Imagem criada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula, com Midjourney

Após a noite do abraço, parecia que eu havia dormido por uma eternidade, mas o que constava no jornal local fora que se passaram seis dias. O que falar das sensações pós abraço? Tive contato com a criatura tenebrosa que me hipnotizara e me fizera ingerir não somente seu sangue, mas também sua carne. Antes que eu pudesse desmaiar e ser enterrado em uma cova, senti que ao invés da criatura se tornar mais fraca, aquilo lhe dera forças. O monstro havia se humanizado; surgiu um homem de cabelos longos e negros por debaixo da carne podre do quase cadáver que me atormentara e me infligira a ter impulsos repugnantes. O homem possuía dois olhos vermelhos e expressivos, olhar que eu nunca tinha visto parecido ou igual. Já não sabia distinguir se era melhor ter visto apenas o quase morto ou se o que se transformou em homem era mais assustador.

Em oposição a criatura que se despertara, eu estava fraco, algo me consumia por dentro tal qual chamas de uma fogueira. Já não sabia distinguir se era o efeito do vinho ou o consumo da carne podre. Quando dei por mim, já estava sonolento e sendo arrastado pelos pés pelo cemitério. Senti uma espécie de choque, entendi que havia sido mordido, seguido a isso, o homem de cabelos negros me induziu a beber mais do seu sangue e logo após senti que meu crânio iria se despedaçar após levar um soco do homem em questão. Após entender que havia sido soterrado em alguma das covas, percebi que despertei em alguns momentos, mas não saberei precisar as noites, pois se bem me lembro, já não me recordava de sentir o sol das manhãs, apenas das fases lunares não precisos através das frestas de terra que me possibilitavam enxergar alguma coisa. Em um primeiro momento só tive forças para empurrar meus braços e minhas mãos para fora da cova. Em um segundo momento, empurrei meus pés, no terceiro momento já me sentia mais forte e consegui tirar meu corpo por inteiro de toda a terra que me empurrava à sete palmos abaixo. Já me sentia forte, mas também fraco ao mesmo tempo; algo me necessitava. 

Juntei as forças que ainda me restavam e perambulei, pelo que me constava, pela sétima noite no cemitério. Vi que o coveiro ainda trabalhava para enterrar um dos moribundos que enfim ganhava seu lar eterno em uma das covas. Já via e sentia com detalhes que antes não precisava, mas algo me despertou atenção; ao passo que me aproximava mais do coveiro, conseguia sentir todo o sangue, veias e artérias que ali pulsavam, sentia todo o sistema vascular do pobre homem. Sentia sobretudo sede. Sem pestanejar, surpreendi o coveiro pela retaguarda e por instinto o mordi. Fora minha primeira vítima e foi cruel o que eu fiz; além de sugar todo o sangue que pude, utilizei dá pá de enterrar para abrir seu corpo: primeiro consumi seu cérebro, depois o seu coração e por fim suas vísceras. Quase nada sobrara ali. Sentei-me por um segundo na lápide de algum morto, farto como se tivesse banqueteado em um jantar na corte. Estava todo rasgado e ensanguentado, queria poder trocas as vestimentas, porém, quando já estava a ponto de deixar o cemitério, uma voz intrusa invadiu minha mente com ordens e comandos. Senti alguma semelhança com a voz que me hipnotizara na tumba misteriosa e entendi que algo poderia estar me ligando ao sujeito que me oferecera a própria carne e o sangue e que também havia me mordido. Por impulso e ordem voltei até a tumba. Quando adentrei o local e dei por mim, o mesmo homem misterioso de olhos rubros e cabelos negros como a noite esperava por mim. Mas eu já não sentia medo e sim semelhança. 

Texto publicado na 6ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de junho de 2024. → Ler edição completa

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Thais Gomes

Thais Gomes é apaixonada pelo universo Gótico da Literatura, sua formação é em Letras Português/Espanhol e sua obra mais recente, ainda está sendo produzida, é Contos Vampirescos, uma releitura de muitos personagens do Drácula de Bram Stoker. Inspirada em clássicos como Edgar Allan Poe, Lord Byron, Álvares de Azevedo, e contemporâneos como André Vianco e Eduardo Spör; a autora explora o universo da literatura gótica com maestria e suas narrativas estão imersas no mais puro mistério. Além de escritora, Thais é produtora de eventos, cantora e musicista.

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