Histórias Cruzadas: Ecos do Passado
A noite embeleza ainda mais a atmosfera deste lugar e a lua grandiosa em tom fúlvido parece brilhar na umidade da minha pele. Sorrio de maneira leve, mas quando me acalmo da dança, o meu sorriso começa a se desfazer, pois noto o perigo que eu corri dançando sem capa nos arredores do castelo. A Nauärah em alerta desperta e se torna novamente atenta em relação aos perigos. Preciso de um banho gelado, penso. Jogo a água em meu rosto e em meu corpo, sem nem me livrar das vestes que me cobrem. Começo a me sentir quase impura. Não deveria sentir felicidade ao dançar.
Seco a minha pele, quase como se me limpasse de um pecado que cometi e visto-me com outras vestes ainda mais compridas, utilizando a capa e decidindo que vou observar mais este lugar, na certeza de encontrar os olhos que me observaram. Mas decidi levar todo o meu armamento.
"Não use de violência, minha filha." A voz do meu pai parece ecoar nos meus ouvidos, como se ele estivesse me vendo pegar o arco e as flechas à distância. Respiro, relaxando os meus braços, como se me desarmasse.
"Perdão, meu pai, mas a minha flecha vai comigo." Digo quase em um tom audível, ainda que eu esteja sozinha neste vão.
A madeira do arco range sob meus dedos enquanto eu ando furtivamente pelos corredores escuros do castelo. Cada passo é um desafio, mas a coragem surge aos poucos e a cada dia estou mais confiante e menos escondida. O meu coração palpita no peito como uma batida ritmada que ecoa na imensidão do silêncio misterioso daqui.
Carrego comigo não apenas o arco, mas também um desejo ardente de respostas. Quem me viu dançar? Quem ousou espiar a minha alma exposta nos movimentos da dança sagrada?
As tochas nas paredes lançam sombras vacilantes, e a cada curva, eu sinto a tensão se intensificar. Meus instintos de caça, forjados na floresta densa de minha aldeia, me mantém alerta. Minha respiração é controlada, mas não posso controlar o tumulto interno: medo e curiosidade se misturam em minhas veias como um veneno doce.
Chego ao grande salão principal. O recinto é vasto e decorado com tapeçarias ricas que narram histórias de conquistas antigas. Aqui, em meio ao brilho das tochas, vejo a silhueta de... um homem. Ele está de costas para mim, absorto em contemplação diante deste espaço grandioso. Por um momento, meu corpo congela. O perigo é palpável, mas algo mais profundo me chama, uma curiosidade quase dolorosa.
Mais um homem? Outro? Quem é ele? O que busca aqui? Eu deveria saber que há outros estudiosos e escritores que podem vir explorar este castelo livremente, assim como eu. O certo seria eu voltar para a minha aldeia no Brasil e parar de querer lutar contra o meu trauma, enfrentando coisas cujas quais eu não estou pronta para lidar. Ou será que eu estou atraindo para mim o que mais temo? Quanto mais tenho medo deles, mais deles parecem se multiplicar neste lugar.
Começo a ficar apavorada e levo uma mão à fronte, fechando os olhos firmemente. Lembranças... sempre as lembranças. Uma lágrima que sempre insiste em chegar nesses momentos de tensão aparece, mas respiro e decido seguir com isso.
Antes que o tal desconhecido perceba a minha presença, se é que não já percebeu, ajusto a flecha no arco, mantendo a mira perfeita, caso ele se vire para me fazer mal. Mas alguma força maior trava os meus braços e abaixo toda a minha armadura, respirando fundo e já demonstrando inevitavelmente para ele que eu estou aqui, indefesa, mas disposta a enfrentá-lo.
…
Diário de Anton S. Miahi
(Escrito no Castelo — Part. II)
27 de julho de 1871 — Me levantei da cadeira, logo desci, girando meu corpo para ficar de costas para as pernas da mesa, até me sentar no chão frio de pedra do meu quarto no Castelo Drácula. Cruzei as pernas e as mãos repousando sobre os joelhos. A única fonte de luz era a lua cheia, que derramava sua luz prateada através da janela que estava com suas cortinas abertas, lançando sombras dançantes nas paredes de pedra. A atmosfera que eu sentia ao meu redor era densa, carregada de uma calma inquietante que parecia ecoar através dos séculos.
Fecho meus olhos e tento acalmar a mente, mas as memórias surgiam como tempestades inesperadas. Vislumbres de rostos, lugares e eventos que se misturavam, formando um mosaico confuso e perturbador. A figura do próprio Drácula, o senhor daquela morada, dominava seus pensamentos, trazendo consigo uma sensação de terror e fascínio.
— Que estou fazendo aqui? — Anton murmurou para si, sua voz reverberando suavemente na escuridão. Ele se lembrava de ter chegado ao castelo como um estudioso, atraído pelas lendas e mistérios que cercavam o lugar. Mas com o passar do tempo, a linha entre realidade e ilusão começara a ficar questionável.
De repente, uma batida suave na porta quebrou o silêncio sepulcral do quarto. Meu coração disparou, e um frio gélido percorreu minha espinha. Quem poderia ser àquela hora da noite? Aproximei-me lentamente da porta, hesitante. Minha mão tremia quando a estendi para a maçaneta. Antes que pudesse girá-la, uma voz baixa e sibilante veio do outro lado:
— Eles estão vindo para você, não há para onde correr. — A voz era estranhamente profunda e perturbadora.
Antes de abrir a porta, olhei a cintura onde deveria estar o meu sabre, pela graça divina, ao notar que ele ainda estava em seu lugar, desembainhei sem sombra de dúvidas. Com um impulso abri a porta, esperando que ali se encontrasse o que quer que fosse, mas o corredor estava vazio. A voz ainda ressoava em meus ouvidos, uma ameaça velada que deixava um rastro de pavor. Fechei a porta rapidamente e me apoiei contra ela, tentando acalmar minha respiração ofegante.
— Quem está vindo? E por quê? — Meus pensamentos estavam acelerados com toda aquela adrenalina explodindo por cada parte do meu corpo.
O quarto parecia encolher ao meu redor, as sombras se fechando como tentáculos.
— Qual é o meu papel nesse lugar perdido? Qual a razão da imagem daquele semelhante monstro e esses nomes que ecoam em minha mente a cada instante, “Nauärah” e “Olga”? — Minha voz ao longo da frase foi diminuindo como se a resposta estivesse no silêncio do quarto, da minha mente.
O silêncio voltou a reinar, mas agora estava carregado de suspense e inquietação. Sabia que precisava encontrar respostas, descobrir a verdade sobre Séttimor, a criatura que “apenas existe” e os nomes de Olga e Nauärah. Mas como? E a que custo? Meu corpo estava fraco, mas minha mente, apesar de atormentada, se preparava para qualquer situação que pudesse se desenrolar não apenas no mundo exterior, mas também dentro de mim.
Dirigi-me ao velho guarda-roupa de madeira escura, com desenhos em baixo-relevo entalhados, que dominavam um canto do meu quarto. Suas portas rangeram quando as abri, revelando minhas vestes. Escolhi um conjunto adequado para a jornada: uma camisa de linho branco com botões de osso, cujas mangas abotoei com firmeza nos pulsos; uma calça de lã escura, grossa o suficiente para enfrentar o frio; e um colete de veludo negro, decorado com botões de prata que refletiam a pouca luz do quarto.
Vesti-me com cuidado, cada peça ajustando-se ao corpo como uma armadura contra o frio. Sobre o colete, coloquei um sobretudo de lã pesada, de cor azul royal, com uma gola alta que oferecia alguma proteção contra o vento gelado. Abaixo dos joelhos, prendi botas de couro, desgastadas pelo tempo, mas ainda firmes, e por fim, enrolei um cachecol grosso em torno do pescoço.
Fechei o guarda-roupa e me voltei para a parede oposta, onde havia deixado apoiado meu sabre militar da cavalaria repousado em sua bainha. Peguei-o com reverência. O sabre da cavalaria francesa do século XIX que eu tinha em mãos era uma obra de arte tanto quanto uma arma de guerra. O punho, esculpido em marfim, exibia intrincadas espirais que se entrelaçavam de forma complexa, criando uma textura rica e detalhada que parecia pulsar sob meus dedos. Com o guarda-mão de aço negro, finamente talhado, envolvia o punho com elegância e força, oferecendo proteção e um toque de refinamento sombrio.
A lâmina, ligeiramente curvada, refletia a luz da lua em um brilho frio e implacável. Ao longo de quase toda a extensão da lâmina, entalhes em baixo-relevo narravam cenas de batalhas e vitórias, dando vida a figuras e símbolos que pareciam estar em movimento. Esses entalhes não eram meramente decorativos; eles contavam a história de guerreiros passados, suas glórias e sacrifícios, e conferiam à lâmina um caráter quase mítico.
A bainha, não menos impressionante, era adornada com desenhos de cavalos em plena corrida, suas crinas e caudas fluindo com um dinamismo que contrastava com a rigidez do metal. Detalhes em aço destacavam-se contra o fundo escuro, acrescentando profundidade e complexidade ao design. Os cavalos, símbolo de poder e liberdade, pareciam prontos para saltar da bainha a qualquer momento, infundindo a arma com uma energia latente.
Ao prender o sabre ao meu cinto, senti o peso da história e da arte que ele carregava. Não era apenas uma arma, mas uma peça de mestre, criada para simbolizar honra, coragem e destreza. Com ele ao meu lado, estava pronto para enfrentar a escuridão que se estendia diante de mim.
O castelo estava silencioso, seus corredores vazios e sombrios, ecoando apenas meus passos determinados. Ao sair para o pátio do castelo, o ar frio da noite me envolveu imediatamente, cortando minha pele como os projetis. O céu estava claro, a lua cheia iluminando a neve que cobria o solo, criando um contraste fantasmagórico com as sombras das torres do castelo.
Sem olhar para trás, comecei a descer a trilha que levava à vila que estava em minha memória. As botas afundando na neve a cada passo, cada cravada um lembrete da dureza do inverno transilvano. Minha busca por Nauärah havia se tornado uma necessidade visceral, um instinto primitivo de caçador. Precisava saber se a visão que tivera na festa de Séttimor fora apenas uma miragem ou algo muito mais profundo. Séttimor também pairava em minha mente como memórias incompletas, uma sombra que eu precisava dissipar.
A cada passo, procurava sinais de sua passagem e da vila. Pegadas leves na neve, galhos quebrados, qualquer indício que pudesse me levar até ela. E quanto à cidade, queria ver se surgia no alto das árvores fumaça, sinais de existir pessoas por perto. No entanto, mesmo com a noite clara, não surgia nenhum sinal de civilização. A floresta ao redor estava silenciosa, exceto pelo som abafado dos meus próprios passos e o ocasional farfalhar das árvores ao vento. O sabre ao meu lado parecia pulsar com a mesma urgência que eu sentia, um lembrete constante de que estava preparado para o que viesse.
Conforme me aproximava do local onde deveria estar a vila de Séttimor pelo que vinha a minha memória, um frio diferente começou a se instalar em meus ossos, não apenas o frio do inverno, mas algo mais profundo, mais antigo. A clareira surgiu diante de mim, vasto e desolado espaço onde eu esperava encontrar a vila. Nada restava além de uma imensa área vazia, a neve intocada, exceto por alguns sinais rúnicos gravados nas árvores ao redor, escritos na antiga língua eslava.
Aproximei-me das runas, tentando decifrar seus significados, mas sentindo uma presença crescente ao meu redor. Seria a Nauärah? Podia sentir uma vigilância, olhos sobre mim, uma intenção assassina parecia espreitar-me. Meu coração acelerou, cada batida um tambor de alerta. Não estava sozinho, isso era certo. Mas quem poderia ser e estava oculto na escuridão da floresta congelada?
Desembainhei o sabre com um movimento suave, ocultando-o parcialmente sob o manto pesado do sobretudo. Movi-me com cuidado, como um rastreador experiente, procurando um ponto onde pudesse ter uma visão clara dos arredores sem me expor. Encontrei uma elevação natural na borda da clareira, onde uma árvore caída oferecia cobertura. Subi lentamente, cada movimento calculado, o sabre pronto em minha mão.
A noite estava silenciosa, mas senti que a presença do meu perseguidor oculto estava mais próxima. Olhei ao redor, tentando captar qualquer movimento, qualquer sombra que traísse sua posição. O frio mordia minha carne, mas minha mente estava afiada, focada. Eu era um caçador em sua vigília, esperando, observando, preparado para enfrentar os segredos que a escuridão ainda escondia.
E ali, no silêncio e na penumbra, aguardei. Sabia que não poderia fugir das perguntas que me assombravam, e menos ainda da figura que agora espreitava meus passos. Será que ela estava ali? E eu estava pronto para desvendar o mistério que nos ligava, custasse o que custasse.
…
Penso em parar com isso, com a minha gana de expulsar tudo e todos. Respiro fundo e aproveito o momento em que esse outro desconhecido está focado em outra direção para me esvair lentamente da sua presença. A minha habilidade com movimentos e técnicas corporais faria com que eu não fosse percebida, mas, ao mesmo tempo, preciso saber quem é. Talvez ele fosse um guardador do castelo. Por outro lado, a minha desconfiança em figuras masculinas não me permite ser tão otimista e confiante neles, muito menos boazinha e próxima, ainda mais estando sozinha agora.
Como uma ideia brilhante que surge na mente, resolvo pregar-lhe uma peça. Talvez, me divertir um pouco neste lugar tiraria a minha tensão e eu o assustaria, fazendo-o se afastar. Começo a sair sutilmente da sua presença e lembro-me que o meu quarto fica próximo da direção onde ele se encontra agora. Então, com passos rápidos, quase correndo pelo recinto, subo as escadas como uma criança peralta ou um adulto em fuga e passo pela sacada superior interna, me debruçando um pouco na balaustrada para me certificar de que não estou sendo vista. Até que chego em direção ao quarto onde estou hospedada e entro cautelosamente.
Respiro fundo, descansando da fuga por alguns segundos. Tranco a porta do quarto e reforço os meus armamentos, munindo-me com mais flechas e enchendo a minha aljava, não importa quão pesada esteja. Deixo-a pendurada nas costas e mantenho as luzes apagadas. Preparo o arco e saio por uma porta que dá espaço à uma bela sacada na parte externa do quarto.
Ao sair, o avisto ainda ali, como se ele se escondesse de algo, se preparasse para fazer alguma coisa ou para invadir o quarto mais próximo, o meu. Daqui a visão é perfeita e, para assustá-lo, resolvo lançar a flecha em um galho próximo à região da sua cabeça. Não seria violenta a ponto de machucá-lo, mas o medo me toma grandiosamente. Seria ele o olhar que me acompanhou na dança? O encaro através da minha sacada, olhando-o de cima, sem ser percebida e tentando dar uma chance à minha candura restante, mas não posso. Uma revolta em mim fala mais alto.
Preparo a flecha no arco e, com movimentos estudados, me agacho, posicionando as pernas e pés bem confortavelmente, então, sem muito me demorar, lanço-a exatamente num galho áspero da árvore em que ele tenta se esconder, próximo à sua cabeça e tendo a certeza de que os seus olhos se assustariam ao olhar para o lado e ver a flecha cravada mui próxima.
— Ôpa! Me desculpe, senhor cavalheiro. Hoje a minha flecha está um pouco preguiçosa, pois já acertou traseiros demais, mas ela teve misericórdia do senhor escondido aí. — Divirto-me, de maneira rara e inevitável, deixando escapar um leve riso irônico. Aquele cavalheiro escondido entre uns arbustos me faz resgatar comportamentos que eu não tinha há anos. O de sorrir e pregar peças. Mas me recomponho, levanto-me e volto a ser redil, falando com aspereza. — Pode aparecer! Quero ver quem está à espreita próximo à sacada do meu quarto. E se tentar correr, o que não me falta são lanças e flechas para acertá-lo precisamente onde mais o senhor temer! Se mostrares a tua face e me disseres quem és, mostrarei a minha e me apresentarei cordialmente.
Com a capa cobrindo quase todo o meu rosto, preparo o arco e a próxima flecha. Apontada em sua direção, tenho a certeza de ele percebe que não estou para brincadeiras, apesar da peça que preguei.
— Renda-se! Não tem como escapar, não há para onde ir! — Minha voz corta o ar, carregada de uma autoridade fria.
Ele levanta o sabre em sinal de rendição e paz, tentando mostrar que não tem intenções hostis. Mas, ao fazer isso, seu pé encontra um ponto escorregadio. Ele perde o equilíbrio e cai desajeitadamente no chão. O sabre escapa da sua mão e desliza alguns metros para longe.
Solto uma risada melodiosa, mas antes que pudesse recuperar minha postura, eu também escorrego, caindo de minha posição elevada e deslizando pela inclinação até parar a alguns metros do tal cavalheiro.
Nós dois ficamos ali por um momento, desconcertados e um pouco envergonhados. Que encontro mais anticlimático.
— Bem, — Eu digo, com uma pitada de ironia na voz. — Parece que estamos ambos fora de prática, mas eu só desequilibrei porque sorri. — Meu rosto parece claramente frustrado, enquanto me levanto rapidamente, ainda temerosa e me afastando dele imediatamente.
Ele também se levanta lentamente, sacudindo a neve de suas roupas.
— Sim, precisamos claramente de mais treino em... quedas graciosas. — Seus músculos devem ter doído, mas não tanto quanto seu orgulho militar.
Eu rio novamente, uma risada leve que dissipa um pouco da tensão que sinto por estar próxima a um desconhecido, até então.
— Quedas graciosas. Gosto disso. Mas não pense que sairá sem se apresentar. Quem é você, afinal? Um cavalheiro desastrado procurando por uma donzela em perigo? — Digo com um tom irônico e uma expressão curiosa estampada na face, apesar de tentar esconder o meu rosto.
— Algo assim, quem sabe? Tenho mais perguntas que respostas, e você é uma das respostas. — Enquanto fala, ele arruma suas vestes, pegando seu sabre do chão e guardando-o com cuidado. — Meu nome é Miahi, Anton Stefan Miahi, oficial da cavalaria francesa. E você deve ser Nauärah, a figura das minhas visões. — Ele aponta para mim com a sua mão esquerda e me olha com muita atenção.
Eu arqueio uma sobrancelha, intrigada.
— Visões? Interessante. Por que eu sou uma das respostas? E o que exatamente você viu, cavaleiro Anton? — Claramente há um tom de deboche, mas meu rosto parece indicar que há algo mais que eu estou escondendo.
— Vi você dançando na festa da vila Séttimor, como uma miragem, um fantasma. E depois... apenas um enorme vazio e sombras. — O tom da sua voz fica sombrio.
— Então foi o senhor! Muito observador, senhor Anton. Apesar de que não lhe devo nenhuma explicação, ouvi uma melodia, algo vindo de algum lugar do castelo. — Não há dúvida ou engano na minha voz e nem em minha postura. — Acabei sendo levada por uns movimentos corporais. Foi apenas isso. Levada pela magia da minha terra.
— Isso é um mistério, eu a vi naquela vila na noite de ontem. Em meio aos Séttimor! Mas… Não estava lá, mas você ouviu a música, certo? — Ele diz com um sorriso cansado. — Parece que me estão pregando peças também, nada parece ser real.
Eu olho para ele por um longo momento e os meus olhos avaliam cada detalhe. Preciso saber bem quem ele é. Por outro lado, o seu armamento se aproxima do meu e isso, talvez, tenha gerado em mim uma tranquilidade maior, uma espécie de identificação com o tal senhor Anton.
— Talvez nem tudo seja enganação. Você me encontrou, afinal. — Minha voz soa empática, apesar de minha rigidez física indicar o contrário. — E de um jeito inusitado, pois senti alguém me observando, mas alguém que não estava presente de corpo. Como pode isso? Talvez seja até um sinal, algo de outra ordem. Aqui tudo é um mistério.
— Sim, Verdade! — Apesar de concordar, ele parece ter dúvidas pairando sobre sua cabeça, e uma certa ansiedade cresce. — Estou buscando informações. Você está morando no castelo? Conhece alguma Olga…? Não recordo seu sobrenome.
— Hum, informações... Que tipo de informações? — Eu começo a ficar temerosa e falo com um olhar de desconfiança, como se o avaliasse dos pés à cabeça. — Bem, a Olga me recebeu aqui neste recinto. Não sei se deveria lhe dizer, mas o seu sobrenome é Nivïtzz, Olga Nivïtzz. E eu vim explorar este castelo, estudá-lo, como uma forma de enfrentar o mundo cruel. Mas, sabe? Eu quase gosto de você. Preciso de tempo para analisar se não irá colher informações muito particulares sobre mim. Mas só porque me fez sorrir um pouco, me apresento. Me chamo Nauärah. Nauärah Tupiniquim, e venho do Brasil. Sinta como se eu estivesse lhe dando um bom aperto de mão cordial.
Não permito que ele toque a minha mão, sequer, é óbvio, mas retiro o meu capuz do rosto, finalmente, mostrando a minha face de maneira lenta. O observo melhor, franzindo a testa, mas lhe dando um sorriso cordial, apesar de tímido. A face do senhor Anton transmite generosidade, masculinidade, e eu não posso negar a sua beleza e educação. Apesar do medo, eu dou de ombros, como se resolvesse dar um voto de confiança ao novo desconhecido. Afinal, se ele citou a Olga Nivïtzz, me sinto mais aliviada, pois ele pode conhecê-la, de alguma forma. Sendo assim, quem a conhece, me passa maior confiança, mas ainda preciso estudá-lo, aos poucos, e entender que ligação é essa que ele demonstra ter comigo e que me fez sentir segura com ele.
Sargento Anton Stefan Miahi, nascido em tempos de paz, educado para ser historiador e pensador, foi lançado ao tumulto da guerra contra os prussianos. Com 30 anos, vi-me arrancado de minhas reflexões e posto a cavalo, liderando homens em batalhas que desafiam a própria lógica que tanto prezo. Sou um homem de razão, porém, a guerra ensina que a racionalidade é uma vela frágil em meio aos ventos do caos.
_"Sou um filho da lógica, mas a guerra é um pai severo que ensina a loucura."_