Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

A sensação de torpor parece não querer me abandonar, cada puído tijolo do meu aposento escuta com atenção minhas aflições, meu corpo ainda sofre com espasmos, a doce e sedutora voz do Conde reverbera em meu inconsciente, bem como as notas tocadas por aquela fúnebre orquestra.

As vagas lembranças eram confusas, a dança, o jantar, aquela versão obscura do castelo, por mais estranho que fosse, queria estar lá novamente. Continuo deitada em meus aposentos numa majestosa cama, feita de madeira sólida, ela ocupava grande parte do quarto. Elevo meus olhos e noto uma cabeceira imponente em mogno, esculpida à mão, com adornos que eram um verdadeiro deleite.

A cômoda ainda trazia um aconchegante estofado, em tons de roxo, diria que o anfitrião me conhece muito bem, pois esse tecido me remete a um passado quase esquecido. Fecho os olhos e deslizo suavemente meus dedos ainda manchados da última refeição, sentindo toda maciez do tecido, deixando escapar dos meus lábios escarlates tímidos sorrisos.

Sem perceber, sou conduzida para épocas felizes, quando ainda criança, meus pais me cobriam com uma manta de veludo verde musgo, nos dias chuvosos, lembro-me do doce cantar entoado pela minha mãe, quando os intensos relâmpagos invadiam meu quarto, sua voz me acalmava e me fazia dormir. Se eu buscasse nas profundezas do meu subconsciente, ainda conseguia ouvir o sussurrar amoroso, desejando um boa noite, deixando seu inconfundível sutil aroma de rosas.

Por breves segundos, voltei a ser a inocente Rose, cujas únicas preocupações eram: ser uma boa filha, brincar e tirar boas notas. Mas, ao abrir meus olhos inundados de nostalgia, vejo os brilhantes cristais presentes em um lindo lustre feito de ferro fundido, um lembrete de que ainda estou aqui, percebo também que ainda era dia, pois a luz rastejava pela fresta da enorme cortina, (que também era de veludo) em tom de roxo, escondo-me atrás da cabeceira e espero o anoitecer.

Sem demora, ela chegou, a encantadora noite, me levanto com leveza. Caminho para a imensa janela, abro-a e sou banhada pelo cálido luar, em seguida, sinto o toque gélido da noite em meu rosto e meus cachos dançam com o soprar noturno.

Vejo que, ao lado da cama, há uma cadeira vitoriana com minhas roupas dobradas, talvez tenha sido o mordomo; em frente à cama se encontra uma lindíssima banheira vitoriana e, à sua direita, uma pia esculpida em porcelana branca que parece ser do século XIX, com detalhes em dourado. 

Meu tempo é escasso, então, limpo meu rosto assim como algumas partes do meu corpo, sinto-me renovada com o toque da água gélida, só então troco de roupa, e torno a ficar em frente à janela.

Não sei ao certo, mas havia algo sombrio nos arredores do castelo, um medo irreal percorre cada centímetro do meu corpo, o terror se manifestar através de arrepios, vislumbro o céu com poucas nuvens, onde as estrelas ostentam um brilho nunca visto antes, a lua está em sua mais bela forma, imponente e cheia, minha atenção se volta para o horizonte, é possível contemplar inúmeras montanhas altíssimas, já outras menores, porém, todas brilhavam horrivelmente com o luar, e a vegetação presente nos picos das montanhas adquiriram um verde neon.

Uma visão arrebatadora, meus olhos seguem perambulando na escuridão, me deparo com vegetações mais rasteiras, e também alguns arbustos, mais abaixo, vejo algumas estradas serpenteando para diferentes direções, absorta, é quando vislumbro algo aterrador, em meio àquela escuridão, surge um denso nevoeiro, fazendo com que pouco a pouco as montanhas, estradas e vegetações desaparecessem em meio à neblina. 

Entretanto, não era um simples nevoeiro, eu estava prestes a testemunhar a materialização do desconhecido, nossa ínfima mente não está preparada para tal visão, conforme ela se movia, pude ver uma espécie de galhos longos e esbranquiçados, alcançando alturas inimagináveis.

Absorta, vejo o nevoeiro ultrapassar os altos muros do castelo, fecho a janela pois, ele se aproxima, meu colo palpita descompassado, senti a mesma sensação ao tocar aquele funesto livro confeccionado em pele humana.

Enrolo meus cachos com os dedos frenéticos, e começo a lembrar de algo terrífico; na segunda página do livro, dividindo a folha com outros símbolos e frases, havia um desenho que ocupava uma boa parte da folha, eram longos ramos brancos, o horror ancestral corrói minhas entranhas, meus olhos continuam tragados pelo desconhecido, pouco a pouco me torno nívea.

Já não é mais possível ver as montanhas e vegetações, nem mesmo o brilho da lua, apenas o mover dos brancos galhos na imensidão do céu, ouço passos temerosos subindo e descendo as escadas do castelo, ouço sussurros que se perdem pelos corredores, aquele quarto se torna sufocante, preciso ir novamente à biblioteca.

Texto publicado na 7ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de julho de 2024. → Ler edição completa

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