Sorte Diabólica
…O pior de tudo era ter que voltar para casa de mãos abanando e sem nenhum argumento que pudesse lhe valer, e ser obrigado a contemplar o olhar de decepção de sua mãe. Como se não bastasse todo o sofrimento que a ela fora infringido, ainda por cima ele, seu único filho. A única pessoa que pudesse lhe valer era na verdade motivo de uma decepcionante ignomínia. Por isso, estava ele ali, parado encostado junto à mureta da ponte, observando as águas turvas e preguiçosas que desciam correnteza abaixo. Sua solidão era completa, não havia ninguém por perto àquelas horas tardias. Ao seu redor reinava um inquietante silêncio, apenas vez por outra, rompido pelo sinistro som das criaturas da noite. O céu estrelado, placidamente o contemplava como se aguardasse suas últimas resoluções para ser testemunha única de um último ato.
Henrique – Rico entre os íntimos, mas de riqueza mesmo, nada tinha – olhava para o reflexo das estrelas sobre as águas, buscando nas profundezas do infinito a coragem necessária para um fim definitivo a toda uma vida de frustrantes decepções. Estava decidido que, se a sorte não lhe sorria, o que restava era ir de encontro ao azar, na inquietante busca pelas verdades da existência. Naquele momento de indecisão, fez uma breve análise de sua medíocre existência. De forma bastante decepcionante, chegou à triste conclusão de que toda sua vida fora uma grande farsa, cheia de tragédias e terríveis privações. E, por fim, havia se tornado um vergonhoso fardo para sua mãe.
A querida Tia Eulália, sua mãe – uma humilde professora de primário, que sobrevivia contando as migalhas de seu pequeno ordenado, e tentando ajuntar o restante daquilo que sobrara de sua vida – por mais que tentasse disfarçar seus sentimentos, ainda assim era possível perceber que ela trazia consigo o semblante melancólico e um olhar triste e distante, típico de pessoas sem maiores perspectivas, entregues ao sabor do vento, vivendo um dia após o outro. Ela, que noutros tempos, ainda no frescor de sua juventude, fora uma bela mulher, alegre e descontraída, sempre com um animado sorriso no rosto, esbanjando simpatia e muita disposição, agora, depois de todas as tragédias que se abateram sobre ela, nada mais era que a verdadeira face da derrota.
Rico tinha vagas lembranças da época em que ainda existia o brilho do contentamento nos olhos de sua mãe. Um tempo já distante, quando ele ainda tinha uma família completa com ele, sua adorável irmã Cecília, sua atenciosa mãe e seu pai, o conhecido caminhoneiro Amarildo – que era, para os demais, sinônimo de muita presteza e completa lealdade. Mas para sua mãe se demonstrou um terrível desengano. A tristeza estampada na face de sua mãe era apenas o resultado da infeliz condição humana. Ela que já tivera todos os motivos para sorrir para os quatro cantos do mundo, viu toda sua felicidade se desfazer como espumas ao vento.
Quando Rico ainda era bem pequeno, seu pai saíra de casa para uma viagem a trabalho – como era de seu costume – e nunca mais voltara. Seu pai que partira apenas com alguns pertences, mas levara consigo todas as economias da casa, deixara para sua mãe apenas um bilhete de adeus – como ato de justificativa – diversas dívidas a pagar e dois filhos pequenos para criar. O homem ao qual ela entregara sua honra e sua inocência, dedicando-lhe todo o seu amor e sua lealdade, sumira de vista sem deixar nem um vestígio de seu paradeiro. Rico tinha nove anos na época e sua irmã Cecília – já demonstrando os primeiros sinais de um semblante doentio – apenas sete. Num ciclo contínuo de desventuras, pouco tempo depois, após seu pai ter saído de casa, sua irmã Cecília fora diagnosticada com Leucemia. Numa desesperada tentativa de um tratamento eficaz para a filha, Tia Eulália teve que vender a casa – único bem que eles possuíam – e logo depois contrair um oneroso empréstimo bancário – dívida essa que consumiria grande parte de seu já parco ordenado por um longo prazo. No entanto, todos os esforços de Tia Eulália se demonstraram em vão. Cecília viria a óbito menos de um ano após seu pai tê-los abandonado. Cecília fora baixada à sepultura sem o último adeus do pai que ela tanto adorava. Ficaram apenas Rico e sua mãe – sem casa para morar, com dívidas a pagar, sem nenhum dinheiro no banco, e nem mesmo um parente importante que lhes pudesse valer. Estavam sós no mundo.
Uma vez que sua mãe tinha que trabalhar para trazer o sustento para dentro de casa, enquanto ela estava ausente, Rico – um jovem imberbe e desacreditado na vida, pois perdera seu pai e sua única irmã num intervalo de tempo bem pequeno – vivia mais nas ruas do que em casa, andando em companhia de pessoas de índole bastante duvidosa, tornando-se um interessado aluno na arte da vadiagem. Para ajudar sua mãe nas despesas do lar, fazia um biscate aqui e outro acolá. Mesmo enfrentado diversas adversidades da vida, conseguiu sobreviver a uma infância infeliz e assim que chegou à adolescência, para ter o dia livre para o trabalho, acabou por convencer sua mãe – mesmo com certa relutância por parte dela – a terminar seus estudos no período noturno. Foi justamente nesse período que travou conhecimento com os malandros da noite. Indivíduos de vida noctívaga – assíduos companheiros de copo e fiéis amantes do jogo. Rico – um rapaz belo e sedutor de fala macia e sorriso doce – logo ficara conhecido e muito bem-quisto entre jogadores, prostitutas e todo o tipo de vagabundo que vagueia pelos becos e vielas sob a proteção das sombras da noite.
Sua mãe, ao saber desse deprimente caminho ao qual ele estava se enveredando, com a face banhada em lágrimas e em soluços, o cobrira de conselhos e reprimendas, num moroso sermão sobre a moral e os bons costumes. Vendo a tristeza e a decepção que ele mesmo causara à própria mãe, prometera-lhe que, pelo amor e todo o respeito que ele sentia por ela, abandonaria de vez aquela vida desonrosa. Sua mãe, bastante comovida com a sinceridade estampada nos olhos do filho, o abraçou ternamente e após beijá-lo na face carinhosamente dissera-lhe:
– Filho amado, você é jovem, bonito e cheio de saúde e vigor, tem todo um futuro pela frente, não desperdice seu tempo e seu dinheiro nesse tipo de vida. Tais locais são, na verdade, um antro de lascívia e perdição. Em lugares como este não há o senso de amizade e camaradagem, lá você jamais terá amigos, apenas conhecidos. Nesses antros de perdição, você só tem valor enquanto sua bolsa ainda estiver cheia. Reina nesses lugares um abjeto interesse material, por mais que você possa se achar interessante e sedutor, seus valores são pesados de acordo com aquilo que você possui. Se algum dia – por acaso – estiveres totalmente desprovido de bens e de dinheiro, conhecerás a índole daqueles a quem chama de amigos e saberá o verdadeiro valor das mulheres que o rodeiam, se dizendo sempre fiéis a você.
Em honra à promessa feita à sua mãe, Henrique deixara brevemente de lado a vida noctívaga pela qual se enveredara. Conseguira, através dos contatos de sua mãe, um emprego fixo como atendente numa farmácia de propriedade de um atencioso amigo da família. Seguindo conselhos de sua mãe e de seu próprio patrão, planejava assim que possível dar continuidade aos seus estudos. Em certas ocasiões, até mesmo acompanhara sua mãe a igreja, onde conhecera uma simpática jovem – Eleonora era filha do pastor da igreja – pela qual se apaixonara perdidamente.
Sua mãe estava eufórica com o comportamento do filho e a todo o momento recebia elogios pela forma educada e gentil com que ele a tratava – algumas das beatas da igreja diziam, entre sorrisos maliciosos: “um bom filho será um excelente marido”. Rico era verdadeiramente um educado cavalheiro e em se tratando de sua mãezinha querida, era ele mais atencioso ainda. Seu ordenado na farmácia – que não era lá essas coisas – era quase todo entregue à mãe para ajudar nas despesas do lar. Mesmo com o parco salário que recebia, ainda assim, ele trabalhava todos os dias sem se distrair, pois tinha grandes planos para o futuro. Ele que já havia se declarado, em surdina, à Eleonora, recebera por parte dela certa conivência que lhe dava grandes esperanças. No entanto, nas Escrituras Sagradas está escrito que: “... quando um espírito imundo sai de um homem, passa por diversos outros lugares... Então vai e traz outros sete espíritos piores do que ele...”.
Nessa mesma época, devido a um estrondoso furo no caixa da farmácia – mesmo sendo inocente – Rico acabara por perder o emprego sob a acusação de ter sido ele a surrupiar o valor faltante. O dono da farmácia – amigo íntimo de sua mãe – dissera a ele estar tremendamente decepcionado com sua conduta, pois havia lhe dado um sincero voto de confiança, em amizade à sua mãe. Dissera-lhe ainda que ele não havia herdado o caráter da mãe – mesmo que veladamente, fazendo uma breve alusão ao pai. Aquilo lhe ferira profundamente a alma, até mais do que ser acusado injustamente de furto. Se no jogo não fora feliz, iria tentar a sorte no amor e no mesmo dia que perdera o emprego, decidira se apresentar na casa de Eleonora como sincero pretendente a receber a mão dela em sagrado matrimônio. Ao demonstrar suas intenções para com ela perante sua família, fora humilhado e vilipendiado em toda sua honra. Sem nenhum tipo de cerimônia, o pai dela – seu ex-futuro sogro – dissera-lhe de forma bastante grosseira e sincera.
– Jamais permitirei tal união, por dois motivos principais. Primeiro não dou guarita para vagabundo debaixo do meu teto – pois sei quem você é, de sua fama de ladino, você pode até mesmo ludibriar minha filha inocente com seu palavreado macio, mas a mim você não engana – e, segundo, em respeito à sua honrada mãe, sabendo que você não tem onde cair morto, não posso permitir que ela, já com tantas dificuldades, tenha que alimentar mais uma boca em sua casa, como se não bastasse o delinquente sanguessuga que ela inocentemente chama de filho e vive às suas expensas. A igreja a qual eu presido – sendo a casa de Deus – sempre estará aberta a todos sem distinção, mas a minha casa – onde honrosamente reside minha família – jamais estará aberta a pessoas de sua espécie. Exijo peremptoriamente que se afaste de vez da minha filha e jamais ouse colocar os pés aqui nessa casa novamente.
Naquela mesma noite – decepcionado com o mundo e com a vida – Rico decidira dar uma breve passada no cassino onde ele já presenciara fortunas inteiras virarem pó. No entanto, também fora testemunha de fatos inusitados, onde um indivíduo qualquer entrava com alguns trocados no bolso e saía de lá para uma vida de opulência. Estando ele sem dinheiro algum, apenas observara atentamente seus conhecidos tentando a sorte nas diversas modalidades de jogatina ali existentes. Como sua mãe o havia prevenido, aqueles que se diziam seus amigos, percebendo que ele não tinha nenhum tostão furado, não lhes dera atenção alguma, não lhe ofereceram nem mesmo um único gole de bebida sequer, tão pouco algum trocado emprestado para que ele tentasse a sorte.
No dia seguinte, sua mãe inocente e alheia a tudo aquilo que estava acontecendo ao filho, fora para o trabalho sossegadamente como fazia todos os dias. Levando-se em consideração que a vida de muitas pessoas se baseia em se deleitar com a desgraça alheia, na escola já havia burburinhos – entre os desocupados – sobre o fato de Rico ter sido escorraçado da casa da bela Eleonora – alguns vizinhos ouviram o pastor vociferando ofensivas palavras ao filho de Tia Eulália. Também se comentava sobre o roubo na farmácia – como isso veio a público ninguém nunca soube ao certo – e por fim o fato dele ter sido visto entrando no cassino novamente. – Certamente para torrar a grana oriunda do furto – diziam alguns de língua mais ferina. Rico, alheio ao fato de que seu nome e suas desventuras era o assunto preferido do dia, ficara em casa, tentando encontrar uma forma de relatar à sua mãe sobre sua triste realidade.
Do fundo de sua alma, ele sabia que sua bondosa mãe acreditaria em sua inocência e certamente lhe seria partidária naquilo que tangia a sua pseudovida amorosa. No entanto, precisava ele encontrar uma forma correta de narrar todos os fatos de uma forma que lhe parecesse convincente. Estando ele só e largado ao mais completo ócio, fazendo jus ao ditado: “que uma cabeça desocupada é uma excelente oficina para o mal”. Devido a todas as vicissitudes do dia, ele que tivera uma noite inquieta, intercalada com momentos de insônia e breves cochilos carregados de sonhos estranhos onde via números por todos os lados, pessoas felizes e riqueza por toda parte, chegara à conclusão que se conseguisse algum dinheiro, poderia voltar ao cassino naquela noite e quem sabe assim, se a sorte lhe sorrisse, resolver de uma vez por todas todos os seus problemas. Dinheiro mesmo, ele não tinha nenhum, mas sempre soube onde sua mãe guardava suas economias para uma possível eventualidade – na vida deles dois, as eventualidades eram uma constante.
Antes mesmo de sua mãe voltar do trabalho, Rico recolhera todo o dinheiro que encontrara guardado entre os pertences dela e após vestir seu melhor traje e estar bastante perfumado, saíra naa ruas aguardando que a noite chegasse e que as bancas de jogos fossem abertas. Estando ele com todas as economias de sua mãe no bolso, pois não deixara nenhum tostão para trás – tal qual, como seu próprio pai outrora fizera, quando os abandonara – sentara-se para jantar e assim o fez como se fosse uma pessoa desprovida de qualquer tipo de dificuldade financeira. Comeu e bebeu do bom e do melhor, antes de ir tentar a sorte, pois estava decidido a retornar para casa cheio de dinheiro ou não voltar nunca mais. Estava decidido a resolver sua vida de uma vez por todas. Assim que o cassino abriu suas portas e iniciou os trabalhos da noite, ele fora um dos primeiros a adentrar as portas que levam à glória ou à mais completa ruína.
Nas primeiras horas da noite, Rico estava iluminado pela áurea da fortuna. Havia sido sortudo em quase tudo que apostara, o dinheiro que havia trazido consigo já havia se quadriplicado e ele estava pressentindo que era seu dia de sorte. Por volta das dez horas da noite, ele já acumulava dez vezes o valor referente às economias que ele surrupiara de sua mãe. Num golpe de sorte, ela nem mesmo notaria a falta do dinheiro e ele ainda lhe daria mais que o dobro para que ela também pudesse guardar. Parafraseando mais um ditado que diz: “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. O jovem Henrique, acreditando que a roda da fortuna estava girando a seu favor, decidiu fazer uma última jogada. E foi esse último ato que o levara ao desespero, pois nessa jogada apostara todo o seu dinheiro, tanto o que havia trazido consigo, bem como todo o montante acumulado numa série de apostas bem-sucedidas. Numa insana tentativa de recuperar pelo menos o dinheiro que trouxera, ele ainda apostara o relógio que fora um presente de sua mãe e até mesmo seu próprio paletó, só não apostara suas roupas e os sapatos, porque o dono do estabelecimento não o permitiu.
Sentindo-se a mais desafortunada de todas as criaturas, Rico saíra às ruas sem destino certo, caminhando trôpego sem saber para onde ir e o que deveria fazer. E quando, na mais completa solidão, estava atravessando uma ponte que cruzava o seu caminho, chegara à inquietante decisão que já não tinha mais vontade de chegar ao outro lado. Após uma longa reflexão sobre a existência, onde ele amaldiçoava a tudo e a todos relegando até mesmo aos céus pelas vicissitudes da vida, decidiu naquele instante, tomar as rédeas de seu destino. Mais uma vez olhando as águas turvas bem abaixo de si, quando havia já passado uma de suas pernas sobre a amurada da ponte, sentiu uma estranha presença perto de si e logo, uma mão de toque macio com um brilhante anel em um dos dedos tocara em seu ombro. Ao se virar se deparara com um distinto cavalheiro que após levantar a cartola e lhe sorrir amigavelmente, lhe dissera:
– Boa noite meu jovem amigo!
Num primeiro momento, Rico se assustara bastante por imaginar estar só ali naquele ermo caminho. Tinha a certeza absoluta de que no minuto anterior, quando ele olhara para trás como se estivesse dando adeus ao mundo, não havia ninguém ali naquela ponte. Mesmo assim, direcionado pelo senso da boa educação e dos bons costumes respondeu polidamente.
– Boa noite senhor! Como poderei ajudá-lo?
– Olhe bem para mim! E depois olhe para si mesmo e então me responda, quem realmente está precisando de ajuda?! Respondeu o cavalheiro. Um distinto senhor, trajando um belo terno negro de corte fino, sapatos brilhantes e cartola na mesma cor. Tinha a face lisa e um bem cuidado bigode sobre um sorriso de dentes brancos e alinhados. Na penumbra em que se encontravam, a cor dos seus olhos era indistinta devido à ausência de luz, mas dava a impressão de serem claros. O belo anel que trazia num dos dedos tinha uma cintilante pedra da cor de carmim – talvez fosse um valioso rubi.
– O que o faz pensar que eu esteja precisando de ajuda? — Respondeu Henrique.
– Sua vida medíocre! Suas decepções! Suas humilhações! E por fim o que estava prestes a fazer! Não percamos tempo com questionamentos e explicações desnecessárias. Eu sei do que você precisa e você tem algo que me interessa. Farei a proposta uma única vez, não tenho tempo para indecisões. É pegar ou largar! Vou emprestar a você um pouco de dinheiro para que volte agora mesmo ao cassino e pegue aquilo que é seu por direito. Jogue apenas na roleta, aposte nos números primos em sequência. Ainda hoje, antes mesmo do cantar do galo, você terá tudo aquilo que sempre mereceu. Apenas me responda sim o não.
Disse o cavalheiro com um estranho brilho no olhar mostrando a Henrique um grosso pacote de dinheiro. Pelo volume do pacote, era o montante necessário para que, devidamente investido nas apostas certas, fosse mais do que o suficiente para se transformar numa grande fortuna. Rico, como aquele mesmo gentil senhor o havia admoestado a não fazer perguntas desnecessárias, apenas pegou o dinheiro, sentindo em suas mãos um estranho arrepio que lhe correu por todo o corpo. Passou os dedos pelas notas sentido a firmeza do papel que estalava de tão novo, percebendo que aquele dinheiro jamais havia sido usado. Sem acreditar naquilo que estava acontecendo, mal teve tempo de perguntar ao cavalheiro – que já se afastava, se perdendo na escuridão das sombras indo embora da mesma forma que aparecera – como e quando ele iria pagar aquele empréstimo.
– Na hora certa voltarei para receber essa dívida, não se preocupe quanto a isso. Aproveite pela sorte enquanto ela lhe sorri... — Disse o cavalheiro já chegando do outro lado da ponte e se perdendo pela escuridão a fora. Suas últimas palavras se misturaram em meio ao som dos sinos da igreja que naquele momento badalavam violentamente ao longe avisando a chegada da meia-noite.
Rico, mais do que depressa, retornara ao cassino e como lhe fora coordenado, apostara grandes quantias somente na roleta e nos números primos em sequência. Em menos de duas horas de apostas, O jovem Henrique conseguira quebrar a banca. Ele que a momentos atrás estava prestes a dar um fim à própria vida, havia se tornado um homem rico. Voltaria para casa não como um homem desempregado, sem onde ter que cair morto como ouvira da boca do pastor, mas como alguém que agora tinha o dinheiro suficiente para comprar até mesmo a própria farmácia onde dois dias antes era um simples empregado que fora demitido injustamente. O dono do estabelecimento não tinha em caixa todo o dinheiro que ele havia ganhado, mas raspou o cofre e dera-lhe tudo o que tinha e na presença de testemunhas confiáveis assinara-lhe uma nota promissória com o restante que lhe seria devidamente pago no dia seguinte assim que o banco abrisse.
Acompanhado de um policial que estava de folga e, também, tentava a sorte naquela noite, rico tomou um taxi e se direcionou até sua casa para contar as novidades para sua mãe. No caminho estava eufórico em poder dar à sua querida mãe tudo aquilo que ela sonhara um dia. No entanto, mesmo ainda ao longe, soube que havia algo de errado em sua casa, pois mesmo sendo alta madrugada com o dia já quase amanhecendo, havia muita gente na porta, além de uma viatura da polícia e uma ambulância. Rico saltara do taxi antes mesmo do veículo ter parado por completo e ao entrar correndo em casa se deparara com o corpo da mãe sobre uma maca. Aos prantos fora contido por um dos policiais que estava atendendo a ocorrência – um dos vizinhos ouvira um tiro na casa e acionara a polícia que ao chegar se deparara com Tia Eulália já sem vida, numa das mãos ela tinha uma arma na outra um bilhete de adeus...
Quando o bilhete fora entregue para Henrique para que ele pudesse ler as últimas palavras de sua mãe, ele ouviu ao longe o triste cantar de um galo que anunciava a chegada de um novo dia...
— A arte, querida Bella, requer vida e morte, tu sabes… — Bellanna pretendia argumentar, todavia, Dhiego aumentou seu tom de voz ao notar que seria interrompido…