A Luz se Apaga
O céu estava negro e denso como minha alma, mas uma estrela de esplendor singular havia me cativado. Brilhava alheia à escuridão que a cercava. Sentada no parapeito da janela do meu quarto, assistia a esse espetáculo noturno.
Malus adentrou o recinto e direcionei meu olhar para a porta. Questionou o que fazia sozinha àquela hora. Quis mostrar a estrela esplêndida que me roubara toda a atenção, mas para meu desalento, já não a via mais no céu. A escuridão parecia ter engolido a luz que tanto me fascinara.
— Estava ali agora mesmo! Diferente de todas que já havia visto. — Suspirei em descontentamento.
Ele acariciou meu rosto, como se tentasse me consolar. Olhou-me ternamente; seus olhos eram como bálsamo para mim. Ainda com sua mão gélida sobre minha face, observou o céu pela janela e disse, enfim:
— Mesmo que efêmeras, as coisas que tocam a nossa alma têm o poder de deixar marcas que perduram para sempre.
Ele tinha razão. Jamais esqueceria toda a beleza daquela cena. A súbita partida daquela estrela fez-me recordar minha irmã. Assim fora com ela, tão bela e tão pura, mas ceifada de forma tão inesperada por mim mesma. Talvez eu seja de fato uma parte grotesca deste mundo...
— Desculpa? — Questionei. Malus falava enquanto eu estava perdida em meus pensamentos e não pude compreender.
— Vamos! Pegue minha mão. A noite não deve ser desperdiçada.
Aceitei o convite e saímos do castelo. Andamos por uma estrada de terra batida cercada por carvalhos, todos dispostos em fileiras, milimetricamente separados uns dos outros. Ao final, um imponente e ornamentado portão de ferro se fazia guardião de um cemitério antigo, o qual eu ainda não conhecia.
Meu companheiro tirou um singelo molho de chaves de seu sobretudo, pegou uma chave com uma cruz dourada entalhada e abriu a fechadura sem dificuldade. Passamos pelo portal.
A beleza das esculturas centenárias era de uma grandiosidade que não encontro palavras para expressar. Caminhei por entre altas lápides e dancei sobre sepulturas. O brilho único de uma estrela e aquela adorável galeria de arte me faziam sorrir como uma criança.
— Venha. Sente-se aqui. — A voz risonha deixava evidente que se divertia às minhas custas.
— Não ria! — Sentei-me junto a ele nas escadas de um mausoléu de mármore branco que tinha o portão aberto.
— Trouxe seu diário e meu caderno de esboços. Teremos nossa própria noite erudita.
Malus era um artista. Seus desenhos eram impressionantes. Amávamos passar o tempo no castelo com nossas artes; esta seria a primeira vez em um lugar diferente. Em seus esboços naquela noite, ele registrou as mais variadas paisagens. Desde uma árvore reduzida a tristes galhos até mesmo eu, sentada naquele descanso eterno de não sei quem, distraída, escrevendo e sonhando acordada. A forma como as lápides soavam no papel era extasiante, mas ainda não se comparava ao fascínio que proporcionavam a olho nu.
Foi uma noite inigualável. Poética, reflexiva... fiz anotações em meu diário e escrevi poesias; não poderia me negar a elas. Podia sentir no paladar... a escuridão é saborosa, a poesia é como um beijo suave de língua. E o Castelo Drácula sabe disso. Ele vive, respira e inspira arte. Se você adentrou aos portões, sabe muito bem onde encontrar cada um dos meus versos...
Até breve!
Ana Kelly, natural de São Paulo (SP), é poeta, escritora, contista e artesã, sócia-proprietária da loja de acessórios e artigos alternativos, Ivory Fairy. Tem poemas e contos publicados como co-autora em diferentes antologias. No ano de 2009 recebeu o prêmio de 1º lugar, em um concurso…
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