recaem sobre mim; sorrindo, ela dizia: “Com o passar do tempo, você irá se acostumar.”

A visão que tive foi demasiadamente extraordinária — a poeira ocupava cada centímetro daquela região. O céu ganhara horripilantes pinceladas num desagradável tom de azul-petróleo. Já no horizonte, a magnífica e dourada lua, em sua fase quarto crescente, resplandecia imponente, contornando o cume das montanhas, bem como toda a vegetação, desde as grandes árvores até os pequenos arbustos. Alumiava também os grãos pálidos da arcana poeira, que obedeciam fielmente ao soprar dos ventos. Inclusive, pude sentir um característico cheiro pútrido marítimo, deixando-me atordoada.

Pois bem, estarrecida, afasto-me da janela. Olho em volta; a quantidade de partículas aumentou consideravelmente. Assustada, cubro meu rosto com a mão direita e caminho sem direção, até que encontro um esguio e mal iluminado corredor. Por alguma razão, decido atravessá-lo. À medida que ando, as velas se tornam mais escassas. Noto também que a poeira está se dissipando conforme ando.

Estou entregue à minha própria sorte. Com pesar, observo seu moroso derretimento. Lembrei do meu pai — ele disse que cada vela derretia de uma forma; disse também que o mesmo acontecia com o pavio. Tal lembrança deixou meus olhos marejados. “Ah, pai, queria tanto te ver...” — a frase saiu sem querer, ecoando no imenso corredor. Se eu fechasse os olhos, conseguiria ver sua vasta biblioteca; o cheiro dos livros me acalmava. No centro, havia uma mesa de jacarandá, sempre ornamentada com anotações importantes, livros para pesquisa. Ocupando as laterais, estantes repletas de livros.

Assim como eu, ele era um curioso em relação ao desconhecido. O pouco que sei foi graças a ele. Naquela noite, meus pais não queriam que eu saísse (parecia que estavam prevendo meu terrível destino), mas eles cederam à minha insistência.

Se não fosse por aquele convite — tornei-me taciturna —, onde minh’alma fora devorada por aqueles sedutores e sombrios olhos azuis, eu estaria... Não importa. Estou condenada a carregar a mesma escuridão que meu algoz — ele estava enraizado em meu âmago, e às vezes soprava em meu ouvido verdades incontestáveis. São momentos assim que desejei o aprazível abraço da morte. Porém, algo me resgata do abismo.

Ando mais alguns metros. Vejo uma espécie de aura longínqua e, a princípio, parece disforme. Ando mais depressa, pois era uma visão intrigante. Cheguei perto o suficiente para ver do que se tratava: era uma luz branda, etérea, quase angelical. Fui acometida por uma estranha paz — senti algo semelhante quando estive em Somníria. A quantidade de poeira diminuiu consideravelmente. Paralisada, contemplo o gracioso mover da intrigante luz. Me questiono qual será sua natureza.

Sigo-a até uma porta alta e simples de madeira. Espantada, assisto ela atravessar a porta e desaparecer. Um terrível arrepio percorre meu corpo. Relutante, abro a porta — e não posso crer: achei a biblioteca que incansavelmente busquei. Foi aqui onde encontrei aquele Códex sinistro, que, desde então, havia se tornado uma obsessão. Por breves segundos, esqueci daquela figura espectral. Ela estava no final da biblioteca, levitando próxima da mesa redonda vitoriana, alcançando o abobadado teto — tal qual o famoso espiritualista escocês Daniel Dunglas Home.

Sem dúvidas, era uma visão espantosa. Fechei a porta; sua presença doce preencheu aquele lugar. Era como uma santa. Olhando mais atentamente, havia traços humanos: os cabelos negros ondulados balançavam sob o ar. Vi também um rosto delicado. Os olhos fechados traziam mansidão; já as palmas unidas em oração continham esperança. Para quem seriam aquelas preces?

Fascinada, caminho devagar ao seu encontro. Porém, algo me impede. Escuto, então, passos firmes vindo de fora, acompanhados de um sutil, mas pontual, tique-taque. (Sabia que se tratava de um relógio de bolso, pois era uma das paixões do meu pai.) A porta se abriu lentamente, emitindo um penoso ranger. Mas, antes disso, contemplei a figura sacra desaparecer da mesma forma que surgiu. Um sussurro escapa de meus lábios — mais um evento o qual não teria respostas.

Após isso, uma brisa gélida invadiu aquele âmbito. Meus olhos dançam frenéticos sob as pálpebras. Quem será que adentrou neste recinto? Que presença é esta?

Noctígeno
Rose, uma jovem de espírito sensível, adentra o Castelo Drácula em busca de respostas para os mistérios que a cercam. Lá, ela se depara com um livro encadernado em pele humana, cujas páginas parecem proteger verdades inomináveis. À medida que mergulha nas profundezas do castelo, Rose enfrenta visões perturbadoras e enigmas que desafiam sua sanidade. Em sua jornada, ela descobre que a verdade pode ser mais sombria do que jamais imaginou, e que o conhecimento tem um preço que talvez não esteja disposta a pagar. » Leia todos os capítulos.

Escrito por:
Pablo Henrique

Pablo é um escritor nascido no Nordeste do Brasil, em João Pessoa. Possui uma escrita bastante carregada em angústia, com a essência do terror, horror e ultrarromantismo. Sua paixão pela Literatura Gótica começou na infância. Algumas de suas referências literárias são: Mary Shelley, as irmãs Brontë, Agatha Christie, Edgar Allan Poe e William Shakespeare. Pablo Henrique também é artista visual... » leia mais
17ª Edição: Dívanno - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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