Onde as Névoas se Rompem

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

O peso do meu próprio corpo não mais existia; o turbilhão de pensamentos e a angústia pareciam nunca ter existido. Meus passos eram leves; quase poderia flutuar. Uma brisa fria, como antes do amanhecer, tocava meu rosto. Eu estava livre. 

Abri meus olhos; quase não podia enxergar. Encontrava-me entre névoas, envolta em um lilás etéreo que me fazia questionar que lugar seria aquele. Estaria eu sonhando? O silêncio era inebriante; se eu tivesse uma alma, com certeza ela estaria vibrante. 

— Ane, você veio! 

Esforcei-me para olhar entre as névoas que se abriam diante de mim. Lá estava ela, vestida de um branco tão puro que machucava meus olhos. 

— Carrie! — Minha irmã parecia um anjo. Corri a seu encontro e a abracei fortemente. — O que faz aqui? Onde estamos? 

— Quantas perguntas! Não sei se poderei responder a todas, mas precisava muito ver você. — A pequena que eu tanto amava se soltou do meu abraço e fez um gesto para que eu a seguisse. 

Seguimos por um caminho feito de algo que eu não saberia dizer. Estava descalça, mas nada sentia sob meus pés. Talvez andássemos sobre as nuvens, pensei. 

— Sim, são como as nuvens... — Carrie parecia adivinhar meus pensamentos. — Por aqui não há outro tipo de sentimento senão o vazio; a existência é uma quimera. 

— Aqui é o céu? — perguntei, interessada. 

Minha jovem e doce Carrie apenas sorriu. 

— Não sou digna de tanto, mas não consigo pensar que não seja. — Nunca havia me visto livre da dor terrena. Antes, o vazio machucava e me fazia ansiar por algo a mais; agora, ele é um deleite. De fato, tenho a companhia de um anjo... uma fada. 

— Não, Ane. Você não é digna! — Sua voz agora estava áspera, com um desprezo que eu nunca tinha ouvido antes. Sua fisionomia parecia diferente. 

— Carrie... — De maneira repentina, tudo o que antes sentia transformou-se em preocupação. 

— Ane, você é um monstro! — Sua face demonstrava medo. 

Tentei tocar em seu ombro, mas ela se esquivou de mim, dando um passo para trás. 

— Eu nunca tive a intenção... 

Não havia percebido, mas a atmosfera, antes tão acolhedora e tão clara, havia enegrecido. O único ponto de luz era uma garotinha de baixa estatura, minha irmã caçula, que agora parecia ter horror de mim. 

— Carrie, me perdoa! 

— Eu não posso te perdoar, Ane... não mais. 

Ela direcionou sua cabeça para o alto e gritou desesperadamente. Tentei mais uma vez me aproximar, mas paralisei diante da cena. Seu vestido branco foi bruscamente tingido de carmesim, enquanto todo o seu frágil corpo tornava-se cadavérico. 

Caí de joelhos sobre ela, mas já não havia mais nada além de um tecido branco-carmesim. Não, ali não era mesmo o céu, era o inferno. 

Texto publicado na Edição 12 da Revista Castelo Drácula. Datado de janeiro de 2025. Ler edição completa

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