Aborom
Os olhos de Ameritt me estudavam com uma certa fascinação, como se o véu que escondia minha natureza fosse rasgado, expondo o vazio e o negrume do meu ser. Enquanto sorvia o chá, minhas papilas gustativas se entorpeciam com cada nota presente na infusão. Ela sorriu, levantou-se e me convidou para uma caminhada. Concordei meneando a cabeça, finalizei a xícara, elevei meu rosto e sorri. Ameritt respondeu ao meu gesto com um amável olhar. Inebriada pelos sabores, levantei-me e segui ao seu lado.
Enquanto caminhava, secretamente me questionava sobre esta doce senhora. Quais segredos essa figura tão enigmática esconde? Ela é realmente um ser fascinante, de alguma forma que não compreendo. Sua presença me acalma. Talvez seja sua forma pacífica de falar, seus gestos e seu olhar sereno e penetrante.
Iniciamos a caminhada, e a forma como ela pronunciou a palavra "besin" ressoava em minha mente como um doce sussurro. Era acolhedor e engraçado, arrancando de mim discretas risadas, fazendo-me recordar da minha mãe e do seu amável "boa noite, querida filha", seguido de um carinhoso beijo em minha testa. Espero sinceramente que tais lembranças não sejam esquecidas. Guardo-as em meu mais profundo íntimo e volto à realidade. Ameritt percebeu minha "ausência" e indagou se eu estava bem. Respondi que sim, e continuamos.
Ela estava boquiaberta com a flora desta estufa. Disse-me que cuidava dela com muito esmero. Meus olhos pararam em algo que eu não havia notado antes: enormes abóboras, donas de um brilho hipnotizante.
— Rose-besin — disse Ameritt calmamente, desacelerando seus passos. Receosa, eu a fitava, pois ela poderia saber algo sobre mim; seu olhar parecia sondar meu íntimo.
— Saiba que tenho grande apreço por sua companhia. Não tenho recebido tantas visitas ao longo desses anos, apenas dos meus amáveis besouros.
— Eu que fico lisonjeada com sua companhia. Confesso que... — respirei fundo e continuei —, a senhora me lembra muito minha mãe, tanto na fala quanto nos gestos.
Abaixei a cabeça com grande pesar após dizer isso. Um silêncio pairou sobre nós. Ela não precisou dizer nada; suas feições falavam por si. Prosseguimos, enquanto eu ouvia suas explicações, tudo com uma paixão singular. Era encantador vê-la falando.
— Rose-besin, você está ouvindo? Disse que sim. Que doce som as gotas de chuva fazem ao cair no chão, não é mesmo? Venha, gostaria de mostrar algo especial — ela acenou para o canto esquerdo da estufa.
Após chegarmos, senti algo indescritível, e o que vi foi amedrontador, porém mágico. Eram enormes abóboras detentoras de um brilho único e hipnotizante, como um ardente pôr do sol colorindo o céu com notas alaranjadas. Ao lado delas, nascia um tipo de fungo chamado Obomitas (posteriormente ela explicou-me que era uma espécie de funghi) da mesma tonalidade. Ela disse que, por conta da meia estação, tanto as abóboras quanto os Obomitas se alastraram com rapidez sobrenatural sob as gramas.
Eu ouvia tudo, mas meus olhos estavam usurpados por aquele brilho. Ela explicou o quão difícil era cuidar da estufa nessa época, pois a vegetação sentia a mudança no clima.
— Não é só a vegetação que sente a mudança. — As palavras rastejaram para fora dos meus lábios.
— Perdão, você disse algo, minha querida? Está tudo bem, Rose-besin?
— Não disse nada — sorri, enquanto meus olhos inertes fitavam as abóboras. Estava claro que não poderia esconder quem eu sou, ainda mais para uma pessoa tão sábia como Ameritt.
Ela olhou-me com sinceridade e disse:
— Eu sei, minha querida, o que lhe ocorreu. Existem mais como você aqui no castelo.
Essa informação me deixou surpresa e aliviada por saber que eu não era a única. Contei-lhe da minha transformação, bem como da minha jornada até ali. Ela ouvia atentamente, e seu semblante exibia um grande pesar.
— Eu sinto muitíssimo, minha querida... — Interrompi sua fala, pois já sentia a presença dos pontiagudos caninos.
— Preciso sair... — Mas caí de joelhos. Meus caninos se tornaram visíveis e brilhantes perante os tons alaranjados das abóboras. Gritos inumanos emergiam das minhas entranhas. Vi-a caminhar por entre a estante, enquanto meu corpo se contorcia com violência. Antes que a transformação fosse completa, ela retornou com algo nas mãos. Diante de mim, ergueu as mãos manchadas de terra em forma de concha. Com os olhos fechados, iniciou uma reza numa língua indecifrável. Em seguida, esmagou o que pareciam ser algumas ervas e folhas, produzindo um líquido viscoso esverdeado que caiu em minha boca. Senti um gosto terrível. O que seria isso que acabara de descer em minha garganta?
Sem demora, senti os efeitos. As pálpebras dos meus olhos tornaram-se pesadas, até que finalmente meu corpo tocou o chão.
Texto publicado na Edição 10 - Aborom, do Castelo Drácula. Datado de outubro de 2024. → Ler edição completa
Pablo é um escritor nascido no Nordeste do Brasil, em João Pessoa. Possui uma escrita bastante carregada em angústia, com a essência do terror, horror e ultrarromantismo. Sua paixão pela Literatura Gótica começou na infância. Algumas de suas referências literárias são: Mary Shelley…
Leia mais em “As Crônicas do Castelo Drácula”
Segui as noites na companhia de Ameritt, sempre auxiliando em tudo que ela precisasse que fosse feito para abastecer e alimentar os hóspedes do castelo…
Finalmente comecei a ter boas noites de sono; fazia tempo que eu não dormia bem. Os chás que tomei com Ameritt…
Voltei a me encontrar com Ameritt, a convite dela e por motivos que ela mesma garantiu me mostrar. Estava em meu quarto, ocupado com a leitura e busca…
Enquanto eu me afasto da biblioteca, as sombras parecem se fechar atrás de mim, como se o lugar estivesse lamentando a minha partida. No entanto, não há…
A noite pairava densa sobre Fortaleza, as luzes artificiais competindo com o brilho distante das estrelas. Velian, em sua forma mais recente, caminhava pelas…
Suas palavras parecem distantes, mas a memória de nossas jornadas no campo de batalha ecoa mais forte do que qualquer outra lembrança…
Os olhos de Ameritt me estudavam com uma certa fascinação, como se o véu que escondia minha natureza fosse rasgado, expondo o vazio e o negrume do meu ser…
Na densa floresta verdinegra, ouvi pequenos grilos ao longínquo; o horizonte era um mistério verdejante enquanto a única luz ambiente...
26 de junho —Ainda tenho essa lembrança.Pareceu-me que haviam se passado horas desde que fui barrado em Séttimor. Ioam era uma figura imponente...
Diante de mim está o altíssimo e longínquo corredor em forma de arco. Seu comprimento é imensurável, tal qual o colossal monstro bíblico Leviatã...
854 D.C. A tempestade torrencial açoitava a pele exposta de Mericus na escuridão da noite enquanto ele fazia o caminho para seu casebre...
O jardim estava envolto em uma tranquilidade quase palpável, o ar estava fresco e carregado do aroma que as flores exalavam. A mulher, que a cada dia trazia...
Pela primeira vez, em muitos dias, resolvi caminhar pelo ambiente exterior do castelo. Estranhamente animado, de alguma forma seguro após...
O homem ao qual me assemelhava não pronunciava sequer uma palavra, e também senti que ele não era dali; não me parecia que dividíamos a...
A noite embeleza ainda mais a atmosfera deste lugar e a lua grandiosa em tom fúlvido parece brilhar na umidade da minha pele. Sorrio de maneira leve, mas...
Enquanto exploro um pouco os corredores do castelo, para esquecer os acontecimentos estranhos por aqui, sinto o frio do mármore sob meus pés...
— Nauärah? A palavra, o nome, simplesmente escorre pela minha boca, soando o mais natural e simples possível. Tenho certeza de que jamais...
No porão úmido daquela casa, o aroma mórbido de mofo consumia minhas narinas, mesmo e apesar da máscara sobre meu rosto. O corpo estendido no chão era só mais um…
O céu era de uma profunda escuridão estrelada. Eu estava próxima de um arvoredo denso cujo negrume das copas, banhadas pelo caráter do infinito acima…
31 de dezembro? — Antes que começasse a me ensinar algo, a criança de cabelos escuros veio até mim com um tecido de…
O céu estava negro e denso como minha alma, mas uma estrela de esplendor singular havia me cativado. Brilhava alheia à escuridão que a cercava…
Morte. É isso que verte pelas paredes do Castelo. […] Após escrever a carta para a minha família, deixo-a em uma espécie de escrivaninha…
Desde o fatídico dia… ou melhor dizendo, desde a fatídica noite, aquela em que fui atacado, envolvido pela estranha e irrecusável aproximação da…
Minhas mãos suadas permanecem estáticas segurando a maçaneta de ferro, enquanto meus olhos castanhos brilham perante a insondável nívea…
Meu caro amigo, te envio notícias da capital. Além desta carta, somam-se alguns jornais nossos….
Às margens de um rio próximo à sua aldeia, Nauärah brinca com uma coroa de flores ao redor da sua cabeça, quando seu pequeno amigo Tupiará se aproxima…
31 de dezembro? - Um tremular doloroso e frio me consumia, a criatura continuou lá me acalentando e esperando paciente…
Lancei-me contra as sombras do corredor, apressei cada um de meus passos enquanto minha mente atordoada se alimentava de sua própria angústia…
As sombras eram solecismos factuais; um ruído medrava-se horrífico. Algo físico entre nós inibia-nos, impedindo quaisquer aproximações; uma divisão vítrea, perceptível…