Infindável
Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula
Certa noite, enquanto as notas cítricas de um vinho chileno me aqueciam, recebi um e-mail de um velho amigo. Após lê-lo, fiquei feliz e respondi que iria imediatamente. Havia uns bons anos que não o via. Guardei o vinho na geladeira, troquei de roupa e, depois de dirigir alguns quilômetros, avistei sua casa.
Ele morava no alto de uma belíssima falésia. Sua casa era uma construção no estilo A-frame, toda de carvalho, com duas janelas altas. Estacionei o carro e, por alguns minutos, contemplei a vista, que eu quase havia esquecido o quanto era encantadora.
Permiti que meu olhar se perdesse naquela paisagem, que mais parecia uma pintura. Acima de mim, o céu, onde as poucas nuvens se moviam com certa rapidez. As estrelas ostentavam um brilho assustador. A lua estava minguante (fase que acho mais encantadora). À minha frente, a imensidão do mar e seu pacífico quebrar de ondas.
"Preciso entrar!"
Antes que eu pudesse concluir meu pensamento, minha atenção se voltou para a porta. Ouvi o trinco mover-se vagarosamente, assim como o ranger dos ferrolhos enferrujados. Então, ele surgiu no canto (um pouco abatido, é bem verdade). Trajava um conjunto de moletom preto e chinelos, mas continuava o mesmo. A barba grisalha escondia parte das rugas. Com um sorriso tímido, gesticulou para que eu entrasse. Eu estava feliz por vê-lo.
— Venha, entre, caro amigo.
Sua voz rouca, acompanhada de um pigarro, reverberou naquele lugar.
Ao entrar, olhei em volta e percebi que nada mudara. Era uma casa de tamanho considerável, dividida entre cozinha, sala e uma suíte. Ao lado da porta, ficava uma mesa redonda preta, com duas cadeiras. Na sala, o velho sofá de couro marrom. À sua frente, uma bela lareira e, acima dela, uma cornija esculpida em mármore, exibindo fotografias e algumas conquistas pessoais. Mais à frente, encontrava-se uma janela grande, por meio da qual era possível enquadrar a lua com toda sua graça sob o firmamento estrelado. Abaixo dela, uma confortável poltrona de couro marrom, que resistiu bravamente ao tempo. Notei também uma garrafa de whisky sobre uma mesa de canto, acompanhada de dois copos.
— Fique à vontade.
Apontou para o sofá e, em seguida, dirigiu-se à poltrona.
— Veja, Tomé, a noite está nos proporcionando um verdadeiro espetáculo. Tenho algo para você.
Ele abriu a garrafa, exalando notas de caramelo, maçã, laranja e baunilha. Após isso, encheu os copos até a metade. Em seguida, brindamos. Confesso que fazia tempo que não bebia whisky; logo senti o ardor em minha garganta, acompanhado de notas amadeiradas.
Sorriu e disse que era um whisky escocês muito raro. Em seguida, perguntou se eu queria ouvir uma música. Foi até o quarto e trouxe uma vitrola, que deixou próxima à lareira. Escolheu um vinil do qual tinha boas lembranças: tratava-se de uma coletânea de Robert Johnson. O som da agulha deslizando no vinil era quase fantasmagórico. Em seguida, vieram as notas agourentas de sua guitarra, acompanhadas de sua inconfundível voz.
— Ah, Tomé, como é bom revê-lo. Sabe, não tenho tido muitas visitas, e ver um rosto familiar sempre é animador.
A melancolia estava presente em cada palavra.
— Eu que peço desculpas por não ter mais aparecido, João. Minha vida está bastante confusa. Me separei, não estou conseguindo produzir como antigamente. Tudo que escrevo soa medíocre. Mas trabalho com revisão de textos e escrevo para uma coluna no jornal. E você, como está?
Ele sorveu a bebida por completo e, enquanto acrescentava mais, disse:
— Não tenho do que reclamar. Tive uma vida dura, mas incrível. O mar me fez conhecer lugares que jamais imaginei conhecer. Colecionei muitas histórias...
Passou as mãos na testa e nos poucos cabelos que lhe restam. Então, continuou:
— Porém, eu tenho vivido de lembranças. As aventuras que tive no mar são o que me mantém vivo. Velejei minha vida inteira, hoje em dia estou aposentado. Quanto ao dinheiro, tenho uma boa quantia no banco, devido aos longos anos de trabalho no mar.
— É verdade, João, você era um exímio capitão. Conhece o mar como ninguém, enfrentou a terrível imensidão inúmeras vezes. Sem dúvidas, vivenciou situações deveras difíceis. Brindamos a isso. Viva!
Em seguida, conversamos por mais algumas horas. A garrafa já passara da metade. Ele encheu mais uma vez os copos e, inebriado, disse:
— Tomé, de todas as histórias que você ouviu, existe uma que me assombra. Durante todos esses anos, guardei-a a sete chaves.
Sua fisionomia adquiriu tons graves; seus olhos inertes brilhavam sob aquele turgido luar. Ele continuou:
— Sabes que o mar, em sua grandiosidade, esconde segredos inimagináveis. Não tenho explicação para o que me ocorreu naquela horrenda noite.
Ele respirou fundo, bebeu mais um pouco e, ao som de "Hellhound on My Trail", iniciou sua narrativa.
O céu exibia um lindo entardecer, onde tons alaranjados se misturavam ao azul escuro. No horizonte, o sol, em sua beleza arrebatadora, brilhava. Notei também pinceladas de rosa e roxo. Uma obra-prima!
As condições eram perfeitas. Era verão, 15 de janeiro de 1998. Decidi comemorar minha aposentadoria com um passeio. Verifiquei todo o casco, chequei também a proa, assim como a popa. Convés e porão foram inspecionados, assim como as velas e cabos. Por último, o leme e a âncora. Era uma embarcação de porte médio. Meu anemômetro estava com defeito, porém, ao longo dos anos, aprendi a calcular o vento com base em observações e anotações.
Ergui as velas ao ar, pedi licença aos mares e iniciei meu passeio. Aparentemente, estava tudo tranquilo. A noite chegou rápida, usurpando a luz do dia e trazendo uma brisa fresca. Liguei o refletor e segui.
Te digo: não importa o quão experiente você seja, o vazio marítimo te causa calafrios. Mesmo com o luar e as estrelas, o breu se torna quase tangível.
Desliguei um pouco o motor e segui, até que, em determinado trecho, notei uma brusca mudança nos ventos. Se não me engano, eles estavam a trinta e quatro nós, fazendo as ondas se agitarem...
A uma certa distância, sob a luz do refletor, enxerguei algo semelhante a uma ponte. Definir seu começo e seu final era uma tarefa impossível. Parecia infindável.
Meus olhos arregalados não podiam acreditar naquela visão medonha. Você pode conhecer os mares como a palma de sua mão, mas nada te prepara para o desconhecido. Ela parecia flutuar sobre as águas. Era possível ver o topo das colunas que a sustentavam e, imaginar sua dimensão, causou-me verdadeiro terror. Tentei manter a embarcação trimada, mas as águas estavam revoltas.
É em situações como esta que percebemos o quão frágeis somos. Aquele monumento colossal era um lembrete de que não passamos de poeira cósmica habitando um planeta minúsculo.
Enquanto me perdia em meus devaneios, vi que estava mais próximo. Trovões intensos revelaram mais detalhes. Notei a presença de inúmeros postes, todos enferrujados. A estrutura estava coberta por uma viscosa camada de musgo ao longo de sua lateral.
Olhei para o céu, e o clarão dos relâmpagos rabiscava formas monstruosas sob as nuvens. Estava aterrorizado. Existia uma força cósmica naquele trecho, a qual nem ouso imaginar.
Por sorte, a distância em que me encontrava permitia voltar, mas seria um trabalho árduo. Mesmo com a curiosidade corroendo minhas entranhas para descobrir o que aquela construção nefasta escondia, permanecer ali seria assinar meu atestado de óbito.
Liguei o motor e girei o leme até o limite. Porém, senti a embarcação sofrer uma desestabilização, deixando-a à deriva. Algo me impedia de ir embora.
Após quase naufragar, consegui, aos poucos, retomar o controle da embarcação. Enquanto minhas trêmulas mãos seguravam o leme com afinco, de costas para a ponte, praguejei-a.
Tentei ignorar, mas não consegui. Mesmo temeroso, olhei por cima dos ombros pela última vez. Então, ouvi nitidamente os ventos soprarem meu nome, como se fossem um funesto coral formado por inúmeras vozes vindas do abismo. Elas ocuparam toda a vastidão do mar.
Implorei ao universo forças para sair dali.
Após longas horas, consegui fugir. Já não via mais a construção.
Gritei até não poder mais. Até que enxerguei a beira da praia. Parecia até uma miragem.
Joguei a âncora e desembarquei. Cheguei em terra firme. O dia começava a surgir timidamente. Foi maravilhoso ver luz.
Ele terminou aquele relato medonho com um olhar vazio e assustador. Eu estava apavorado. Sem dúvidas, foi uma experiência impressionante. Perguntei se estava bem. Ele disse que sim. Contar sua vivência foi libertador, pois ninguém sabia o que ele havia passado.
Permanecemos em silêncio enquanto "Crossroad Blues" preenchia o vazio.
— João... — Minha voz quase não saiu — Meu caro, eu sinto muito pelo que você passou. Mas saiba que estou aqui. Sabes que sempre podes contar comigo. E não se preocupe, levarei seu relato até o dia da minha morte.
Ele agradeceu minha companhia por ter ouvido seu relato.
Ao se despedir, disse:
— Lembre-se: "Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia."
Olhos de pútrida esperança; entre o frígido derredor, onde as mãos do insondável inverno conduzem a pequenez de seres irrisórios. Ela se aproxima…