8 – Limiar azulado: paisagens de melancolia e (des)conforto

Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

Encarei o vazio nos olhos do abismo,
onde a flama ardia como lava do vulcão à beira da eclosão.
Das profundezas aspergia luzes vívidas, azul-amarelada.
Da sua fluorescência emanava uma força primal, feroz.
Era aterrador, ao passo que hipnotizante.
Contra todas as probabilidades, sobrevivi.

A tela clamava por mais pinceladas, entretanto, receberia meus dedos: os enfiei nos tubos de tintas e desafiei o acaso — o que surgiria daquela confusão pictórica dependia exclusivamente dele! — Se ele sabia jogar, eu também sabia.
Aos poucos as cores daquele psicodélico amálgama disforme convergiram para uma única: “azul”, esta, acompanhada de todas as nuances possíveis associadas a ela: bebê, gelo, celeste, água, cobalto, marinho, petróleo, turquesa, índigo, acinzentado... O véu estrelado cobria meus pensamentos na noite vazia, e sozinha, continuei naquele transe criativo.

Como as memórias puderam se transformar de maneira tão brusca?
Prazer. Sofrimento. Contentamento. Desilusão.
Concluí que minhas emoções eram tão instáveis, melhor não tentar explicá-las.

Estava em estado criativo, mas essa singular interação e sucessão de coisas desconexas não seria uma espécie de loucura? As coisas ocultas em meu inconsciente não estavam rebelando-se, e com isso, ganhando vida na tela? No inglês o azul é associado à melancolia, na colorimetria ao conforto.
Fui invadida por esses pensamentos, mas o que diabos isso quer dizer?

É um teste? eu não sei. Mas posso afirmar que o inferno não é metafísico e nem “os outros”. Poderia ser nós — em mim habitam demônios demais, tantos que já não tenho tempo para me preocupar com os de fora —, mas o inferno é essa vida cotidiana, que escoa por nossos dedos, enfiando-se em lugares ocultos, sem pedir permissão, como um verme que a tudo corrói. Sem piedade. Sem distinção. Sem pudor.

Sob efeitos desses pensamentos e possuída por uma ânsia de fazer emergir “aquilo” que ainda não sei nomear, continuei...

Durante a fase mais conturbada da minha vida — acredite, houve uma época em que tudo era pior e eu quase sucumbi —, procurava com afinco tentar entender os mistérios da mente.
Devorei livros de filosofia e psicologia, contudo, aquelas palavras pareciam confirmar as minhas suspeitas de que nada fazia sentido.

Para quê continuar?

Em nenhum momento aqueles escritos declararam isso, mas em meio à desesperança os olhos são conduzidos por um caminho tortuoso, e como eu era vulnerável, acreditei nessa mentira autoimposta! Durante um bom tempo... Longo tempo...

Mais tons de azul surgiram na tela... Tantos que nem sei mais como nomear...
Melancolia e conforto. Conforto de menos, melancolia demais.
Eram nuvens? Besteira, nuvens não são azuis! Eram similares a bolinhas de algodão-doce azuladas, mas quando abocanhei uma porção o gosto era amargo.

Então, naquela época — a tal época mais difícil da minha vida —, embrenhei-me na arte: das palavras e das tintas. Como sabes, minhas obras sempre foram repletas de formas sombrias e que evidenciam os tormentos de uma alma que não descansa, mas essa é a minha verdade, e como não consigo ser diferente, sigo evocando esses seres que aprisionam eu dentro de mim.

E encerro essa divagação — não ouso dizer que é um relato —, confessando que foi naquele tempo, entre sombras espectrais e silêncio perfurante, que percebi: há um consolo estranho na melancolia, desde que eu tenha forças para moldá-la em criação.
Uma obra é uma catarse.

É por isso que escrevo.
É por isso que pinto.

O inferno, às vezes, pode vir em tons de azul — melancólico, sereno, quase acolhedor.
Mas se será amargo ou doce...
Só você poderá dizer. 

As Incursões de Alana Mortensen
Ao adentrar o Castelo Drácula, a protagonista é envolta por uma realidade onde arte e loucura se entrelaçam. Cada pincelada em sua tela não apenas expressa emoções, mas também convoca entidades que desafiam sua sanidade. Neste ambiente gótico e onírico, ela confronta traumas passados e descobre que a linha entre o real e o imaginário é tênue. Uma jornada introspectiva que revela os abismos da mente humana e os segredos ocultos nas sombras do castelo. » Leia todos os capítulos.

Escrito por:
Michelle S. Nascimento

Michelle Santos Nascimento é paulistana, mãe, esposa e amante das artes, em todas as suas formas de expressão, desde que aprendeu que há todo um universo fora dela. Ama as ciências humanas, mas também tem predileção pelas exatas, porquanto é graduada em “Segurança da informação”, pós-graduada em “Gestão de TI” e “Engenharia de software” e trabalha como Analista de qualidade de software... » leia mais
16ª Edição: Soramithia - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 16ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de maio de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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