Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

I

Um corpo estirado à beira do lago, arranhões e sangue lhe cobrem o rosto, pólvora e lama tingem as suas vestes. Eis Valentine Lencastre, arquiteto, vinte e oito anos, filho da burguesia francesa e, agora, desertor da revolução que ajudara a insuflar.

Suas mãos delicadas, talhadas para desenhar arcos e colunas, agora estavam manchadas pelo sangue dos soldados reais. Ele jamais pensara que seus projetos de grandeza culminariam neste momento – abandonado, ferido e à mercê da morte em uma floresta desconhecida.

Tudo que lhe restava era a memória. E a memória era cruel em sua precisão.

— Tudo que me recordo é que eu estava aos pés da Bastilha, no front com os companheiros da milícia burguesa que formamos no dia 13.

A névoa se dissipava de sua mente em fragmentos desordenados.

— Lembro-me bem que na noite anterior à nossa concentração, alguns rebeldes mais extremistas causaram vários amotinamentos e pelejas. Essa foi a nossa válvula de escape.

O sangue saía copiosamente de seu flanco, tingindo a relva de escarlate. Uma ferida de baioneta, talvez, ou o corte de um sabre. Não importava mais. Valentine sabia que estava morrendo longe das barricadas, longe da glória que poderia ter tido.

— Saí gravemente ferido da maior ofensiva contra os soldados do Rei, antes mesmo de ouvir o grito da vitória. Desertor?... Talvez eu fosse..., mas saí num momento em que senti a vitória nas mãos do povo.

Ele tinha sido um dos primeiros a empunhar armas quando o chamado veio. Não por pão ou vingança, mas por ideais. Valentine Lencastre, o arquiteto que sonhava reconstruir a França sobre alicerces de liberdade, igualdade e fraternidade. Um sonho juvenil agora maculado pela realidade da guerra.

— Estávamos ali tentando mudar a história do nosso país, e promover a nossa liberdade perante as injustiças praticadas pelo Clero e pelo Rei Luis XVI com toda a sua corja de inescrupulosos lordes infernais.

O sol começava a se pôr. Valentine sabia que as criaturas da noite viriam logo. Lobos, talvez, atraídos pelo cheiro de sangue. Ou simplesmente o frio da noite francesa, que mataria o que os soldados do rei não conseguiram terminar.


Escrito por:
Carlos Conrado

Carlos Conrado nasceu na Bahia e hoje vive em São Paulo. Suas formações estão em Designer, Publicidade e Psicanálise. Escritor, ilustrador e poeta, um amante do soturno inspirado em grandes nomes, os quais: Álvares de Azevedo, Lord Byron, Edgar Allan Poe, Baudelaire, entre outros. Identifica-se, portanto, “como um ‘neo simbolista’, colocando o cosmos como meu principal tema de expressão”. Seu livro “Os Segredos da Maçã” está disponível... » leia mais
16ª Edição: Soramithia - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 16ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de maio de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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