Almas Cinzentas
A noite estava fria, mas o frio do amanhecer é maior e me desperta de um sono longo. Ao abrir os olhos, percebo que tudo é cinzento, vazio, morto. Logo, meu globo ocular arde levemente, trazendo lágrimas quentes que começam a verter. Por que a monotonia me toma, por quê? Por que o dia amanhece tão estranho? Na verdade, onde estou? Estaria eu ainda sonhando? Talvez. Seco as lágrimas de saudade de algo que não sei decifrar.
Levanto-me da cama, lavo meu corpo e sinto a água gelada. Saio rapidamente do banho e me visto com roupas confortáveis e aquecidas. Decido explorar melhor o lugar, mas antes de sair, avisto uma placa gigantesca na saída do castelo onde estou hospedada, que diz: “Vila Séttimor” — percebo da minha janela. Então, o nome deste lugar é Vila Séttimor? Muitas interrogações me tomam.
Lembro-me de Olga Nivïttz, da sua inteligência, altivez e coragem para viver neste lugar, que agora me encanta grandiosamente. A cada orientação sua, me sinto mais segura, ainda assim, sinto-me nostálgica, como se algo dentro de mim faltasse. A busca por esse algo parece distante, dolorosa.
Ao longe, vejo pessoas caminhando vagarosamente, como se estivessem enfermas ou com preguiça. Mas todas? Decido sair do quarto para conhecer melhor o ambiente lá fora. Desço as escadas e a atmosfera é gélida, logo, penso que fiz bem em me cobrir bastante.
A porta do castelo se abre lentamente e range alto. Nunca sei o que me espera por aqui, e realmente, o que vejo é estranho. Ao me afastar do grande recinto, vejo as pessoas lentas, da mesma maneira que vi pela janela. Seus rostos são estranhos e elas não me olham fixamente.
— Olá... — digo, mas ninguém responde. Os seres andarilhos apenas me olham. Realmente, este lugar é um destino que jamais imaginaria estar. Essas pessoas não me fazem mal, mas me transmitem estranheza, como se eu estivesse em outro mundo, um mundo além do meu. Meus líderes conversaram bastante comigo sobre portais que podem ser abertos e nos levar a locais inexplicáveis, e penso se isso poderia estar acontecendo comigo.
As pessoas que vejo são frias, em todos os sentidos possíveis. Logo, elas me fazem lembrar de tantas pessoas que amo e que se foram, não sei por que penso nisso. A morte parece estar tão próxima de mim, uma atmosfera cinzenta, uma aura funesta e dolorida...
Continuo caminhando e não apenas sinto cheiro de sangue, mas o vejo por entre os cristais de gelo ao chão. Sim, nevou, e a neve ainda cai, improfícua. De quem seria esse sangue? A vila parece grande, misteriosa e assustadora.
Decido retornar, ou essas pessoas me deixariam ainda mais tonta de tanto rondarem próximas a mim, como se fossem cair e me derrubar ao chão.
Não acredito que zumbis possam existir neste espaço-tempo em que me encontro. São pessoas, pessoas estranhas, mas ainda são seres humanos. Isso parece ser um pouco mais profundo do que imaginei.
Ao retornar para o castelo, lembro-me do meu avô. Ele me doutrinou tanto, me ensinou tantas coisas, e agora não tenho seus conselhos sábios em tempo real. Tudo ficou na minha mente, apenas. Lembro-me e choro. Meu choro é a única coisa que aquece um pouco o meu rosto, pois a frieza que toma minha pele, ainda que aquecida, é inegociável.
De tanto pensar, esbarro em uma pessoa que parece não estar olhando por onde anda.
— Você consegue olhar por onde anda? — Quase brado, impacientemente, e a pessoa passa por mim e para, de costas. Quando se vira para mim, vejo que seu rosto não existe, está cinzento, pálido, vazio, com uma cor inexistente... me assusto desta vez. Antes que a figura abra a boca para dizer algo, corro para o castelo, e antes mesmo que eu possa me aproximar, a grande porta se abre, parecendo me reconhecer enquanto residente.
Adentro a porta e subo as escadas correndo, até chegar ao meu quarto. Preciso urgentemente relatar tudo para meus líderes xamânicos que deixei em meu país. Eles precisam saber o que anda acontecendo desde que aqui cheguei.
Fico imaginando: se uma daquelas criaturas adentrar o castelo, não sei o que poderá acontecer. Pela primeira vez não tive medo ao ver figuras masculinas rodando a Vila Séttimor. Talvez, por ter figuras femininas por perto. Ou talvez por serem lentos, indefesos. Mas por que não tive medo? Por que sei que não me fariam mal? Por que são tão diferentes dos outros seres vivos?
Pego meus pergaminhos, caneta e tinteiro, e surgem as primeiras palavras, ainda em minha mente. Acalmo-me e sento-me à escrivaninha disponível em meu quarto. Através dela, é possível ver a janela, que me dá a possibilidade de ver as pessoas estranhas lá fora. Eis o momento de respirar fundo e iniciar meu primeiro relato a ser enviado para minha aldeia.
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