Solilóquio
Os acontecimentos anteriores me deixaram ainda mais convicto das incertezas deste lugar. Um salão de festas, cheio de gente, onde ninguém olhava diretamente para mim, sem nem ao menos esboçar uma qualquer comunicação, visual ou verbal, seja comigo, seja com outros presentes naquele momento… para piorar, aquela fatídica dança, aquela misteriosa parceira de noite que, além de me fazer magicamente entortar as pernas e mãos ao redor de seu corpo, me deixou tonto da cabeça e cheio de pensamentos ao final do evento…
Não diria estar me sentindo cativo aqui, à mercê de algum projeto secreto, nas mãos obscuras de um(a) maquinista oculto e arranjador de situações para, aos poucos, me levar a algum destino… pelo contrário: continuo afastando-me dessa conclusão e sentindo-me estranhamente confortável, servido diariamente de estímulos e atmosfera para o desenvolvimento da escrita. Pois sim, este é o verdadeiro objetivo que parece se desenhar por trás de minha presença e dos outros convivas do Castelo.
Leio-os, todos, com afinco, e retiro de suas experiências narrativas a conclusão de que estamos unidos pelas sensações, pela profundeza de ideias que o ambiente cercado por estas paredes parece cavar e encerrar mais — o resultado final dessa escavação, ainda um mistério… a incerteza no ar…
…
Há pouco, sentado diante desta biblioteca enorme de livros, disposta de maneira a — imagino — atender aos meus anseios (ou faltas) de inspiração, percebi-me atingido por uma vaga ideia: um raio capcioso de argumentação, de dúvidas quanto à realidade em que estou inserido, varou meu íntimo literalmente “do nada”... algo iniciado, se posso tentar adivinhar uma mínima origem, ao me desviar rapidamente das estantes e cruzar o olhar com o brilho espectral da Lua, invadindo este quarto…
Pois registro aqui que a Lua, vista da torre em que faço morada, todas as noites parece iluminar a paisagem sem barreira aparente. Da janela pela qual deixo entrar o ar nas deliciosas noites que fazem, junto com essa luz, sinto chegar igualmente até mim toda a sorte de sensações e mistérios que imagino rodar pelo mundo, invariavelmente causando em almas sensíveis os gatilhos necessários para se começar a pensar…
Eis o de agora: quem dirá (além dos raros cosmonautas) ter plena certeza de que a Lua se encontra lá, naquele céu misterioso e enganador que não sabemos seu fim? Se longe que estamos, e até onde nossos olhos alcançam, não podemos ter convicção alguma de não confundirmos uma árvore com alguma parede de maior estatura e verdejante; uma casa com algum tipo de projeção artificial, devidamente iluminada; um ser humano com alguma criatura além de nossa compreensão…
Vejam só, neste mesmo procedimento sobre o qual falo: por que essa reflexão? De onde tirei a iniciativa, estando há alguns minutos preocupado unicamente em tentar enxergar os títulos dos livros que me fazem companhia? São procedimentos mentais totalmente voluntários?... A própria linha de raciocínio e ação parece completamente indiferente a qualquer tentativa de apreensão. Qual terá sido o primeiro gesto, o pontapé inicial da minha série de atitudes que determinaram (pois assim deve ter sido) minha chegada a esta etapa da vida, a esse momento de incisiva reflexão? Mantém-se a pergunta…
Havendo resposta ou não para esse brilho do céu, para essa dúvida quanto às sucessivas etapas que me trouxeram a esse quarto, e por que decidi me atentar ao processo de pensar, certo é que cheguei aqui impulsionado por uma onda — já estando à espera (e à deriva) da próxima. Se nem mesmo os passos que eu daria ao entrar no Castelo — que me revelaram, por mais absurdo que possa parecer, o aprendizado da dança(!), além de outras descobertas quanto a habilidades de escrita — puderam ser previstos, que dirá ter plena certeza dos movimentos reais do satélite natural, assim nomeado por quem também acha ser apropriada a definição…
Encontrando ou não alguma razão em minha estadia no Castelo, uma resposta final ou explicativa de minha chegada aqui, certo é que estou mais aberto aos estímulos de fora, atento aos acontecimentos que se mostram e surgirão a cada dia aqui — já com a plena certeza de ter sido aceito nesse lugar por obra de alguma construção minha (antecedida por outras), consciente ou não…
Wallace Azambuja vive em Porto Alegre e estuda Letras na UFRGS. Sua paixão por sonetos é intensa e sua maior produção literária atual está voltada à escrita deste clássico formato poético. Atraído pelo mistério e profundidade da Literatura Gótica, o autor participou do Desafio Sombrio 2023, onde mostrou…
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Sinopse: Uma morte por envenenamento é causada durante o banquete de Aborom e agora todos os convivas, em especial o Detetive, precisam descobrir quem é o assassino.
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Um haicai de Aryane Braun
Sou acumulador destas saudades | que fazem coleção dentro de mim… | Eu guardo todas co’a maior vontade, | e ao peso que elas dão não dou um fim…
Buscando os lisos universitários | um passatempo que não muito exija, | retiram lá de cima do armário | um roto e velho tabuleiro ouija…
Essa massa purulenta | cuja dor e sofrimento | o meu peito, enquanto aguenta, | faz por ela um juramento, | tem por força de promessa…
De bruços | amortalhado | escondo o rosto e | não rezo | há dias que me rendi | às horas | à persecução | desse uniforme humano…
De soslaio | en passant | caminho retrátil da vida | a vida | sensorialmente | num piscar de olhos |desembarque brusco | ato que rende e assalta…
Trabalhar era meu refúgio. | Eu via pessoas e conversava. | Me distraia, | Sorria... | Mas o mundo parou, | Silenciou | E diante de tanto horror, | Se trancou…
A grama arde | O ar sufoca | O canto dos pássaros foi silenciado. | As árvores, | Antes, imponentes e frutíferas,…
Pálida e fria como porcelana | Sentia-me como uma boneca. | Os olhos, antes cerrados, | Agora conseguiam observar tudo ao redor…
No canto ali do quarto| No escuro | Sentada e descalça, no chão frio | Observo as sombras que ninguém mais vê…
Padres, trabalhadores, | médicos, cantores, | poetas, trovadores... | Ninguém os quis ouvir! | Lençóis negros são estendidos…
Em cada traço há um lamento, | a navalha corta sem compaixão. | Simetria, o cruel tormento, | que exige sangue em profusão. | O rosto aberto…
Sinto o frio de uma cena conhecida, | um sentimento de algo que já vivi, | a memória oculta de uma vida esquecida, | o reflexo de algo antigo que já senti…
[O labirinto do quarto de tua mente vagante e doente ensaio do mundo lá fora...] Em uma cidade onde a luz se tornara uma memória distante…
Óh, desgraçada forma essa a minha, | Do meu destino não prevejo uma linha. | Pois a sete palmos do chão, | Jaz uma amada, morta…
Em campos vastos de luz e sombras frias, | Onde a tela brilha como um farol sombrio, | Ergue-se a tecnologia, vestida em eufonia, | Prometendo…
No abismo da mente, | o sangue escorre como tinta, | pintando paredes de um castelo em ruínas, | onde as memórias se contorcem, | em danças macabras…
Nas vastas planícies do cosmos em flor, | Ergam-se torres de beleza e amor. | Cantos de formas, de ângulos e luz, | Onde a simetria é a musa que seduz…
Nutrício é teu olhar que se deleita em teu corpo nu | Teu pedestal de ilusões, | Teu altar de corações, | Tua coroa de sangue | O riso ecoante de tua balada…
Ao alcance das mãos: a rede mundial | encurtando caminhos, trazendo à tona | a promessa de um globo conectado | cada vez mais forte e necessária..
O Fim — a consequência imediata, | arauto de conversas seculares; | cometa de mil pernas que nos chega | no meio de um sábado, em notícias…
O mundo fecha-se por detrás da cortina, | Esconde de mim seu endereço. | Sozinho, | Tenho por companhia somente a angústia…
luz e sombra | vívida postura | olhar fixo | — não na ave de curvo bico —…
Entre a dor e o cansaço | Me delicio ao apreciar a escuridão em volta. | O céu negro, sem estrelas | As ruas quase desertas | As luzes dos postes brilham,…
Na escuridão, eu vejo o que não existe, | meu olhar totalmente aterrorizado e triste | imagina um rosto na rachadura a se formar, | com lábios retorcidos…
A lua, já cansada, desce no horizonte, | O sol, sangrando, rompe o véu da noite, | E a terra, em seu último lamento, suspira, | Enquanto a realidade se…
Aborom! Larajim d’esta manhã | Desponta a quint’essência de meu ser; | O frutossangue: mélica romã | D’arbórea que m’encanta a aquiescer;…