Onde as Névoas se Rompem
O peso do meu próprio corpo não mais existia; o turbilhão de pensamentos e a angústia pareciam nunca ter existido. Meus passos eram leves; quase poderia flutuar. Uma brisa fria, como antes do amanhecer, tocava meu rosto. Eu estava livre.
Abri meus olhos; quase não podia enxergar. Encontrava-me entre névoas, envolta em um lilás etéreo que me fazia questionar que lugar seria aquele. Estaria eu sonhando? O silêncio era inebriante; se eu tivesse uma alma, com certeza ela estaria vibrante.
— Ane, você veio!
Esforcei-me para olhar entre as névoas que se abriam diante de mim. Lá estava ela, vestida de um branco tão puro que machucava meus olhos.
— Carrie! — Minha irmã parecia um anjo. Corri a seu encontro e a abracei fortemente. — O que faz aqui? Onde estamos?
— Quantas perguntas! Não sei se poderei responder a todas, mas precisava muito ver você. — A pequena que eu tanto amava se soltou do meu abraço e fez um gesto para que eu a seguisse.
Seguimos por um caminho feito de algo que eu não saberia dizer. Estava descalça, mas nada sentia sob meus pés. Talvez andássemos sobre as nuvens, pensei.
— Sim, são como as nuvens... — Carrie parecia adivinhar meus pensamentos. — Por aqui não há outro tipo de sentimento senão o vazio; a existência é uma quimera.
— Aqui é o céu? — perguntei, interessada.
Minha jovem e doce Carrie apenas sorriu.
— Não sou digna de tanto, mas não consigo pensar que não seja. — Nunca havia me visto livre da dor terrena. Antes, o vazio machucava e me fazia ansiar por algo a mais; agora, ele é um deleite. De fato, tenho a companhia de um anjo... uma fada.
— Não, Ane. Você não é digna! — Sua voz agora estava áspera, com um desprezo que eu nunca tinha ouvido antes. Sua fisionomia parecia diferente.
— Carrie... — De maneira repentina, tudo o que antes sentia transformou-se em preocupação.
— Ane, você é um monstro! — Sua face demonstrava medo.
Tentei tocar em seu ombro, mas ela se esquivou de mim, dando um passo para trás.
— Eu nunca tive a intenção...
Não havia percebido, mas a atmosfera, antes tão acolhedora e tão clara, havia enegrecido. O único ponto de luz era uma garotinha de baixa estatura, minha irmã caçula, que agora parecia ter horror de mim.
— Carrie, me perdoa!
— Eu não posso te perdoar, Ane... não mais.
Ela direcionou sua cabeça para o alto e gritou desesperadamente. Tentei mais uma vez me aproximar, mas paralisei diante da cena. Seu vestido branco foi bruscamente tingido de carmesim, enquanto todo o seu frágil corpo tornava-se cadavérico.
Caí de joelhos sobre ela, mas já não havia mais nada além de um tecido branco-carmesim. Não, ali não era mesmo o céu, era o inferno.
Texto publicado na Edição 12 da Revista Castelo Drácula. Datado de janeiro de 2025. → Ler edição completa
Ana Kelly, natural de São Paulo (SP), é poeta, escritora, contista e artesã, sócia-proprietária da loja de acessórios e artigos alternativos, Ivory Fairy. Tem poemas e contos publicados como co-autora em diferentes antologias. No ano de 2009 recebeu o prêmio de 1º lugar, em um concurso de poesias do tema “Natureza”, do Projeto Chance, no Centro de Educação Unificado ( CEU ) em Paraisópolis. Organizadora da segunda Semana Literária Digital de 2023…
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