Um convite especial
Voltei a me encontrar com Ameritt, a convite dela e por motivos que ela mesma garantiu me mostrar. Estava em meu quarto, ocupado com a leitura e busca por inspirações (as exigências de escrita não param!), quando percebi o sinal que ela enviou. Na beirada de minha janela — onde o que se vê não passa de um horizonte quieto e quase vazio, bordejado de mata —, seu curioso besouro batia as asas, fazendo um barulho que prontamente me tirou a concentração…
De modo apressado e curioso, larguei o livro que folheava e me pus na direção da janela; chegando lá, o prometido: Ameritt, com toda sua peculiar maneira, me exibia uma abóbora, uma imensa abóbora sobre sua cabeça. Chegando a segurar um riso, olhei para ela e acenei, garantindo com isso que iria acompanhá-la, como havia prometido em nosso último encontro.
Qual não foi a estranheza de me ver seguindo um pequeno inseto, aparentemente ciente de sua missão, me guiando pelas descidas do castelo e quase me obrigando a pedir que esperasse… Sujeitei-me àquilo com a aceitação já típica das experiências tidas aqui.
Chegando ao pórtico de entrada do casarão, diante do jardim amplo e tomado de plantas, outra surpresa. De tamanhos variados e até maiores do que a abóbora exibida sobre a cabeça de Ameritt, o espaço estava tomado por elas, com uma iluminação que só poderia ser feita por algum artefato no interior de suas rotundas massas. Aquela visão era um espetáculo, como minha imobilidade e estupefação puderam confirmar…
Ultrapassei aquele labirinto de abóboras enquanto tentava não perder a visão do besouro de Ameritt. Por um minuto, lembro que sumira de vez da minha perspectiva aquele apressado inseto. Estando já anoitecendo, tudo o que pude fazer foi tentar localizar em meio ao brilho laranja dos legumes (ou frutas?) o ponto preto e vacilante do alado bichinho. Pensando mesmo em desistir da perseguição, estava a ponto de gritar para minha anfitriã, avisando de minha situação, quando me dei conta do ridículo: eu bem sabia onde ela morava, vivia…
*
Ameritt me recebeu com a simpatia de sempre. Servindo-me pratos, doces, receitas que eu não fazia ideia se deveria ou não simplesmente aceitar, fui me dar conta de seus sabores quando já tinha repetido a porção de três ou quatro refeições...
A percepção de estar daquela maneira, sentado junto a ela numa sala relativamente escura e cercado de objetos que meus olhos não conseguiam captar, me deixou levemente preocupado. Não que eu suspeitasse das intenções de Ameritt, até então uma queridíssima descoberta, gentilmente aberta para minhas perguntas e respostas; acontece que, da forma com que eu “automaticamente” cheguei ao seu recinto, sentindo-me no mínimo tomado por alguma estranheza, naquele momento minhas primeiras impressões de dúvida e até receio voltaram à tona.
Eu ainda não sabia nada do que se escondia por trás daquela fortaleza de pedras, a verdadeira face do que governava os acontecimentos ali... Pronto para me levantar e pedir para ir embora (confesso que certo pavor ia me preenchendo, ao passo que a satisfação pela comida desaparecia aos poucos), Ameritt deu a volta na mesa e pareceu adivinhar minha apreensão.
Pedindo-me “calma”, fui sorvido por sua voz lenta e acolhedora — de certa maneira, doce como os quitutes que eu provara. Sem enxergar seus olhos, que eu já havia notado serem de um brilho enigmático e atraente, tudo o que pude prever era minha total integridade sob os braços daquela que me recebera em sua sala, estando ali à mercê do que suas mãos pretendiam ou não me fazer...
*
— Conte-me, Wallacebesin... O que faz aqui no Castelo?...
Tudo o que lembro, tudo o que me vem à mente ao recordar essa pergunta de Ameritt, gira em volta de minha pertença ao Castelo, desde minha chegada até a súbita tensão ao me servir dos pratos misteriosos daquela anfitriã...
Comecei falando de meus textos, meus poemas e sonetos, que volta e meia eram instigados a serem escritos por conta da atmosfera do lugar. Depois, falei dos outros habitantes do Castelo, pessoas que eu via, mas com quem raramente trocava alguma relação (exceto os comentários deixados como notas em seus originais escritos). Não pude contornar o assunto do Baile, aquela dança misteriosa com a também obscura dama que me acompanhara na noite... Até o episódio do ataque, aquela provável ocasião ainda em xeque na minha cabeça...
— Tudo isso acontecendo em menos de um ano, Wallacebesin?
Um ano?! Quase um ano que tudo aquilo havia ocupado de minha jornada! O choque com aquela pergunta foi como um puxão para a realidade. Jamais eu havia me dado conta de que, ao fazer parte daquele ambiente de experimentação artística e fenômenos extraordinários, também o calendário era sujeito a seus insondáveis efeitos...
Talvez eu tenha desmaiado, ficado fora de mim por alguns segundos, enquanto tentava processar aquela insuspeitada informação trazida por Ameritt. Ela própria (se minha memória não me prega alguma peça neste momento em que escrevo) — estou certo de que tenha me envolvido com seus braços e me “trazido de volta”, usando de algum artifício, com toda a certeza, de sua lavra.
Erguendo-me da cadeira, guardo uma imagem de vê-la me guiando em direção à janela de sua humilde e misteriosa sala. Ali, com o céu completamente aberto e limpo, ela me pediu que olhasse, aceitasse os fatos (que os acontecimentos anteriores, por mais absurdos que fossem, se explicariam) e que não duvidasse, a partir de agora, do que minha visão deparava...
— Quase um ano de sua estadia aqui, Wallacebesin... e esta é a primeira vez que vê isso...
Isso que ela indicava, com toda a calma do mundo: a abóbada celeste, naquela noite inquietante, sendo visitada por abóboras flutuantes, decorando o céu ao redor do Castelo de um laranja espectral...
As sombras eram solecismos factuais; um ruído medrava-se horrífico. Algo físico entre nós inibia-nos, impedindo quaisquer aproximações; uma divisão vítrea, perceptível…