Diário de Anto Stefan Miahi (Part III)
Memorando para a Universidade de Paris
(De Anton Stefan Miahi)
22 de junho de 1871
Para: Meus pares da Universidade de Paris
De: Anton S. Miahi
Assunto: Investigação no Castelo Drácula, em Bram.
Caros colegas,
Envio este memorando para compartilhar um breve parecer sobre minha investigação no Castelo Drácula, em Bram. O Conde, senhor destas terras, possui uma vasta biblioteca dividida em dois setores. Infelizmente, até o momento, pude averiguar apenas um deles. Contudo, posso afirmar com certeza que este nobre local detém livros surpreendentes, alguns dos quais acredito serem de grande relevância para os departamentos de teologia e sociologia da nossa universidade.
Ao longo de sua vida, o Conde acumulou livros de diversos lugares, incluindo o Império Otomano e o Império Russo. Isso realmente me surpreendeu, pois, academicamente, temos enfrentado grandes dificuldades para adquirir conhecimento intelectual de regiões tão distantes.
O Castelo em si é um verdadeiro tesouro de registros documentais de períodos antigos e modernos. Notei a presença de obras de arte que datam de dois a três séculos atrás. O Professor Doutor Rafael, do departamento de arte, teria um imenso prazer em explorar tantas peças com ricos símbolos e histórias.
Desde já, afirmo que minha viagem a este lugar remoto não está sendo uma perda de tempo, como inicialmente pensei. No entanto, ainda há muito a ser investigado, pois o Castelo é imenso e possui muitos ambientes a serem verificados.
Agradeço aos amigos da academia pelo apoio. Anseio poder enviar mais detalhes sobre as descobertas nestas terras da Transilvânia.
Atenciosamente,
Anton Stefan Miahi
~’’~
De Marcel Durand Laurent
(Carta datilografada para Anton)
De: Marcel D. Laurent
Para: Anton S. Miahi
23 de junho de 1871
Bom dia, meu amigo e irmão Anton!
Como tem passado nestes últimos tempos? Fui surpreendido pelo carteiro ainda nesta manhã com sua primeira carta, além das cobranças do governo quanto ao dinheiro de nós, meros mortais.
Não sei o quão alegre se tornou minha manhã ao poder abrir sua carta e ler as novas de sua empreitada, meu amigo. A todos nós nos surpreendeu sua mudança de opinião quanto a essa viagem. Inclusive, sua irmã e mãe decidiram sair de Sevilha para rumar para Paris e centralizar suas cartas. Elas chegaram há alguns dias com minha esposa na estação, pois infelizmente não tiveram tempo hábil para te alcançar e se despedirem. Alojamo-las em uma boa casa, três casas para baixo da minha. O dono é um homem protestante, um britânico, mas às vezes parece ser como eu um bom católico; sua esposa ajudará ambas a se adequarem aqui na capital do mundo. Espero que elas nunca me ouçam dizer estas palavras, já que, pelo que notei, elas, como boas católicas e fiéis ao Papa, amam seu monarca. Quase são tão radicais e cabeças-duras quanto os jacobinos no nosso parlamento e nas ruas.
Pelo que li em sua carta, o lugar, apesar de admirável, é imerso em uma aura mística, como as narradas pelos imigrantes da Europa Central. Aquelas bruxas vindas do meio do nada do nosso velho continente sabem como contar histórias sombrias sobre essas terras natais, mas o que chama a atenção é seu relato, que quase se assemelha ao das velhas ciganas dos bairros afastados da nossa amada cidade.
Mediante a possibilidade, mantenha a calma diante do que lhe aflige emocionalmente. Para quem pode sobreviver aos campos de batalha, creio que uma perturbação ou outra seja apenas consequência. Mas, tendo em vista o homem que é, dotado da experiência e ceticismo de quem provou da dor e da ciência, não se permitirá perder a razão.
Busque dar objetivos aos seus pensamentos, meu amigo, e trazer à Universidade de Paris boas novas que lhe trarão orgulho. Ademais, quando regressar, o que espero que seja o mais breve possível, poderá reencontrar sua mãe Louise e sua irmã Jade.
Assim sendo, espero ter novas notícias suas, já que estas entregarei eu mesmo à sua família! Novamente digo que me sinto feliz e espantado pela tua decisão de viajar. Creio que a mudança de ares poderá te proporcionar um bom renovo.
De seu irmão de trincheiras,
Maurice.
~’’~
Anto Stefan Miahi III
(Anotações em meu diário)
25 de junho de 1871 — Depois de muito procurar encontrei meu fiel amigo que trouxe de Paris, meu diário. Agreguei a ele as folhas que usei para fazer minhas anotações anteriores.
Antes que eu possa comentar algo mais, quero registrar aqui eventos sociais dos quais pude ser partícipe e que a mim foram inequívocos fatos que me fogem aos parâmetros do natural e racional do presente século.
Me faz lembrar o que Descartes diria neste presente momento; “O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada.” Me vejo como um solitário e louco dentro deste castelo. Por dados momentos tive a triste sensação de retornar à guerra e seus horrores, no entanto, aqui estou, à salvo num castelo, mas tais pensamentos que proporcionam o suplício da mente inquieta meu sono e perturbam minha paz na consciência. Onde poderia eu casar a meditação de Descartes neste instante que parece querer romper as ideias e destroçar meu coração?
Bem, antes que meus pensamentos se percam na filosofia, mas é inevitável não recorrer ao pensador Rene, novamente, ao me ver dentro deste quarto quando ele diz algo como: “Frequentemente, as ideias que inicialmente me pareciam verossímeis revelaram-se enganosas ao serem transcritas para o papel.”, estendo para além delas mergulhando nessas palavras. E quando intenciono me confessar ao papel crendo ser mentira e vejo que revelo o que é verdadeiro nesta folha tão pura que agora se mancha com meus pensamentos?
Outra vez já estou divagando e quero ir direto aos fatos, aos eventos.
Na noite, eu acho, de 22 de junho, fui notificado de um evento social no castelo que deveria ocorrer na noite do dia 24 de junho.
Desde que cheguei, basicamente, tenho buscado me adaptar aos horários do conde, a quem devo admitir ter costumes de uma tesura inimaginável. Passo a confundir noite e dia, já que passamos as noites conversando sobre as obras, as teorias, a aristocracia, as políticas, e os pensadores. E tem sido muito profícuo nossos debates noturnos, pois me tem permitido exercitar minha experiência acadêmica, e não posso deixar de dizer o quão impressionante é o conhecimento do Conde, ele demonstra uma ampla vivência intelectual e dentro da alta sociedade que poucos homens de sua posição parecem apreciar.
Naquela noite em que ele me notificava que havia enviado convites para um evento social da alta sociedade local, tivemos uma conversa bastante incomum.
— Caro Anton, me vejo curioso sobre como anda Paris mesmo com estes tempos tão turbulentos. — Sua voz era calma e denotava claro interesse quanto ao tema.
E havíamos debatido sobre a tragédia do pensamento literário que a Rússia produzia em conflito da produção prussiana que denotava racionalismo, da francesa que buscava a liberdade da sociedade, da tirania dos poderes divinos do rei sem se desvincular da Igreja Apostólica Romana.
— “São a força e a liberdade que fazem os homens virtuosos. A fraqueza e a escravidão nunca fizeram nada além de pessoas más.”, Rousseau afirmou isso, e não posso discordar. Após a guerra promovida por Napoleão iniciar sua campanha, pudemos talvez ver melhor a própria França, as forças da aristocracia divina ruir ante nossos olhos. — Meu pensamento parecia ter soado distante e talvez apático, já que acabei sendo transportado para um lugar que lutava não voltar. — Creio que me fiz soar algo desconexo, Conde. No entanto, após a guerra chegar ao fim, distante da graça do Papa, com o escárnio da Prússia em nossa face, e estes sendo mantidos por aqueles maçons contra a sacrossanta igreja. Não duvido que também os judeus por detrás das cortinas políticas, às escondidas, não estivessem fazendo seu jogo contra o império, como dizem as más línguas. Meu sentimento em responder é de penúria.
Por um curto tempo se fez um silêncio e o conde apenas parou, observando a minha pessoa. O mais incomum era que ficava óbvio essa sensação de observação, e isso me impelir a ter que seguir com a minha resposta.
— Quando retornamos, Paris estava em conflagração interna, a aristocracia perdia seu lugar, o parlamento ganhava mais espaço, e Napoleão que caiu nas mãos inimigas vergonhosamente. O Estado do presidente imperador já não existiria mais. — Admito que após os horrores da guerra, voltar e ver uma revolução nos jardins do palácio de Versalhes foi pouco surpreendente pelas notícias que recebíamos de casa por parte dos nossos oficiais. — Creio que em meu rosto deve ter sido criado algum sinal ou expressão de antipatia quanto aos fatos tratados.
— “A missão suprema do homem é saber o que precisa para ser homem.”, posso estar enganado quanto a fonte, mas foi Kant que disse algo assim, e não estava de todo errado em afirmar isso ao pensar em suas luzes de racionalidade alemã. — A fala do conde denotou uma precisão cirúrgica num mar de calma e empatia. — Mas, como, em contrapartida, o saber é a chave da liberdade, creio que foi Robespierre que afirmou algo assim; “O segredo da liberdade é de educar os homens, assim como o da tirania é conservá-los na ignorância.’” Ao nos apoderarmos do saber nos expomos ao tormento do entendimento, diante da escolha de lutar contra ignorância, mas o que não podemos negar são os poderes que guiam este mundo; a cobiça, o poder e a tirania.
As palavras do conde foram como um soco bem-posicionado em meu estômago. Era inadmissível a alguém que se deu o trabalho de afundar-se nos livros, numa jornada pelo conhecimento, se permitir esquecer do fundamental da erudição que é a propagação do próprio saber. A guerra produzida pelos tiranos da Prússia e da França custaram almas humanas, um sangue que regou os campos de batalha sem haver razão.
Após uma hora mais de conversa, o conde decidiu se recolher às suas habitações em algum lugar do castelo. Em seguida me recolhi para meu quarto. Subi aquelas escadas em pedra e madeira observando lentamente os quadros e tapeçarias expostos. Ao chegar já fui abrindo a porta e entrando. A luz que estava no corredor invadiu o ambiente e pude notar sobre a mesa uma carta. Prontamente fui abrindo e nela continha um convite formoso.
23 de junho — Durante o dia e parte da noite deste dia não tive a companhia do conde durante o seu período habitual. Passado uma boa parte da madruga registrando os livros da parte da biblioteca do lado da porta pequena que ficava ao fundo da sala. Devo admitir que a curiosidade de quando aquela porta passou a aumentar, mas venho resistindo a investigá-la. Algo nela desperta minha atenção.
Seu servo, Narcís, por umas quantas vezes veio ver como eu estava passando e se eu necessitava de algo. Por umas três vezes ele conseguiu me surpreender, dando-me um grande susto já que estava completamente absorvido por minhas investigações. Mas devo dizer que ele tem passos incrivelmente silenciosos. Ele, em sua última visita, aproveitou para me avisar.
— Sr. Anton, o evento de amanhã ocorrerá a partir das 21h. Creio que os convidados irão comparecer cerca das 20h. Alguns deles tem uma pontualidade surpreendentemente similar à de um relógio suíço. — Sua postura era sempre extremamente séria, mesmo quando se tratava de coisas triviais como trazer o chá.
24 de junho — Após ter me recolhido mais cedo no dia anterior para poder ter energia suficiente para a reunião que o conde havia criado. Confesso ter ficado surpreso que ele, com hábitos tão únicos, tivesse interesse por este tipo de reunião. Um baile com máscaras. Por infelicidade não tinha as peças de roupas que combinassem com o solicitado no convite, mas o espantoso era que o conde havia se antecipado quanto a este que, a meu ver, lhe era completamente alheio, desconhecido.
Os tons eram carmesim e dourado, os detalhes eram finos, elegantes, fazendo jus às peças feitas para a nobreza. Mas para meu assombro, ao me vestir, que surpresa, as roupas estavam perfeitamente encaixadas. Nada folgava ou faltava, estava na medida perfeita. Me sobraram apenas as perguntas: “Como ele saberia as minhas medidas? Em que momento ele conseguiu saber quais eram elas?”. Creio que isso se somaria às demais coisas estranhas que tenho que tentar obter as respostas neste lugar.
Na justa hora do baile — Narcís, preparou um bom banho quente de tina, pude aproveitar bem este momento, ele aproveitou e me trouxe sais e pétalas de rosas, que segundo ele eram para suavizar minha pele queimada de sol. Como afirmei em outro momento, luxos para um militar eram ter um lugar para dormir, comida não mofada, e um rio gelado para refrescar, e muitas vezes nos vimos privados dessas coisas.
Após o banho com auxílio de Narcís que fez questão de ajudar-me a vestir aquelas roupas tão finamente produzidas. Calça, camisa, um sobretudo, um laço e, por fim, a máscara que, segundo o mordomo, era obrigatório.
O servo do conde me conduziu para outra parte do castelo, após terminar com retoques na roupa. Normalmente, assim que saía do meu quarto, tomava o caminho da direita e alcançava a escada que me levava direto para o salão onde eventualmente eu comia, a biblioteca e a entrada principal. Contudo, desta vez, fomos rumo ao lado oposto. O corredor era reto e terminava numa escada em L, e depois por outro corredor reto, diferente do que normalmente eu via lá atrás, nestes não havia quadros ou tapeçarias. Tinha apenas candelabros de bronze, uns quantos quartos que estavam fechados, e pouca mobília até que chegamos numa nova escadaria agora circular que levamos uns quantos minutos para descer, pronto uma luz amarelada e forte surgiu ao fundo da escadaria, estávamos estreando uma nova ala que eu não conhecia.
Assim que a luz ficou mais forte, uma porta se revelou, dela um salão belamente decorado, várias fitas nas mesmas cores que da minha roupa. O teto tinha um pé direito alto, poucas janelas, essas com vitrais com cores tão ímpares, escuros que pareciam perfeitos para impedir a luz crua do sol, dando uma iluminação muito peculiar de colorações singulares, um jogo de cores e sombras dançantes. Velas, lamparinas a óleo e uma lareira de um metro e meio de largura e quase dois metros de altura ajudavam a iluminar o local, além de aquecer.
Claro que, à princípio, não considerei verdadeiras as afirmações do mordomo da pontualidade da nobreza local, mas me deparei com muitos convidados já no ambiente. Os músicos estavam posicionados. Supus que ali se encontravam pelo menos cento e cinquenta pessoas, mas aquele salão suportaria seguramente uma quantidade maior de pessoas. Terminei de descer as escadas, olhei ao redor e vi mesas de madeira rústica nas laterais cobrindo parte considerável do espaço. De onde eu estava para o meio e o lado oposto estava completamente aberto e se podia ver uma grande porta dupla de madeira por onde alguns dos convidados entravam e saíam
Drácula entrou por uma porta disposta no lado esquerdo, ele se posicionou ao lado da banda que era um lugar elevado e cabia com folga oito músicos, o regente e ele sem ter que disputar espaço.
Ele faz um breve discurso e inicia a festividade, que sou claro em afirmar não saber sua razão ou a que se atribuía. Minha completa ignorância poderia proporcionar uma cena constrangedora.
Vejo o conde caminhar em minha direção e esticar seu braço direito até sua mão tocar meu ombro.
— Anton, hoje o senhor poderá descansar dos seus estudos e pesquisas. Minha intenção é proporcionar ao amigo umas quantas horas do desfrutar das vantagens da nobreza e descansar. — Era inegável o tom amistoso e a expressão empática que ele transmitia. Ele era o único sem máscaras até aquele momento. Drácula sorria no melhor de quem sabe ser político e aristocrático. — Dance, coma, cante, converse e seja feliz meu amigo.
Assim que ele terminou de dizer essas palavras, ele colocou a máscara, e pude perceber novamente aquela estranha aura no olhar que nas minhas memórias pensei ter visto. Tornar a ver nada mais que confirmava as minhas lembranças, não havia sido um engano.
Trouxeram-me uma bela taça de um vinho que, quando provei da taça de vinho tinto amadeirado, senti o aroma robusto que emanava das notas de carvalho e baunilha. Ao primeiro gole, os elementos frutados de ameixa e cereja dançaram em seu paladar, conferindo um toque suculento à bebida. A leve acidez cortava a doçura, criando um equilíbrio refrescante que tornava a experiência ainda mais sofisticada. A melodia melancólica do piano ressoava pelo salão, enquanto as sombras das figuras elegantes se entrelaçavam em um ritmo lento e hipnotizante.
Em alguns momentos me detive em perceber sombras incomuns dançando ao meu redor, seus olhares eram etéreos. Parei para observar tal fenômeno, mas estas pessoas surgiam e tão logo desapareciam, era uma sensação atordoante. Uma estranha sensação de perigo surgia em mim. Algo naquelas pessoas passou a me incomodar, seus olhares tinham um efeito similar do conde, me sentia uma presa diante de seus predadores, mas agora era em todas as direções.
Até que, perto da porta, notei cabelos pretos ondulados e a pele branca quase igual ao marfim. O ar parecia saturado, sentia minha visão ficando levemente turva, até que levei a mão aos olhos, e decidi que deveria sair daquele lugar. A música já começava a me soar hipnótica, acentuando ainda mais a sensação opressiva.
Decidi então que deveria tomar um ar, sair para o exterior. Rumei para a porta, mas por alguma razão sentia que a distância até ela estava demais e que era uma luta do meu corpo com uma massa invisível que queria me atrair para o centro do baile, mas meus instintos diziam para lutar contra. Com algum esforço consegui alcançar a porta e, ao abri-la, uma brisa fria passou — o que me fez sentir como se despertasse de algum tipo de sonho acordado.
No exterior, um pequeno pátio com um corredor para a esquerda que parecia conduzir a um lance de escadas. Uns poucos metros à frente, um beiral de pedra até quase a altura da cintura com uma vista magistral das montanhas nevadas e um vale com uma floresta de abeto-branco.
Um som vindo da escadaria me chamou a atenção que me fez ir em sua direção.
Quando me aproximei, notei que ela era uma longa escadaria correndo pela lateral do castelo até a base da montanha onde a casa do conde estava construída, culminando no início da floresta, olhei um pouco mais à frente e pude ver se destacar uma série de pequenas colunas de fumaça.
Em minha mente, as opções seriam voltar para a festa e voltar àquele mar de sensações embriagantes ou me aventurar nos arredores do castelo. Para mim a escolha era simples, qualquer lugar seria mais interessante que aquele oceano de emoções e alerta de perigo que não sei indicar a razão.
— Melhor aqui neste frio, com árvores, uma estranha e as montanhas. — após ter dito isso em voz alta, apenas me restou rir.
Comecei a minha jornada de uns vários minutos pela escadaria que serpenteava pela encosta da montanha do castelo Drácula. A descida foi monótona a um certo passo, mas minha curiosidade apenas me impulsionava para frente.
Ao atingir a base da escada pude ver um caminho de pedras de paralelepípedo por meio das árvores de abeto-branco que estavam cobertas de neve. Olhei ao redor e notei uma fina neblina se formando até que ela tocou a linha das árvores.
Não havia mais o que fazer, voltar e ignorar explorar essa região, de se privar da experiência de conhecer melhor o país do conde, ou simplesmente avançar e ver o que o destino me reservaria. As perguntas que havia deixado registradas no meu diário há uns dias nunca gritaram tão alto em minha mente como agora. Espero que minhas decisões não tenham sido um completo erro.
Obviamente, para fazer valer a chance de dar valor às minhas próprias palavras, decidi seguir adiante.
Por quase trinta minutos avancei em meio a flores por aquele caminho suspeito, cortando a neblina que parecia gritar na minha cara que eu estava rumando para o perigo.
A sorte e o instinto guiaram a minha decisão de incluir minha espada ao modelito para o baile. Graças a isso, pela primeira vez desde que cheguei, minha mão pode encontrar a bainha do meu sabre em minha cintura.
Antes que me desse conta, estava diante dos portais, dos muros de pedra e madeira, da entrada de uma cidade enfurnada no meio da floresta. Observei enquanto me aproximava que nas colunas continha inscrições no idioma local, o romeno. Elas cobriam da base até a parte mais alta. Aquele portal era feito do mesmo tipo de árvore da região, mas claramente era algo antigo, algumas partes estavam apodrecidas.
Quando toquei, eu senti como uma descarga de uma energia estranha, como se um raio percorresse o meu corpo. Olhei em direção à cidade, ela ainda estava a alguns metros. As casas eram rústicas, todas de madeira, o caminho de pedra seguia até o que parecia ser uma praça. Caminhei naquela direção. Notei serem um total de dez casas fazendo um círculo, e em todas havia chaminés com fumaça sendo expelida. Olhei ao redor e a princípio parecia abandonada, algo ainda mais estranho era evidente, a névoa não avançava para além dos portais e dos seus muros. Era como se algo impedisse que ela entrasse.
Então ouvi passos, não evitei sacar o sabre, os instintos foram mais fortes. Como se fosse uma miragem, de início não acreditei que fossem pessoas nas portas, janelas e ao redor de mim, logo elas começaram a se revelar.
A princípio eram como sombras sem definição, gradualmente tomaram forma que parecia humana, detalhes foram surgindo, quando reparei seus rostos completamente disformes. Os sons normais de um vilarejo rompem o silêncio que até então era rei.
— Quem são vocês pelo amor do bom Deus? — Exclamei num grito de assombro e terror, enquanto apontava a ponta do sabre na direção do que estava mais perto de mim. — De que inferno vocês surgiram?
— Somos os moradores sem sorte desta Vila conhecida como Séttimor! — Sua voz era rouca, e de sua boca saía uma fumaça cinzenta, foi quando notei que de alguns até dos olhos saía, enquanto de outros assombrosamente nem face tinham. — Aquele atrás de você é nosso chefe Kvvus! — Apontou ele com seu dedo da mão direita um homem sentado. Ele está em sua sétima morte, suas vestes eram simples e puídas. O expressava o vazio da existência num estado de paralisia, seus olhos de tão fundos lhe proporcionavam aspecto cadavérico.
O espanto que aquela cena me deu assombrou de tal forma que percebi a ausência de periculosidade naquele povo estranho habitantes da vila de Séttimor!
As sombras eram solecismos factuais; um ruído medrava-se horrífico. Algo físico entre nós inibia-nos, impedindo quaisquer aproximações; uma divisão vítrea, perceptível…