Jardim da Morte: Dança da Morte
Na penumbra da noite eterna, um jardim agora floresce no Sheol. O jardim agora possuía rosas negras que exalavam um perfume fúnebre. A ceifadora trouxe de uma de suas viagens e deu a mulher a responsabilidade de cultivá-las naquele solo incomum. A mulher estava fazendo um bom trabalho com as flores. Antes só ficava ali sentada perdida em pensamentos à espera da ceifadora para mais um de seus jogos habituais e suas conversas, mas agora a mulher tinha uma atividade além de só esperar.
— Você voltou rápido dessa vez. — Murmurou a mulher olhando para a ceifadora que se sentava à mesa e descansava a sua foice ao seu lado, o símbolo do seu inescapável ofício.
— Sim — A ceifadora respondeu com um sorriso enigmático.
— Ainda bem que está de volta, depois do nosso passeio você saiu tão rápido para seus afazeres que nem pude te contar os detalhes do que ocorreu. — A mulher se sentou à mesa de mármore de frente à ceifadora.
— Você sabe que eu estava lá, não é? Eu presenciei tudo. — Disse a ceifadora.
— Eu sei, eu sei, mas você é a única com quem posso falar e eu queria falar sobre isso.
— Está bem. Podemos falar disso enquanto jogamos então? — Disse ela arrumando as peças de xadrez à mesa, brancas para ela e pretas para mulher. — Depois tenho um convite a te fazer. — A ceifadora sorri, seu olhar penetrante refletindo a luz pálida da lua.
— Humm…que misteriosa, agora fiquei curiosa. Está bem, vamos jogar. — A mulher se preparava.
A ceifadora sorri e avança o peão da dama para a quarta casa.
— Ah…— Suspirou a mulher. — Aquela belíssima capela, iluminada pelas chamas das velas naqueles castiçais dourados tão brilhantes. — A mulher responde com o peão da dama para a quarta casa.
— Eu vi, tudo estava perfeito. Como se fosse feito só para você. — A ceifadora prossegue avançando seu peão da coluna “c” para a quarta casa, expondo sua rainha de maneira tão prematura.
— A música que tocava, uma sonata tão melancólica que fazia ter vontade incontrolável de cantar e dançar. Rute debruçada sobre a Bíblia. Ela sempre foi curiosa e não resistia a um livro, não importa qual fosse. — A voz tingida de nostalgia. — E, quando nos vimos, era como se nunca tivéssemos nos separado. Dançamos ao som daquela sonata. Cada movimento era uma lembrança tão saudosa. — A mulher faz seu peão avançar e capturar o peão da ceifadora na coluna “c”.
— Vocês dançaram lindamente. — Disse a ceifadora sorrindo para ela e avançando o cavalo do rei para a terceira casa.
— Então tudo ficou escuro e voltei para cá num piscar de olhos. — Disse a mulher em tom triste.
— Os momentos mais preciosos são fugazes. — A ceifadora murmurou isso acenando lentamente.
A mulher tentou reagir, mas os movimentos da ceifadora foram implacáveis. Cada avanço, uma captura, uma dança mortal. Peões caem, cavalos são abatidos até que em um movimento final, a ceifadora encurrala o rei da mulher com um xeque-mate inescapável.
— E mais uma vez você vence. — A mulher suspira.
— E olha que nem me esforcei hoje. — Diz a ceifadora sorrindo. — Estou cansada de tantas vitórias. — Confessa a ceifadora, apoiando as mãos no queixo.
— E o convite? — A mulher pergunta ansiosa.
— Ah, sim, o convite, sim. — Ela tira um envelope vermelho e preto adornado de arabescos dourados da maleta e entrega à mulher. — Então minha adorável dama, você aceita me acompanhar em um baile de máscara no castelo do Conde Drácula? — Disse isso de forma afetada.
— É claro, que dizer é… — A mulher falava tropeçando nas palavras. — Conde Drácula, o vampiro? Baile de máscaras? Isso não seria quebrar as regras? — Ela olha a ceifadora em dúvida.
— Sim é o baile anual do Conde Drácula o vampiro e…sim, em partes estaríamos quebrando algumas regras, mas recebi o convite para esse baile, estou trabalhando demais também, preciso de um pouco de diversão, entende? — A ceifadora olha para ela com um sorriso forçado.
— Então, por que não? Vamos? — A mulher sorri intrigada.
E assim, uma porta preta, adornada de arabescos dourados nas bordas envolta em uma névoa carmesim se materializou foram transportadas para um grande salão suntuoso. As duas estavam belamente vestidas, a mulher com um magnífico vestido de veludo sanguíneo com decote em V, mangas longas bem justas terminadas em um punho largo finalizado em rendas. A saia volumosa que arrastava graciosamente pelo chão. Em seu pescoço um colar dourado que pendia um camafeu delicado. Em seu rosto uma máscara simples em tom de sangue adornada de dourado, os cabelos escuros longos presos atrás como uma cascata de cachos.
A ceifadora em seu vestido preto vitoriano, com a saia volumosa em camadas que varriam o chão com graça a cada movimento, o vestido parecia sussurrar lamentos. Um corpete justo que realçava sua figura esguia. Uma gola alta e austera, mangas bufantes nos ombros que desciam justos até os punhos, com babados delicados de renda. Em sua cabeça, a ceifadora usava um pequeno chapéu preto de abas, posicionado de lado. O chapéu adornado com fita preta de seda e uma única pena negra. Os cabelos grisalhos, que contrastavam com a sua pele de um grafite cinzento, preso atrás com uma trança única. No rosto uma máscara de médico da peste ocultava suas feições. Feita de couro branco, a máscara tinha um bico longo e curvado semelhante a um corvo, com lentes redondas e escuras que ocultavam seus olhos de um branco leitoso sem pupila. Segurava firmemente uma bengala de ébano, no lugar de sua foice. A bengala com um cabo ornamentado em prata, terminava em sua ponta metálica que ressoava de modo suave ao tocar o chão.
A ceifadora entrou no salão de braços dados à mulher, com sua confiança habitual. Observava cada detalhe através das lentes escuras da máscara. A música espectral, as luzes tremeluzentes criavam um ambiente convidativo para elas. Algumas pessoas no baile não ousavam se aproximar demais da ceifadora devido a sua presença impactante. Ao lado dela a mulher estava deslumbrada com toda aquela decoração, parecia um sonho para ela estar presente num evento tão impressionante.
— Vamos dançar? — Sugeriu a ceifadora, sua voz ecoando através do bico de sua máscara.
— É claro. — Disse a mulher radiante. — Mas vou logo te avisando, não sei conduzir.
— Sem problema, eu só sei conduzir. — Tomando a mão da mulher, a ceifadora a levou até o meio do salão. Seus movimentos eram fluidos e precisos. As duas a dançar criavam um espetáculo hipnotizante.
Elas dançaram graciosamente pelo salão. Se divertindo enquanto rodopiavam. O riso de ambas se misturando a música. Trocaram de pares várias vezes aproveitando cada segundo do baile e cada companhia excêntrica. Aproveitaram da comida e das bebidas, conversaram amenidades com aqueles que queriam dialogar e dançaram com aqueles que estavam ali somente para dançar. Retornaram a dançar juntas, era chegada a hora da última dança da noite. Bailaram aproveitando cada movimento e a música findou. O baile havia chegado ao fim, a mulher estava eufórica:
— Nunca imaginei que em morte iria realizar um sonho de adolescente de participar de um baile de máscara vestida como uma verdadeira dama gótica. — Ela sorria e apertava as mãos eufórica. Enquanto a ceifadora sorria para ela por trás da máscara.
Elas andaram pelo castelo procurando um portal que as levasse de volta ao jardim. Seus passos ecoando juntos com tantos outros que seguiam para seus aposentos ou para a saída do castelo. Tantos seres tão estranhos quanto elas. A atenção da mulher foi atraída para a vista de uma varanda, seguiu adiante e se deparou com um céu estrelado tão belo e uma lua cheia descomunal que parecia quase dominar o firmamento. Sentiu-se preenchida por uma sensação serena, como se pudesse sentir uma mão divina acariciar seus cabelos a deixando tranquila. Começou a cantarolar de modo suave uma canção e sua voz ecoava. A melodia saía de seus lábios harmonizando com a calmaria da noite. Ela estava hipnotizada por aquela lua, seus olhos fixos nela enquanto cantava. Ficou ali cantando para o luar e perdida em pensamentos. A ceifadora se aproximou, interrompendo seu canto suave:
— Vamos, princesinha gótica, já passou do nosso horário. Temos que ir logo. Já encontrei o portal. — Ela falou batendo sua bengala no chão de pedra impaciente.
— Até a próxima vez. — Sussurrou a mulher para o castelo e a lua. Relutante ela se virou e foi de encontro à ceifadora. Entraram na porta cinza adornada de beladona e voltaram ao jardim.
As sombras eram solecismos factuais; um ruído medrava-se horrífico. Algo físico entre nós inibia-nos, impedindo quaisquer aproximações; uma divisão vítrea, perceptível…