Imagem criada e editada por Sahra Melihssa, para o Castelo Drácula

Nota da autora Sahra Melihssa: Este artigo foi escrito há alguns tantos mêses, no entanto, eu havia definido o nome deste livro-diário como Memórum. Este nome, todavia, me soava como algo póstumo e isso me incomodava. Por isso, renomeei para Anfêmero, uma palavra esquecida que remete ao sentido de cotidiano e, ao mesmo tempo, tem um peso inestimável, tanto em sua pronúncia quanto na constituição que possui (sua grafia) — lembra-nos da efemeridade da vida e nos conecta com esta genuína verdade; talvez uma força contrária à finitude, mostrando-nos que apesar do tempo imposto ao nosso ser, aquilo que redigimos nos eterniza em páginas polén.

Boa leitura, núridos queridos, imerjam-se na profundez do Anfêmero.

Ao Anfêmero pertencerá a sua vida em todas as instâncias emocionais e psíquicas. O Anfêmero é um livro e posso compará-lo ao Diário, visto que ambos são guardiões dos aspectos quotidianos da vida humana singular. Todavia, o Anfêmero, para além d’esta tarefa, possui muitas outras e, para que estas muitas outras sejam cumpridas, é requerido que seu autor tenha um vínculo com seu Anfêmero, é imprescindível que seu autor tenha uma intenção verdadeira de encontrar, através da escrita, o autoconhecimento. Boa leitura, núridos queridos, imerjam-se na profundez do Anfêmero.

Cada um deve ser autor de seu próprio Anfêmero. O autor deve se vincular profundamente e emocionalmente ao seu Anfêmero para que sinta ser substancial escrevê-lo. A intenção, a qual supracitei, nada mais é do que a verdadeira vontade de fazer algo. Por vezes temos anseios quais, por mais que sejam anseios, não são febris o suficiente para que utilizemos nosso tempo e energia em nome deles. O anseio de escrever em seu Anfêmero deve ser, para o autor, um anseio resoluto. Isso, pois, das outras muitas tarefas destinadas ao Anfêmero, está o hábito de descrever o seu dia com minuciosos detalhes, em especial a respeito de seus pensamentos, sentimentos e emoções.

Em um Diário, naturalmente escrevemos o que sentimos ou pensamos, porém, no Anfêmero, é preciso uma dedicação para que esses detalhes sejam mais aprofundados, uma vez que são eles que trarão compreensão para nós e consciência para o nosso quotidiano. Isso acontece porque, ao nos dedicarmos à lembrança de cada pensamento e emoção, além dos acontecimentos do dia, trabalharemos a memória e a atenção a cada dia com mais avidez; imersos no verdadeiro desejo pelo autoconhecimento e vinculados, sem hesitar, ao Anfêmero; quereremos investir nossa atenção nos dias corriqueiros tão somente porque queremos ter o que redigir ao anoitecer. Esse ciclo de escrever para se lembrar e investir na atenção para se lembrar mais ao escrever, é o ciclo virtuoso do Anfêmero.

A memória é a razão pela qual somos capazes de compreender novos conhecimentos; exercê-la e praticá-la não apenas leva ao autoconhecimento, mas também nos permite transformar a nossa existência com a expansão da nossa capacidade de assimilação do mundo. O Anfêmero é a ferramenta do ciclo virtuoso da memória, pois a expande naturalmente. Além disso, com o exercício da Escrita, ampliamos nossa capacidade cognitiva e desenvolvemos, assim, maior habilidade de processamento de informação, além de autocontrole nas respostas reativas do nosso comportamento. Não é atoa que sempre, desde os primórdios da humanidade, buscamos formas de escrita que, mesmo rudimentar, vinham da nossa intuição primitiva de evolução mental.

Compreende-se que, portanto, enquanto ferramenta da consciência, o Anfêmero como hábito produz:

1) Exercício e expansão da Memória;

2) Reforço da atenção diária;

3) Ampliação da capacidade cognitiva no processamento e assimilação das informações do eu-mundo;

4) Melhoria na habilidade de lógica;

5) Construção de autoconhecimento na análise facilitada por todo o movimento dinâmico da mente descrito nos quatro itens anteriores — essa construção acontece porque, necessariamente, somos colocamos como observadores dos nossos pensamentos, sentimentos, emoções e, principalmente, das situações cotidianas, isto é, do mundo que estamos inseridos; ao escrever o Anfêmero, somos colocados como narradores da nossa história e, enquanto tais, podemos definir o futuro do protagonista que somos; isso acontece gradativamente, a cada nova folha redigida no Anfêmero, a cada novo esforço intencional para manter o hábito e dedicação para se lembrar de tudo o que passara por sua mente e coração ao longo do dia. Autoconhecimento é algo a se buscar do início ao fim da vida.

O Anfêmero, enquanto ferramenta, pode não trazer benefícios se utilizado de forma errônea; portanto eu reforço, é preciso um profundo e incorruptível querer-escrever-um-Anfêmero, para que a ferramenta seja aproveitada em todo o seu potencial.

1) Queira, de verdade, escrever um Anfêmero;

2) Dedique-se ao seu Anfêmero;

3) Divirta-se lembrando do seu dia, sentimentos, pensamentos e emoções, para que a “tarefa” de escrever lhe seja agradável;

4) Trate seu Anfêmero como um amigo, ou como seu Psicólogo, queira revelar para ele tudo o que se passa em seu ser;

5) Entenda seu Anfêmero como uma criatura que só vive se for alimentada por suas palavras, logo, não a deixe falecer no esquecimento.

Se não houver disposição para estas cinco coisas, desconsidere a escrita de um Anfêmero e prefira o Diário que é, em si mesmo, um hábito de escrita mais suave e fácil. Ambos têm suas qualidades, no entanto, não esqueça que escrever um Anfêmero é dedicar-se ao método mais poderoso para o autoconhecimento e independência racional e emocional através da Escrita.

Texto publicado na Edição 14 da Revista Castelo Drácula. Datado de fevereiro de 2025. → Ler edição completa

Leia mais em “As Crônicas do Castelo Drácula”:

Sahra Melihssa

Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.

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