Guardiã de Somníria

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula
— Dantesca! — Clamou Therodriel. Dantesca observou-o se aproximar, silenciada.
— Instabilidades afetaram pesadelos infantes, Emmyliliam está dedicando-se a cuidar como pode, todavia, receio que haja um olhar-aberto n’algures do reino. — Therodriel estava apreensivo e Dantesca olhou ao seu redor.
— Onde está Lorrt? — Therodriel deu de ombros e Dantesca voou acima com tuas asas negras longas e sublimes.
~ ❦ ~
— Lorrt! — Dantesca desce, calma, pousa frente a Lorrt. O semblante de Lorrt induz à Dantesca uma compreensão intuitiva. — Quem é o olhar-aberto? Vejo em tua fronte que a resposta está disponível ao teu conhecimento. — Lorrt respirou com profundez silente.
— Áurea Lihran… — Dantesca se enfureceu.
— Como é possível? — Indagou incrédula.
— O Castelo Drácula, Dantesca… este lugar ao limiar de tudo trará, não apenas Áurea, mas todos os olhares-abertos que desestabilizarão Somníria. — Dantesca ponderou ao ouvi-lo.
— O que sentiste… ao encontrá-la? — A voz de Dantesca tremeu n’uma suavidade quase imperceptível, Lorrt examinou as expressões mais ínfimas e percebeu.
— Amá-la-ei tal a jura feita em vida, amo-a mesmo que ela não mais possa retribuir este amor. — Lorrt tinha a voz tenra, mas, Dantesca respirou intensa, inconformada.
— Tolo! Mantenha-a afastada de Somníria! — Interrompeu Dantesca, exausta das declarações amorosas de Lorrt. — Caso a instabilidade venha a perdurar em razão deste teu amor inconsequente por uma humana, sucumbirás à morte, regredirás ao chamado… — Ameaçou.
— Não me ameace, Dantesca. — Ela voou, olhando-o com fúria.
— Não é uma ameaça, Lorrt Dierchestein, é uma promessa. — Dantesca se foi, porém, Lorrt a seguiu.
— Nunca prejudicarei Somníria, Dantesca! Por que persegues as minhas atitudes sem sabê-las de fato? — Discutiam à contravento.
— Tu nunca compreendeste o chamado, senhor Dierchestein. E aquela qual chamas de amor-eterno, é, na verdade, o teu fardo-eterno. — Lorrt parou o seu voo, planando entre nuvens densas; olhando Dantesca que, estranhada, igualmente parou para olhá-lo.
— Se devo morrer para continuar amando-a, o farei. Quer tu queiras ou não. Faça o requerimento, Dantesca; expulse-me de Somníria. Basta de ameaças. Basta! — Ficaram em silêncio.
— Apenas quero te proteger… quero que… sintas o que significa ouvir ao chamado de Somníria… e abdicar de tudo… em nome dos pesadelos e sonhos…
— E nunca o fiz? Jamais visitei os sonhos e pesadelos de Áurea. Tenho há incontáveis éons me dedicado à Somníria. Frígido como devo ser… — Lorrt hesitou, lembrou-se de Áurea. — Somníria a trouxe para mim, Dantesca… eu não a procurei. — Dantesca respirou fundo, aproximou-se de Lorrt.
— Eu não… eu não desconfio de ti, querido. Apenas… proteja Somníria tal como o Nocturvo que foste destinado a ser? — Lorrt segurou as mãos de Dantesca.
— Prometo protegê-la. Sucumbo à morte por Áurea, por Somníria e por ti, irmã. — Dantesca deixou escapar um singelo sorriso enfraquecido.
— Não o faça por mim, eu não preciso. — Seu voo perfeito se fez nos ares lilás. Lorrt a observou esvanecer no horizonte.
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— E então, Lorrt soube as razões da instabilidade? — Indagou Therodriel. Dantesca pousou, novamente, com graça e beleza.
— Um olhar-aberto, vindo do Castelo Drácula…
— Esse lugar maldito! — Therodriel expressou-se em ódio profundo.
— Acalma-te Therodriel. Lorrt lidou com o problema e lidaremos com os demais que vierem do Castelo. — Dantesca iniciou o evocar de um portal e Therodriel suspirou.
— Farei o possível, porém pouco garanto ter sucesso em meu controle emocional. Esse lugar pode destruir Somníria.
— Não irá! — Dantesca levantou seu tom de voz. — Nada destruirá Somníria. Nada, ninguém, coisa alguma! — Therodriel se assombrou, mas não questionou Dantesca que, em seguida, adentrou o recém-aberto umbral de obsidiana.
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— Diga-me, levaste Áurea até Lorrt? — Exprimiu Dantesca, na solidão do mais afastado lugar do reino de Somníria. — Revela-me se é tua vontade! Eu sei da tua consciência, Somníria. — Dantesca olhava para o alto. — Revela-me para que meu medo se dissipe, pois… tu és a razão do que sou… não posso suportar que alguém a ponha em risco… eu sou a tua guardiã, Somníria… — Dantesca fechou seus olhos, em lentidão profunda; um lume alvililás a envolveu, levando-a a um sono profundo.
A revelação em seu sonhar era refulgente: o amor de Lorrt atraiu Áurea, ainda que Lorrt resistisse, cumprindo o seu papel de Nocturvo. O amor não pode ser obstruído. Olhos alados, n’um pálido nada-além, dizem à Dantesca: “Guarda-me ao que guardas o saber das leis transcendentais; à tua intuição”. Dantesca entendeu que algumas leis dobram as sete dimensões e quebrantam os multiversos da vida e do verbo.
— O amor… eu entendo… entretanto, não posso compreender…, pois nunca amei… — Sussurra Dantesca. O lume se dissipa tênue, Dantesca desperta e segue em direção aos portais que precisam de sua atenção.
Texto publicado na Edição 11 - Somníria, do Castelo Drácula. Datado de dezembro de 2024. → Ler edição completa
Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e criadora de Ars OAN mor — para apreciadores de sua literatura intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. Ars OAN mor é o pertencente recôndito de Sahra e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.
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Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.
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