23. Diário da Irmã da Ordem II
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Data: 8 de julho de 1374
Fui convocada para uma missão, irmã Teodora me entregou um pergaminho com um nome, não me deu nenhuma explicação, nenhuma justificativa, apenas o nome, o destino e uma ordem: “Elimine-o sem deixar rastros”. Dessa vez não era um ambiente controlado, eu iria sozinha para o mundo real, não fiz nenhuma pergunta, apenas fui completar minha missão. Cheguei à cidade e faz meses que não caminho entre os vivos, e depois de tanto tempo longe, eles parecem tão frágeis e distraídos. Meu alvo era um mercador rico e influente, mas aparentemente insignificante, então não posso perder tempo analisando os vivos, quando a ordem quer a sua morte, mas acho que ele deve ser algo mais do que parece, mas não cabe a mim perguntar. Passei o dia observando, ele almoça sempre na mesma taberna, sempre escolhe as mesmas bebidas, tem um guarda-costas que parece depender demais da força bruta, mas acredito que seja descuidado, já percebi ele se distraindo com as belas moças que servem as bebidas. Se eu quisesse poderia acabar com ele ali mesmo, mas não posso deixar rastros, preciso ser cuidadosa e fazer parecer um acidente.
Data: 13 de julho de 1374
Troquei as garrafas na taverna, o mercador vai beber o vinho envenenado essa noite, não irá fazer efeito na hora, apenas dará a ele uma leve indisposição, o suficiente para fazer com que volte para casa mais cedo. O veneno real vai estar no chá que seu criado prepara para ele antes de dormir, pela manhã quando o encontrarem ele já estará morto, o médico vai declarar falha no coração, nada de suspeito, nada que leve até mim ou a ordem.
Data: 14 de julho de 1374
Ele está morto e ninguém suspeita, volto para ordem hoje à noite.
Data: 3 de setembro de 1374
Os jardins da abadia são muito bonitos à noite, há diversas flores que possui, mas há algo nos crisântemos, na forma como desabrocham, no aroma, no formato deles que me é muito agradável. Algumas das flores daqui duram apenas uma estação, depois se tornam irrelevantes. As pessoas também são assim, algumas são tão fascinantes por um tempo e depois se tornam tão sem importância. Logo precisarei de uma nova missão, algo novo para tornar o mundo mais vivido.
Data: 6 de setembro de 1374
A lua hoje estava cheia e muito brilhante, iluminando o jardim da abadia com seu brilho, eu senti algo a admirá-la, um vestígio de emoção que se manteve em mim por longo tempo, isso é raro. Talvez aqui na ordem sempre haja algo que possa me surpreender, “rezo” para que sim.
Data: 3 de outubro de 1374
Irmã Teodora me deu mais uma missão, dessa vez num vilarejo, uma cria vampírica estava causando terror nesse pequeno vilarejo depois que fugiu de seu covil, após seu mestre ser morto por mercenário descuidado. O vilarejo fedia a sangue, caminhei por entre as casas de madeira, procurando minha presa, eu podia ouvir o choro abafado por detrás das portas trancadas, os habitantes sabiam que havia um monstro entre eles, eles só não sabiam onde estava ou onde espreitava. Não precisei procurar muito, pois ele fez o que todos que confiam demais na imortalidade fazem, foi descuidado. então segui seus rastros, uma mulher com a garganta dilacerada caída na entrada de um celeiro e um homem morto ainda segurando um amuleto sagrado de ferro, como se isso pudesse protegê-lo de algo, e mais à frente encontrei o monstro.
Uma cria vampírica novata, nem mesmo era um bom predador ainda, somente uma coisa faminta e sem controle. Podia me ver nele e quase sentir uma pontada de empatia, era isso mesmo, empatia. Ele estava ajoelhado sobre um corpo, bebendo desesperado. Eu me aproximei em silêncio e era tarde demais quando ele me ouviu. Quando ergueu a cabeça eu vi o terror em seus olhos, as irmãs da ordem causavam isso, alívio para os humanos, terror para os monstros. Ele tentou fugir, mas não lhe dei tempo, com meu punhal rasguei sua garganta, cortando um grito antes que ele saísse, o sangue escorreu, ele se debateu, tentou segurar o corte e se afastar, em vão. O joguei no chão e me ajoelhei sobre ele, meu peso sobre o corpo dele enquanto se contorcia, o punhal dessa vez no seu coração, encontrando caminho em meio a algumas costelas, como eu aprendi com irmã Teodora, senti o osso ceder sob a lâmina e pude ouvir o estalo da sua costela partindo, seus olhos arregalaram, e por um instante pude apreciar o puro pavor nos olhos dele. E então acabou, apenas cinzas.
Fiquei no vilarejo para ajudar seus habitantes a enterrarem seus mortos e oferecer os ritos fúnebres para dar paz às suas almas. Eu os ajudei, mas via nos olhos de cada um o medo do monstro que eu era, talvez eu tenha me excedido demais ou mostrado prazer demais ao matá-lo, não sei dizer. A voz em minha mente sussurrou algo naquela noite, não era fome, vontade ou desejo, mas um “obrigada”, ela estava satisfeita. Então por hoje minha vontade está silenciada.

Entre as paredes sinistras do Castelo Drácula, Rute Fasano registra em seu diário as angústias de uma alma consumida pela perda e pela culpa. Assombrada por memórias que recusam o descanso eterno, ela mergulha em abismos existenciais enquanto busca sentido numa fé já desfeita. Para Rute, a única certeza parece repousar na própria morte ou, talvez, numa reversão obscura dela. Seu relato é um testemunho de saudade e consequências, onde a linha entre a vida e o fim torna-se tênue como um último suspiro. » Leia todos os capítulos.

Valesca Afrodite Gomes
Valesca nasceu no Rio de Janeiro (RJ), cursa Ciências Biológicas, encontra-se no último período. Tem paixão por ciências, subcultura gótica, livros, seres sobrenaturais, ficção científica, cemitérios, igrejas e morcegos, ela também é voluntária em um projeto de divulgação científica chamado "Morcegos na Praça". Escrevia com frequência, mas afastou-se da prática ao... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
Tiago Serigy é nascido em Aracaju, Sergipe, e carrega uma alma que pulsa em versos desde a infância. Professor de História e estudante de Jornalismo…