Sinfonia noturna das palavras
I.
Sob o manto negro da Lua Túrgida,
onde os mistérios nascem das sombras,
você, alma peregrina, ousa encarar o abismo?
O céu tinge-se de azul profundo,
uma tinta escura que escorre do próprio coração do universo,
e o castelo, desfeito e distante, chora
sob a penumbra rubra de seus terrores antigos.
Ali, entre as paredes de pedra que sussurram,
as criaturas que espreitam nas sombras se erguem,
monstros que não são de carne,
mas do medo que habita as profundezas da alma humana..."
Arale, a felina da noite, a escriba das sombras,
pulsando com a força ancestral das estrelas que se esgueiravam pelas cortinas de veludo negro.
Seus passos eram ecos distantes de uma era esquecida,
onde a própria biblioteca se alimentava do seu silêncio,
onde livros sussurravam, não mais palavras, mas segredos,
não mais histórias, mas destinos que não estavam escritos.
Arale encontra algumas páginas queimadas pelo solo de pedra e algumas folhas voando
próximo às velas de um azul cobalto tingidas pela luz da lua que rasga o vitral próximo à torre da janela do alto do Castelo...
Enquanto andava entre os corredores, foi absorvida pela abissal força da Biblioteca como uma osmose de sangue ali, uma caçadora de pesadelos,
seu machado dourado, refletindo o ouro de um sol que nunca nascera
nem se punha no horizonte daquele castelo desfeito pelo tempo.
As páginas dos livros se abriam, mas suas palavras
não eram mais compostas de tinta e papel. Não, eram entidades,
sombra e carne, ganhando forma sob o olhar atento da felina.
II.
"A Lua Túrgida, pálida e inclemente,
desvenda os segredos ancestrais enterrados nas raízes do tempo,
seus olhos ardentes refletem os horrores do passado,
aqueles que foram esquecidos, mas jamais perdoados.
E você, ser imortal, sente em sua carne
a presença de algo que não pode ser nomeado,
uma fome que reside em seus ossos,
um monstro feito de sombras e silêncio,
buscando a luz que nunca será..."
Um livro se ergue, e do seu interior uma mão sai,
mãos de páginas que se entrelaçam como raízes,
tentando agarrar sua garganta.
Mas Arale, com a fúria da lua cheia,
afasta com um golpe preciso, o machado dourado cortando o vazio
como um fio de lâmina cortando o próprio destino.
— Aqui é o domínio do além, mas ainda sou eu quem escolho o meu caminho —
pensou ela, com seus olhos dourados que ardiam
como se o sol vivesse ali dentro...
III.
"O inverno avassalador surge como uma onda de gelo,
engolindo tudo o que tocou, tudo o que é vivo.
As árvores, curvadas sob o peso da neve,
se transformam em esqueletos de sua própria existência.
Os ventos cortam a carne e a alma,
e a escuridão se estende como um véu eterno.
Mas é nas sombras que a verdade se esconde,
nas cavernas profundas do castelo onde os pesadelos dançam,
onde cada suspiro é um eco do que foi,
do que nunca será..."
Nos quadros das paredes, os rostos antigos
assistiam em silêncio, esperando para se desfazer em sombras.
Mas Arale não se deixou enganar,
sabia que atrás de cada pincelada estava uma criatura à espreita,
silenciosa como os ventos que passavam pela torre do castelo.
Uma figura, um espelho. Da superfície prateada, algo se contorce,
uma figura que a olha como um espelho distorcido.
Arale avança, e no momento em que o machado toca o vidro,
uma explosão de luz e trevas se entrelaça, como se o tempo fosse rasgado.
IV.
"Rosa sangrenta, mandíbula do amor,
tingida pelo sangue da Morte,
um amuleto que pulsa com a energia do fim.
A cada passo, a rosa arde em sua mão,
uma chama vermelha que não se apaga,
um lembrete do abismo que aguarda,
do fim que se esconde atrás das estrelas apagadas.
Se o horror do fim te alcançar,
entregue a rosa à Morte,
pois ela, em sua sabedoria sombria,
te devolverá à vida com um vigor que não pode ser explicado,
um renascimento que é ao mesmo tempo condenação e libertação."
—Eu não sou o reflexo, eu sou o desfecho.
pensou, e o espelho se quebrou, espalhando em pedaços,
não vidro, mas carne e alma que jaziam no fundo de uma realidade
onde o refletido era o predador e o predador o reflexo.
As velas tremeluzem. Mas não são chama,
são olhos, pequenos olhos que queimam com desejo de devorar.
Lá fora, a noite parecia se esticar em um limbo de estrelas apagadas,
mas ali, nas profundezas do castelo, tudo era eternamente noite.
As velas falavam, sussurravam segredos de um mundo
onde o medo se encarnava em formas monstruosas.
Arale levanta o machado,
um golpe certeiro apaga a chama e faz os olhos se desvanecerem
como fumaça no vento do próprio medo.
V.
"Os monstros que habitam o castelo não são apenas de carne,
mas de história, de memórias que ainda sangram,
de pecados que nunca se redimiram.
Eles buscam a luz da Lua Túrgida,
o pálido lume que ilumina o caminho da consciência.
E você, caminhante, está pronto para ver o que eles revelam?
Está pronto para enfrentar os horrores que despertarão dentro de você,
os monstros que estavam sempre ali,
esperando na escuridão do seu ser,
e, quando a Lua Túrgida brilhar,
eles sairão para te encontrar."
Por trás das cortinas, um movimento.
Uma sombra que se arrasta, um vulto no fundo da biblioteca,
onde os livros eram mais vivos que os seres que os liam.
Ela caminha até a estante, suas garras traçando círculos no ar,
e, de repente, um livro se abre, e uma sombra,
uma criatura que jamais deveria nascer de tinta e papel,
salta para o espaço, um monstro de letras disformes.
Com um grito que não mais ecoa,
Arale mergulha na luta, seu machado cortando e perfurando
a carne do monstro que se dissolve em palavras
enquanto ela avança, até o fim de sua missão.
VI.
"Mas não tema, querido leitor, pois você não está sozinho.
Carregue a rosa, com seus espinhos tingidos de carmim,
e saiba que, enquanto o horror te rodeia,
a luz da Lua Túrgida não é só escuridão,
mas uma revelação de quem você realmente é.
Pois dentro de você, nas profundezas mais sombrias,
está a força de enfrentar o abismo,
e, se necessário, se tornar um com ele.
A Lua Túrgida não é uma sentença,
mas um convite, uma jornada sem fim,
onde a morte e a vida dançam juntas
em um ciclo eterno de renovação e destruição..."
Mas no fundo, ela sabe. Ela sempre soubera.
Este não é seu fim, nem seu começo.
A caçadora de palavras, a escriba de garras de aço,
não está ali por uma razão única. Ela busca.
Busca não só o conhecimento que habita aquelas páginas,
mas algo mais, algo que se esconde nas entrelinhas do castelo,
algo que a prende ali, mas a faz sentir-se, ao mesmo tempo, estranha.
O desejo, a fome de um toque humano, um calor vivo,
além das criaturas que caçam e morrem,
além das páginas que ardem e se curvam.
Arale, a felina entre as sombras e os espelhos,
cai de joelhos no chão de pedra fria,
a sua jornada apenas começando,
uma missão espiritual, um ciclo interminável,
mas no final, uma pergunta:
"Onde estão aqueles que podem ver o que sou?"
VII.
"E no fim, quando a penumbra da Lua Túrgida
te envolver como um manto de névoa,
lembre-se: o medo não é o fim,
mas o começo de algo mais profundo,
mais antigo, mais verdadeiro.
A rosa, teu guia, teu guardião,
brilhará na escuridão,
um farol no abismo,
um sinal de que, mesmo no final,
há sempre uma nova página a ser virada,
uma nova história a ser escrita
sob a luz eterna da Lua Túrgida."
Uma resposta desfragmentada se perde, no vento que sopra,
no mesmo instante em que ela ergue a lâmina dourada,
todos os pergaminhos que flertam com a chama e a luz pálida
do luar como uma sinfonia de palavras são de autoria do Drácula,
pronta para o próximo passo e fascinada aos cânticos da Lua Túrgida
sabendo que, no fundo, o castelo era seu espelho,
e ela, mais que uma caçadora, era a alma que fugia de si mesma.
Elas se calaram… as vozes do meu abismo. E agora perduro em Selenoor como quem a ela pertence, uma rainha índigo de sangue e solidão…