Castelo Vampírico: O firme fundamento das coisas que se esperam

Imagem criada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula, com Midjourney

Diário de Rute Fasano

25 de dezembro - 

— Acredito que você tenha perguntas — Ela fixou seu olhar no meu, sorrindo. — Venha, vamos procurar um lugar mais calmo para poder conversar. 

Andou à minha frente me guiando pelos corredores do castelo, abriu uma grande porta que dava para uma imensa biblioteca com inúmeros livros, fechou a porta atrás de nós deixando lá fora o barulho da música. eu estava deslumbrada com aquele cômodo que eu ainda não tinha conhecimento. Imaginava se na minha versão do castelo também havia uma igual, estantes altas, livros de diversas cores, uns muito antigos e outros mais novos. Havia uma mesa no centro com um tecido preto e acima dela um livro muito antigo, ao qual não pude deter minha atenção, minha doppelgänger apontou para algumas poltronas num canto da biblioteca. Nos sentamos, ela retirou sua máscara e eu permaneci com a minha:

— Como isso é possível? — Eu disse ansiosa por uma resposta que fizesse sentido.

— Eu poderia explicar isso usando o conceito de multiversos, das múltiplas versões de nós mesmas vivendo vidas diferentes em cada mundo, mas acredito que você já pensou nessa hipótese. — Ela falava com tanta desenvoltura, que eu me perguntava se a natureza vampírica dela que a tornou assim.

— Você tem razão. Não é essa a pergunta que eu quero fazer. — Me endireitei na poltrona tentando formular a pergunta na minha cabeça enquanto balançava a perna esquerda. — Qual é o motivo de tudo isso? Esses bailes, assombrações, perturbações, revelações, tudo isso.

Ela sorriu, talvez percebendo o quão mal eu poderia formular uma pergunta. Cruzou as pernas, colocou as mãos sobre o colo, respirou fundo mantendo aquele sorriso intacto:

— Entenda, Drácula não está em busca de poder, e sim, como cada hóspede deste castelo, em busca de conhecimento e tudo que o mantenha vivo, que faça com que ele se sinta mais vivo. A eternidade às vezes nos leva a não sentir nada, ser indiferente a certos prazeres e a nossa presença enche o castelo de vitalidade. — Me olhou séria. — Os estratagemas terríveis que ele usa é para despertar em nós sentimentos e sensações que às vezes não nos permitimos sentir, mas que alimentam o castelo e a nós mesmo. Ninguém aqui é como antes de adentrar o castelo. Ele não pode sair daqui, mas pode trazer e convidar quem há de melhor lá fora para cá. E ele aceita os curiosos, os sedentos, os perdidos e os fugitivos. — Na última palavra ela levantou as sobrancelhas, com um sorriso que já começava a me irritar e fixou o olhar em mim por bastante tempo.

— Entendo, mas qual o motivo de ele se apegar a partes muito específicas do meu passado? O que ele quer conseguir com isso? Eu já superei essas coisas. — Eu disse já bastante incomodada e com uma certa irritação na voz.

— Você está tentando se enganar, ou melhor me enganar, não é? — Falou usando um tom de voz debochado.

— Então o que devo fazer? deixar as coisas acontecerem e ver o que vai dar? — Me endireitei mais uma vez na poltrona e cruzei os braços.

— Escute, eu não posso te dar todas as respostas, apenas partes delas, não posso dar a você o refrigério da alma que você necessita. — Falou isso olhando para cima e movimentando a cabeça de um lado para o outro. — O que aconteceu comigo, os caminhos que percorri aqui, as escolhas que fiz são diferentes das que você tem tomado, compreende isso? Em nenhum momento desde a minha entrada no castelo até esse momento eu não me encontrei com nenhuma doppelgänger, o que significa que talvez você não venha se tornar o que eu me tornei, então não posso dizer o que você deve fazer, você entende isso? A única coisa que posso dizer a você é… — Ela parou por um momento, fechou os olhos sorrindo e balançando levemente a cabeça. — Me surpreendo com o que vou dizer agora, mas deixe a lógica por um breve momento de lado e tenha fé.

— Sério? — Olhei para ela em dúvida, ainda de braços cruzados, tentando acreditar no que ela havia dito.

— Sei que parece piada, mas leve em consideração a nossa nova família.

Ficamos em silêncio até que tomei fôlego para mais uma pergunta. Ela me surpreendeu colocando os dedos gelados em um movimento suave em meus lábios, impedindo que eu formulasse uma frase.

— Eu sei que pode parecer estranho, mas sinto que devemos dançar. — Disse retirando os dedos devagar. — Daqui a pouco vão anunciar a última dança e após isso devemos voltar a nossos aposentos. Sei que Drácula se ocupará em fazer você voltar sã e salva, talvez nem tanto sã, para seu mundo. Então vamos aproveitar a nossa própria companhia por alguns instantes?

Não havia percebido que o tempo passou tão depressa. E como tinha pouco tempo aceitei a última dança. Ela recolocou sua máscara e voltamos ao salão. Todos os pares já se preparavam para dançar. E dançamos no meio do salão com ela conduzindo, repetindo exatamente os passos que dancei com minha amada na capela. E rodopiamos uma, duas, três e quatro vezes e meu corpo, como se eu não tivesse controle sobre ele, foi jogado em seus braços. Do meu peito apertado pude sentir irradiar aquele formigar característico que parece abrir caminho pelos meus músculos como se eu estivesse eletrificada. No meio daqueles rostos que me olhavam por trás das máscaras e gargalhavam mais alto do que eu havia percebido inicialmente, a música alta, o arrastar dos pés sobre o chão do salão que agora parecia mais cheio, o som rascante dos tecidos roçando em outros tecidos, tudo isso me consumia e eu precisava fugir dali. A música cessou:

— Calma. Inspire e expire lentamente. — Ela disse suavemente com um olhar preocupado. — Nosso tempo acabou, espero que sua experiência com a Selenoor seja diferente da minha. Nos veremos de novo e com mais tempo, espero. — Ela tirou minha máscara e me deu um beijo suave na minha face direita, olhando em meus olhos ainda preocupada. Em um piscar de olhos eu estava de frente a porta do meu quarto.

Já havia passado das 3h, coloquei a mão na maçaneta e fiquei à porta pensando se devia entrar no quarto ou tentar a sorte por entre o castelo, sei que deveria seguir as regras, mas e se eu não as seguir? Drácula foi bem específico no convite dizendo que as três deveríamos estar em nossos aposentos, mas o tempo que fiquei pensando se entrava ou não, deve ter feito com que eu passasse das três. Então eu já estava quebrando a regras, o que de pior ou anormal poderia acontecer comigo além do que já aconteceu? Assim que tirei minha mão da maçaneta pude sentir um frio percorrer meu corpo e irradiar por ele, gelando meu coração, trazendo a ele uma sutil tristeza e desesperança já conhecida minha. Fui então em rumo do que o castelo tinha a me proporcionar, a palavra “Selenoor” ecoava em minha cabeça, o que seria isso, algo com que eu deveria me preocupar? Então fui em busca de mais uma perigosa aventura e a cada passo que eu dava eu me perguntava o motivo de estar fazendo isso tudo, por que estou me colocando em perigo, me fazendo presenciar situações intensas, procurando gatilhos para acionar memórias traumáticas?

Caminhei sem rumo, perdida em pensamentos e encontrei novamente a capela de outrora. E a capela que antes se encontrava em ruínas, agora estava no ápice de sua beleza, não havia somente traços dessa vez, ela era bela e imponente. Eu entrei e o ar dentro dela estava denso e gélido, os castiçais com velas que antes estavam velhas e quebradas, agora tremulavam de modo suave suas chamas sobre o altar, percorri o corredor entre os bancos de madeira agora todos em perfeito estado para chegar ao ambão. A bíblia estava em perfeito estado e curiosa fui olhar se haveria de novo algo marcado, aberta no livro de Mateus no capítulo 17 e em um azul-pálido bem fraco apenas parte do versículo 20 estava marcado “Por causa da vossa pouca fé” li e ri disso, aparentemente minha falta de fé era algo perturbador. Uma luz azul pálida vinda da lua se infiltrava pelos vitrais, iluminava a capela de modo incomum, e isso me perturbava, eu sentia o brilho da lua penetrar a minha pele através das minhas vestes e sua luminosidade era fria. Me sentei trêmula em um dos bancos, e coloquei as mãos sobre o colo. Fechei meus olhos e deixei minha mente vagar permitindo qualquer pensamento vir, fui invadida por uma fragrância cítrica e nostálgica, que trouxe memórias de infância. Me lembrei de segurar a mão de minha mãe enquanto entrávamos por portas grandes de madeira maciça. A luz do sol sendo filtrada pelos vitrais coloridos, espalhando um arco-íris quase que hipnótico pelo chão de pedra. Me lembrei de correr pelos bancos da igreja, os sapatos ecoando por aquele espaço santo, minha mãe rindo e me chamando para que eu me sentasse ao seu lado. As missas sempre com aqueles cantos alegres que me envolviam com um calor reconfortante, como se eu pudesse sentir o abraço de algo divino. A sensação de pertencimento era incontestável, eu me sentia segura, parte de algo que era muito maior que eu mesma.

Deixei minhas lembranças continuaram a fluir e chegarem à minha adolescência, a igreja que antes era meu lugar seguro, se tornou um local de exclusão. Eu sentia o peso dos olhares de desaprovação, os sussurros abafados quando eu adentrava aquele local santo. As mesmas pessoas que antes me tinham como família agora me olhavam com desconfiança e desgosto. Eu não compreendia o que havia mudado até perceber que a questão estava em quem eu era. O lugar que sempre me acolheu agora me rejeitava, as palavras de carinho se tornaram sermões fervorosos sobre pecado e redenção. Cada palavra era como facas afiadas penetrando minha alma. As palavras de amor ditas no púlpito começaram a parecer cada vez mais contraditórias atreladas com os olhares de julgamentos que passei a receber. E a cada dia a sensação de não pertencimento crescia, aquele lugar sagrado se tornou para mim apenas mais um edifício de pedra, as orações não eram mais um consolo e eu me sentia traída.

Meus pensamentos foram interrompidos por um som etéreo, vozes em coro vindo de todas os lados ao mesmo tempo e ecoando e preenchendo aquela capela, de modo suave cantavam em uníssono de modo quase tangível:

Iesum, salvator mundi. Tue famuli subveni. Quos pretioso sanguine. Quos pretioso sanguine. Redemisti

Apertei os olhos e as mãos com força para tentar controlar meus sentimentos e as sensações que logo me dominariam. Ouvir aquela canção depois de tantos anos irrompeu em mim um sentimento de nostalgia e pesar. Uma voz feminina familiar, vinha do lado de fora, além das paredes de pedra do castelo, começou a cantarolar:

Fairy lady who stands on the walls, life is short and wait is long… — Era a voz da minha amada morta, um soprano angelical que ressoava com um toque sobrenatural. — The stars, away, dim with the dawn, fairy lady who stands on the walls…

Abri os olhos e ao reconhecer a melodia, e logo me levantei. Olhei para os vitrais e a luz azul pálida da lua parecia ter se intensificado. Fui em direção a música que parecia flutuar pelo ar me atraindo para algum lugar fora do castelo. Corri por aqueles corredores de pedra fria, sentia aquele ar gelado queimar os meus pulmões, meu coração palpitava descompassado. Eu podia ouvir meus passos ecoarem naquelas paredes de pedra. A cada curva, um novo corredor, a voz que me guiava parecia estar mais próxima e ao mesmo tempo fora do meu alcance. Os castiçais nas paredes lançavam uma luz rubra que contrastavam com minha ansiedade. Meus pensamentos eram inundados por lembranças, pelas nossas lembranças, fui tomada por uma mistura de medo e desejo. Será mesmo que eu queria vê-la de novo depois do nosso último encontro?

Your tale has only begun, it comes from far, the Nowhereland…

Finalmente cheguei aos jardins do castelo, parei por um momento tentando recuperar o fôlego, me virei em direção a voz, minha respiração ainda ofegante. Olhei para cima e inclinada sobre o parapeito da sacada alta do castelo estava ela. Meu coração pareceu parar por um instante. Era ela com um vestido vermelho vivo longo, de mangas longas com punhos largos, como uma dama de conto de fadas. Curvilínea, saudável e corada, o cabelo comprido escuro em cachos, exatamente como eu me lembrava. Minha amada. 

The wind is blowing a sound well known, fairy lady, your love is long gone…

Ela cantou mais um verso da canção, que era a sua preferida e o tempo pareceu congelar. Eu queria gritar seu nome, mas as palavras ficaram presas na minha garganta. A luz da lua iluminava seu rosto e seu olhar era atraído para ela. E antes que eu pudesse fazer qualquer movimento, ela se virou lentamente, como se tivesse alguém dentro do castelo a chamando, e entrou sem nem notar a minha presença. Dei alguns passos, tentando encontrar fôlego para gritar. “Espera, por favor!” e minha voz saiu como um sussurro que foi levado pelo vento. Ela já havia ido e a visão dela desvaneceu na escuridão do castelo. Fiquei ali, parada, olhando para onde ela estava, sentindo as lágrimas virem e usando toda a força possível para não deixar elas descerem. Eu ouvia apenas o leve som do vento nas folhas.

Inspirei profundamente, segurei o ar por alguns segundos e soltei, virei para a lua cheia que havia chamado a atenção dela. O céu de um azul profundo salpicado de estrelas, e com uma lua descomunal tão perto. Reparei no jardim em que eu estava, envolto em um clima gélido, eu sentia o ar frio cortando a minha pele. Uma nuvem de vapor saía com cada respiração minha. A escuridão naquele jardim só era amenizada pelo brilho daquela lua cheia enorme e opressiva no céu iluminando os chuviscos que começaram a cair. Cada passo meu naquele chão úmido rangia sobre os meus pés enquanto caminhava. Havia estátuas de anjos com expressões melancólicas, de asas abertas ao vazio, damas esculpidas em mármore, com véus sobre seus rostos escondendo talvez semblantes tristes. Naquele jardim havia uma profusão de rosas espalhadas em arbustos, com pétalas de um vermelho sanguíneo que contrastava violentamente com o azul profundo do céu e o branco sobrenatural daquela lua cheia.

Enquanto eu caminhava o chuvisco aumentava, suas gotas frias se misturavam às lágrimas quentes que eu não conseguia mais segurar. As rosas, agora mais úmidas, pareciam mais vibrantes, era como se sangrassem sob a luz da lua. Um perfume adocicado levemente metálico impregnava o ar junto com o cheiro da terra úmida e do musgo sobre o chão e as estátuas. O jardim estava vivo e pulsante e fui invadida por um sentimento de solidão. A chuva aumentou ainda mais, o frio se infiltrou em meus ossos e precisei voltar para dentro do castelo. Corri para ele e escorreguei pisando em poças de água e terra que haviam se formado. Logo me levantei e continuei meu caminho. Todos aqueles corredores longos se tornaram tão curtos na minha volta ao quarto. Meus pensamentos eram um redemoinho confuso de saudade e culpa que me consumiam. Entrei no quarto, um ambiente agora familiar que me proporcionava um mínimo de conforto, com as mãos trêmulas fechei a porta atrás de mim com força numa tentativa vã de me afastar de tudo lá fora. Eu sentia que algo além da tristeza havia entrado comigo.

Tirei as roupas molhadas que agora eram um incômodo, o tecido colado em meu corpo. O vestido molhado que pesava e precisava ser removido como um fardo. Tomei um banho rápido para tirar a lama, mas não consegui tirar a sensação de que tinha algo agarrado a mim. Vesti algo confortável e largo e me deitei cansada. O sono veio logo, mas sem tranquilidade. Estava inquieta, sonhos conturbados agitavam minha mente, uma criatura escondida na escuridão azulada me observando silenciosa. Sua forma era nebulosa, mas sua presença era palpável, senti um peso sobre meu peito, tentei gritar no sonho, mas minha voz não saía.

26 de dezembro - Abri meus olhos e um calafrio percorreu todo meu corpo. No quarto escuro iluminado apenas pela luz da lua, percebi uma presença naquela escuridão azulada. Uma forma indefinida, com olhos como brasa. Meu coração batia descompassado e minha mente tentava racionalizar aquilo como produto da minha imaginação. Mas o medo intenso que me consumia dizia o contrário. Me sentei na cama e a forma sumiu, talvez fosse apenas um resquício dos meus pesadelos. Não consegui mais dormir, então fui usar meus sentimentos para escrever algo que valesse a pena ser lido. Percebi que não amanhecia, a lua continuava lá, cada vez mais brilhante, eu sabia que era manhã, pois o café-da-manhã trazido para mim no mesmo horário acompanhado pelas três batidas na porta já havia chegado. Passei o dia abatida, a presença da criatura ainda fresca em minha mente. Na hora de dormir sentia arrepios constantes e a sensação de ser observada por olhos invisíveis. Mal conseguia fechar os olhos. Sonhei com corredores intermináveis, sempre correndo, mas nunca chegando a lugar nenhum.

27 de dezembro - Acordei assustada, com uma sensação de algo se infiltrando em meus pensamentos. A lua agora parecia assustadoramente mais próxima. A criatura parecia mais distinta dessa vez, os olhos ardendo em chamas. Tentei me apegar aos pensamentos de que ela era apenas fruto da minha imaginação e voltei a dormir um sono agitado. Minhas noites se tornaram um tormento, sonhos terríveis onde minha amada aparecia, os olhos cheios de uma dor incompreensível, a voz melodiosa agora carregada de desespero. E na escuridão azulada, a criatura espreitava, aguardando sua oportunidade.

28 de dezembro - A lua não desapareceu ao amanhecer e sua presença já tornava o tempo irrelevante. Acordei sentindo dores pelo corpo, sensação de fraqueza e náuseas. Mesmo assim sentei-me para escrever e por vezes podia enxergar a criatura pelo canto do olho a me rondar como se esperasse seu momento. A sensação de mal-estar parecia piorar então voltei para cama e adormeci.

29 de dezembro - Os dias se misturavam, eu já não tinha muita certeza de que dia era. Me guiava apenas pelas batidas habituais na porta do café-da-manhã, almoço e jantar. O mal-estar piorará e eu estava febril, uma dor de cabeça lancinante, enjoos incessantes, me levantava da cama com dificuldade. Dormia várias vezes ao dia em uma sequência de tormento e vigília. E sentia a criatura mais próxima a cada abrir e fechar de olhos. Em meus sonhos eu ouvia gritos acusatórios da minha amada me culpando por sua morte. Minha mente parecia à beira da ruptura. A criatura estava mais próxima, quase tocando a cama onde eu dormia.

30 de dezembro? - A lua permanecia no céu, uma sentinela que vigiava meu sofrimento. A febre queimava a minha mente, dores incessantes em meu corpo. Não conseguia mais sair da cama, e a criatura estava tão próxima que eu podia sentir seu hálito gelado, grandes olhos vermelhos brilhando com intensidade, o corpo esquelético, a pele pálida e esticada sobre os ossos protuberantes, parecia faminto com aquele sorriso aberto de orelha a orelha com dentes afiados e amarelos. Comecei a delirar, não distinguia mais o que era real e alucinação. Meus sonhos eram um entrelaçamento de imagens de morte, gritos de agonia, imagens distorcidas. A criatura ao meu lado de olhos fixos em mim, parada apenas a espera.

31 de dezembro? - Mais um dia sem conseguir levantar da cama. A lua parecia estar prestes a devorar tudo ao redor, era tão grande que eu já nem via mais o céu. A criatura estava deitada ao meu lado com o rosto frio bem junto ao meu, seus grandes olhos vermelhos e aquele sorriso incômodo. Com uma mão de dedos finos e longos acariciava minha cabeça como se eu fosse sua cria ou um pequeno filhote, parecia testar minha sanidade. Eu só conseguia me imaginar morrendo ali e meu corpo, talvez devorado, sendo encontrado tempos depois. Tentava me segurar ao pouco de sanidade que eu ainda tinha. Sentia a criatura como um abutre apenas esperando minha morte para se apossar do meu corpo ou saciar seus hábitos necrófagos, ou fazer sabe-se lá o que. A lua, essa entidade, o medo, a culpa, tudo se misturava na minha mente, eu não encontrava mais forças para lutar contra aquilo, eu havia deixado toda a esperança escapar por entre meus dedos febris. Tentava me agarrar ao pouco de sanidade que me restava, mas eu não tinha esperança de que sobreviveria mais uma noite. 


 Nota de rodapé:

1.Jesus, Salvador do mundo / Teus servos te pedem ajuda / Aqueles a quem com teu precioso sangue /Aqueles a quem com teu precioso sangue / Você resgatou

Senhora encantada que espera no muro /A vida é curta e a espera é longa / As estrelas ao longe, enfraquecem com o alvorecer / Senhora encantada que espera no muro / Seu conto apenas começou / Vem de longe, da Terra de Lugar Nenhum / O vento está soprando um som bem conhecido / Senhora encantada, seu amor há muito se foi.

Texto publicado na 6ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de junho de 2024. → Ler edição completa

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