Castelo Vampírico: A ti foram reveladas muitas coisas, que ultrapassam o alcance do espírito
05 de janeiro? – Decidida a não atender à vontade da criatura, fechei a cortina e me preparei para dormir. Levantei-me umas três vezes para espiar a criatura pela cortina, e ela continuava lá, sentada no peitoril, encarando o horizonte laranja. A abóbora, como Ameritt havia recomendado, permanecia no lugar. Apenas a cortina nos separava. Mesmo que um incômodo insistisse em se mover por minhas entranhas, preferi confiar que a presença da abóbora dada por Ameritt pudesse me proteger. Então, deixei o cansaço me vencer depois de horas de vigilância inútil.
06 de janeiro? – Despertei, e a primeira coisa que fiz foi verificar se a criatura permanecia na janela. E lá estava ela, admirando o horizonte, como se não tivesse mudado de posição em momento algum. A cena era sublime. Mesmo que um pouco assustadora, havia algo belo na forma como ela contemplava tudo à sua frente. Não perdi muito tempo e fui logo ao encontro de Ameritt. Estava ansiosa para compartilhar com ela o ocorrido. Lá estava ela, colhendo cogumelos, e me recebeu com um sorriso, ouvindo-me com paciência enquanto eu falava sobre a criatura e apontava para a janela do meu quarto, para que ela pudesse vê-la.
Quando terminei de falar sobre a criatura, omitindo o livro, ela riu baixinho enquanto olhava para cima, protegendo os olhos da luz da manhã:
— Há coisas nesse castelo, minha querida Rute-besin, que ultrapassam qualquer entendimento que possamos ter. Para certas respostas, talvez você deva procurar o professor Monm. Talvez ele tenha o conhecimento sobre isso que eu não tenho. Ele pode parecer meio estranho, perdido em pensamentos às vezes, mas sabe exatamente onde está.
Então, com seu jeito peculiar, ao qual eu já havia me acostumado, ela voltou a colher os cogumelos, como se aquilo que eu havia contado fosse apenas mais um dia comum, algo trivial do castelo. Depois da conversa com Ameritt, decidi procurar o professor Monm. Nunca o tinha visto, não sabia sua aparência, mas me recordava um pouco de onde ficava sua sala de aula. Lembro-me do encontro impactante que tive com seus alunos depois de ser perseguida por uma criatura assustadora ao voltar de Séttimor.
Fui àquela sala, mas estava vazia, assim como todas as outras ao redor. Aparentemente, o professor não é uma figura fácil de se encontrar pelos corredores do castelo. Ainda assim, estou aliviada por o castelo, às vezes, conspirar para que certos encontros aconteçam. Quando já sentia vontade de desistir da procura, encontrei-o no corredor. E, junto dele, encontrei a biblioteca que já havia visitado na outra versão do castelo, no dia do baile de máscaras. Um alívio duplo, se posso dizer.
Ele estava parado à porta da biblioteca, como se estivesse à minha espera. Era um homem alto, de pele escura, cabelos e barba bem aparados, muito bem-vestido, com um blazer e uma calça de tweed em um verde bem escuro. Por dentro do blazer, usava uma camisa muito branca e segurava um relógio de bolso.
— Conseguiu o que precisava? — perguntou ele assim que o vi, com um sorriso sutil.
Fiquei confusa a ponto de olhar para trás, procurando algum de seus alunos que pudesse estar vindo atrás de mim.
— Consegui o quê? — perguntei, sem entender.
— Ah, sim, perdão — murmurou ele, como se falasse mais consigo mesmo do que comigo. — Isso ainda não aconteceu.
O comentário me perturbou, mas decidi ignorá-lo. Ameritt havia me prevenido de que o professor poderia parecer meio estranho, então foquei na razão que me levou a procurá-lo. Apresentei-me e disse que Ameritt tinha recomendado procurá-lo para sanar uma dúvida minha. Ao ouvir o nome de Ameritt, ele abriu um grande sorriso e me convidou a entrar na biblioteca e nos sentarmos.
Quebrando meu constrangimento e minha timidez iniciais, fui direto ao assunto. Expliquei a ele sobre o estranho visitante sentado no peitoril da minha janela e mencionei brevemente o livro que havia encontrado. Não revelei muito e omiti o motivo real que me levou a guardar o livro comigo. Ele escutou em silêncio, paciente, esperando que eu terminasse. Respirou fundo, juntou as mãos e, depois de alguns instantes, começou a falar:
— As criaturas desse castelo... Sim, elas nem sempre são simples visões ou espíritos. Algumas, como talvez essa que você descreveu, são fragmentos do castelo: lembranças, reflexos da própria arquitetura deste lugar. Esse castelo tem sua própria memória.
Ele parou, pensativo, e me olhou com intensidade.
— Esse livro que você encontrou talvez também seja uma memória. Cada objeto, cada criatura nesse lugar é um fragmento da memória do castelo. E aquelas que ainda não são, um dia serão. Acredito que essa criatura não irá lhe fazer mal. Se fosse assim, já teria feito. Prometo que irei verificar isso mais a fundo amanhã.
Senti um arrepio com as palavras do professor. Elas não me ofereciam respostas diretas. Ele parecia saber mais do que estava disposto a compartilhar, mas suas palavras me faziam sentir o castelo mais vivo. Depois disso, perguntei a ele se poderia usar a biblioteca para algumas pesquisas que precisava realizar e se ele estaria disponível para tirar eventuais dúvidas. Ele pareceu se animar com o assunto e começou a falar sobre as mentes curiosas que já havia conhecido no castelo, sobre como pessoas movidas pela necessidade de conhecimento o extasiavam.
Não havia dúvidas de que Monm era um ótimo professor. A forma como falava, como se encantava pelo conhecimento e pela partilha de saberes, era maravilhosa. Eu poderia ficar ouvindo-o por horas — e foi o que fiz. Enquanto conversávamos, por um breve momento em que olhei em seus olhos, senti como se algo neles revelasse uma dor antiga. Era uma sensação estranha. Sempre fui péssima em entender sentimentos alheios, mas consegui captar um fragmento de dor, uma dor semelhante à minha, só que amplificada, como se a minha perda fosse apenas uma sombra da dor que Monm vivenciara.
Nunca imaginei que um dia poderia reconhecer em outra pessoa algo tão próximo do que eu sinto. Eu, que antes de fazer parte do castelo duvidava de tudo o que fugisse do alcance da minha lógica, encontrei-me diante de alguém com quem talvez compartilhe uma espécie de luto silencioso. Olhando para ele, o peso que carrego pareceu tornar-se mais claro. Por um momento, pensei em perguntar o que realmente o consumia e se era mesmo luto, talvez até compartilhar um pouco da minha própria história. Mas, assim como eu, ele parecia ter aprendido a manter a dor guardada, protegida dos olhares dos outros.
Quando seus olhos perderam aquela sombra estranha, ele continuou a falar como se nada tivesse acontecido. Afinal, no castelo, talvez seja fácil perder-se — não apenas nos corredores e salas, mas também dentro de si mesmo. Monm e eu, cada um à sua forma, somos habitantes desse labirinto.
07 de janeiro? – Nunca imaginei que, sendo hóspede do castelo, poderia conhecer tantos lugares diferentes como o que conheci à noite. Ontem à tarde, ao retornar ao meu quarto e perceber que a criatura ainda estava no peitoril, senti uma estranha vontade de apenas deixar para lá. Então, fiquei escrevendo até que o sono se tornasse difícil de vencer. Fui para a cama e me entreguei a ele sem resistência, deixando as palavras que ainda poderiam ser escritas soltas na minha mente.
Assim que fechei os olhos, logo os abri e me vi em um lugar que não poderia chamar de sonho. Não era o castelo, e infelizmente também não era a Vila de Séttimor. Era como se eu estivesse em um espaço que escapava a qualquer definição lógica. Não consigo explicar com palavras exatas a sensação que me preenchia.
Ao meu redor, flutuavam algumas bolhas que refletiam lembranças — algumas minhas, outras familiares, porém nubladas. Caminhei em meio a uma névoa lilás, com um perfume sutil de lavanda. Ao tocar minha pele, essa névoa parecia refrescar-me e, aos poucos, suspender minhas sensações.
Logo à frente, havia um homem alto, de pele escura e cabelos e barba muito brancos. Seus olhos, de um branco translúcido, não possuíam íris nem pupilas. Ele usava vestes semelhantes às de um monge, todas brancas, e segurava uma chave. Parecia estar à minha espera.
— Venha. — Ele disse como um sussurro. — É-me ordenado guiar-te para o sonho daquele que teu coração anseia.
E meu coração ansiava, mas eu não tinha certeza de por quem ou pelo quê. Eu o segui por entre um campo de lavandas na direção de uma bela porta de madeira escura adornada de heras. Era apenas uma porta, sem nada: sem uma construção, paredes, nada que eu pudesse entrar. Ele a abriu, e me vi de frente a uma bolha, do tamanho de uma bola de basquete, onde havia uma lembrança. As nuvens que a cobriam se dissiparam, e vi o professor Monm. Ele segurava um relicário com firmeza, mas havia tristeza em seu rosto.
— Éramos… inseparáveis… — murmurou Monm. Sua voz parecia estar distante, cada palavra carregada de dor. — Mas, o tempo… em seu esplendor e perfeição… — Ele olhou para o relicário em suas mãos. — Tornou-se minha obsessão… pois… eu não podia… eu não podia perdê-la…
A imagem dele ali, perdido em sua própria dor, era como olhar para um espelho daquilo que também me feriu por dentro. Amor, culpa, desespero, tudo isso me tomou de maneira violenta: a dor semelhante, o eco suave do que eu sinto por Hadassa. A lembrança dela encheu minha mente, e logo fui sugada para um cenário diferente. Comecei a sentir demais, senti uma vertigem e percebi que algo estava errado. Comecei a ouvir sussurros, vários deles, numa língua que eu não conseguia identificar.
Me vi sozinha, de frente a um grande portão escuro, com criaturas aladas me observando com olhos profundos. O portão se abriu, e fui levada através dele sem ter escolha. Eu queria recuar, acordar, mas estava sendo levada, atraída, indo além de sabe-se-lá-o-quê. Uma grande bolha escura veio até mim, fui tragada por ela, e arrastada para uma das minhas piores memórias. Eu estava como uma observadora: me vi parada, sem reação, olhando para Hadassa. Ela segurava o celular com mãos trêmulas, suas mãos e roupas ensanguentadas. Ela estava chorando e me implorando para ajudá-la.
— Rute, me ajude, eu não quero ir para o inferno. Me ajude, por favor, eu quero morrer, mas não quero ir para o inferno. — Ela gritava enquanto abraçava a minha versão da lembrança, que começou a chorar junto com ela, sem saber o que fazer.
As palavras dela ainda me atormentam quando me distraio e deixo meus pensamentos irem. Comecei a sentir meu coração bater mais depressa, minha respiração estava ofegante. Senti como se uma carga elétrica fluísse por minhas veias e vasos. Queria que aquela lembrança parasse, eu não queria vivenciar aquela cena novamente. Me debati, gritei, mas parecia inútil. Eu não queria sentir tudo aquilo de novo, eu só queria sair dali.
Acordei com um sobressalto, e lá estava a criatura da janela, me sacudindo. Mais próxima que antes, próxima demais. De algum modo, ela havia atravessado a proteção da abóbora de Ameritt e agora me olhava com aqueles olhos que pareciam enxergar através de mim.
Elas se calaram… as vozes do meu abismo. E agora perduro em Selenoor como quem a ela pertence, uma rainha índigo de sangue e solidão…