O que é um Anfêmero?

Imagem criada e editada por Sahra Melihssa, para o Castelo Drácula
Ao Anfêmero pertencerá a sua vida em todas as instâncias emocionais e psíquicas. O Anfêmero é um livro e posso compará-lo ao Diário, visto que ambos são guardiões dos aspectos quotidianos da vida humana singular. Todavia, o Anfêmero, para além d’esta tarefa, possui muitas outras e, para que estas muitas outras sejam cumpridas, é requerido que seu autor tenha um vínculo com seu Anfêmero, é imprescindível que seu autor tenha uma intenção verdadeira de encontrar, através da escrita, o autoconhecimento. Boa leitura, núridos queridos, imerjam-se na profundez do Anfêmero.
Cada um deve ser autor de seu próprio Anfêmero. O autor deve se vincular profundamente e emocionalmente ao seu Anfêmero para que sinta ser substancial escrevê-lo. A intenção, a qual supracitei, nada mais é do que a verdadeira vontade de fazer algo. Por vezes temos anseios quais, por mais que sejam anseios, não são febris o suficiente para que utilizemos nosso tempo e energia em nome deles. O anseio de escrever em seu Anfêmero deve ser, para o autor, um anseio resoluto. Isso, pois, das outras muitas tarefas destinadas ao Anfêmero, está o hábito de descrever o seu dia com minuciosos detalhes, em especial a respeito de seus pensamentos, sentimentos e emoções.
Em um Diário, naturalmente escrevemos o que sentimos ou pensamos, porém, no Anfêmero, é preciso uma dedicação para que esses detalhes sejam mais aprofundados, uma vez que são eles que trarão compreensão para nós e consciência para o nosso quotidiano. Isso acontece porque, ao nos dedicarmos à lembrança de cada pensamento e emoção, além dos acontecimentos do dia, trabalharemos a memória e a atenção a cada dia com mais avidez; imersos no verdadeiro desejo pelo autoconhecimento e vinculados, sem hesitar, ao Anfêmero; quereremos investir nossa atenção nos dias corriqueiros tão somente porque queremos ter o que redigir ao anoitecer. Esse ciclo de escrever para se lembrar e investir na atenção para se lembrar mais ao escrever, é o ciclo virtuoso do Anfêmero.
A memória é a razão pela qual somos capazes de compreender novos conhecimentos; exercê-la e praticá-la não apenas leva ao autoconhecimento, mas também nos permite transformar a nossa existência com a expansão da nossa capacidade de assimilação do mundo. O Anfêmero é a ferramenta do ciclo virtuoso da memória, pois a expande naturalmente. Além disso, com o exercício da Escrita, ampliamos nossa capacidade cognitiva e desenvolvemos, assim, maior habilidade de processamento de informação, além de autocontrole nas respostas reativas do nosso comportamento. Não é atoa que sempre, desde os primórdios da humanidade, buscamos formas de escrita que, mesmo rudimentar, vinham da nossa intuição primitiva de evolução mental.
Compreende-se que, portanto, enquanto ferramenta da consciência, o Anfêmero como hábito produz:
1) Exercício e expansão da Memória;
2) Reforço da atenção diária;
3) Ampliação da capacidade cognitiva no processamento e assimilação das informações do eu-mundo;
4) Melhoria na habilidade de lógica;
5) Construção de autoconhecimento na análise facilitada por todo o movimento dinâmico da mente descrito nos quatro itens anteriores — essa construção acontece porque, necessariamente, somos colocamos como observadores dos nossos pensamentos, sentimentos, emoções e, principalmente, das situações cotidianas, isto é, do mundo que estamos inseridos; ao escrever o Anfêmero, somos colocados como narradores da nossa história e, enquanto tais, podemos definir o futuro do protagonista que somos; isso acontece gradativamente, a cada nova folha redigida no Anfêmero, a cada novo esforço intencional para manter o hábito e dedicação para se lembrar de tudo o que passara por sua mente e coração ao longo do dia. Autoconhecimento é algo a se buscar do início ao fim da vida.
O Anfêmero, enquanto ferramenta, pode não trazer benefícios se utilizado de forma errônea; portanto eu reforço, é preciso um profundo e incorruptível querer-escrever-um-Anfêmero, para que a ferramenta seja aproveitada em todo o seu potencial.
1) Queira, de verdade, escrever um Anfêmero;
2) Dedique-se ao seu Anfêmero;
3) Divirta-se lembrando do seu dia, sentimentos, pensamentos e emoções, para que a “tarefa” de escrever lhe seja agradável;
4) Trate seu Anfêmero como um amigo, ou como seu Psicólogo, queira revelar para ele tudo o que se passa em seu ser;
5) Entenda seu Anfêmero como uma criatura que só vive se for alimentada por suas palavras, logo, não a deixe falecer no esquecimento.
Se não houver disposição para estas cinco coisas, desconsidere a escrita de um Anfêmero e prefira o Diário que é, em si mesmo, um hábito de escrita mais suave e fácil. Ambos têm suas qualidades, no entanto, não esqueça que escrever um Anfêmero é dedicar-se ao método mais poderoso para o autoconhecimento e independência racional e emocional através da Escrita.
Texto publicado na Edição 14 da Revista Castelo Drácula. Datado de fevereiro de 2025. → Ler edição completa
Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e criadora de Ars OAN mor — para apreciadores de sua literatura intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. Ars OAN mor é o pertencente recôndito de Sahra e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.
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Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.
Boa leitura, núridos queridos, imerjam-se na profundez do Anfêmero.