A Relíquia

Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

“O mundo parece cheio de bons homens, mesmo que existam monstros nele”. — Bram Stoker

Eclipse é uma velha e aconchegante estalagem logo à entrada da cidade. Sempre usada por viajantes e também por aqueles que buscam a segurança da água corrente. Essa secular construção é um pequeno palacete assobradado, construído por monges ainda nos tempos medievais. Uma lenda sobre o local remonta a um período onde ainda havia uma fé fervorosa entre os homens. Segundo essa lenda, o Arcanjo Miguel – o Guerreiro de Deus – havia aparecido para dois pescadores na margem do rio e, apontando para uma ilha que ficava no meio das águas daquele caudaloso rio, lhes ordenara que construíssem uma fortaleza, que posteriormente serviria de abrigo a todos aqueles que buscassem a proteção da luz. São Miguel dissera ainda que aquele santuário, estando entre águas correntes, jamais poderia ser transposto por criaturas das trevas.

Esses dois pescadores buscaram auxílio entre os monges pedintes e, em menos de cinco anos, uma resistente fortaleza estava pronta. Contudo, a conselho dos Franciscanos, nenhuma ponte deveria ser construída, ligando as margens do rio àquela protegida ilha, onde agora havia o Santuário de São Miguel Arcanjo. Qualquer acesso a essa fortaleza só poderia ser feito através de barco ou a nado – para algum aventureiro que ousasse enfrentar as fortes correntezas do rio. Somente no final do século XIX, quando aquela fortaleza – abandonada há décadas – foi adquirida por um abastado comerciante inglês, é que uma robusta ponte foi construída, ligando a ilha às margens do rio. Esse rico burguês fez do antigo santuário uma aconchegante pousada e residência própria, para si e sua recém-formada família.

Esse comerciante falecera há alguns anos, deixando a pousada nas mãos de sua esposa e sua única filha. Há rumores que, além da suntuosa estalagem, deixara como herança uma faustosa fortuna para a esposa e a filha. A esposa, mesmo depois de mais de vinte anos de viuvez – e a cada dia com uma aparência mais juvenil – jamais tivera outro relacionamento, mesmo sendo cortejada por diversos homens de toda e qualquer tipo de classe socioeconômica. Com muita seriedade, mantinha sua castidade e o pleno respeito ao luto de uma forma literal, pois, além de sua moral inquestionavelmente ilibada, vestia negro dos pés à cabeça. Cecília era realmente um modelo exemplar de viúva. Talvez devido à sua idoneidade, ou quem sabe em respeito à memória do falecido marido, ninguém jamais a vira fora da estalagem desde que ficara viúva – alguns desocupados mais antigos asseguravam que nem mesmo antes –.

A pousada Eclipse era um lugar quente e confortável, desprovida de luz elétrica devido à sua posição geográfica; mantinha sua iluminação à moda antiga, à luz de velas e lampiões, o que dava ao ambiente um aspecto bastante lúgubre. Além dos odores comuns a todo e qualquer estabelecimento comercial do tipo, cheirava a fumaça de madeira de lei que queimava constantemente numa lareira, acesa a noite toda. Havia também no ar um agradável cheiro de flores silvestres. Era o tipo de estabelecimento que funcionava todas as noites sem exceção, servindo cama e comida, atendendo a qualquer um que pudesse pagar. Havia apenas uma peculiaridade estranha naquela estalagem: nenhum hóspede, independentemente de sua classe social, jamais era convidado a entrar. Quem quisesse adentrar em suas portas deveria fazê-lo livremente.

Aquela era uma noite como outra qualquer, sem muitas novidades. No céu, uma lua nova se despedia no horizonte, deixando atrás de si um céu sem nuvens, bastante estrelado. Com a ausência de seu mais nobre luminar, a noite se tornara escura e bastante traiçoeira para quem andasse às escuras sem conhecer o caminho a ser seguido, ou sem o auxílio de alguma luz artificial. A sorte de qualquer um que ousasse ir até a Pousada Eclipse era a luz dos vários lampiões ao longo da ponte, que iluminavam todo o caminho. Devido ao bom atendimento e à qualidade dos serviços oferecidos, a estalagem era sempre muito movimentada.

O homem no umbral da porta era alto, forte, mas com traços um tanto quanto melancólicos. Tinha olhos claros e distantes. Parecia um sujeito que havia tido uma vida inteira de infelicidade. Trajava vestes surradas, que em outros tempos teriam sido o ápice da moda; entretanto, pareciam estar carecendo urgentemente de uma lavagem há tempos. Essas vestes davam-lhe a aparência de ser um viajante de terras bem longínquas. Sem pedir licença, foi logo entrando e, quando se pronunciou pela primeira vez, percebeu-se que tinha uma voz cavernosa e sussurrante, com um acentuado sotaque das terras do Leste. Para quem conhecia, logo foi fácil perceber que seu principal idioma era o romani – antiga língua dos ciganos –. Contudo, sem muitas dificuldades, conseguia se fazer entender muito bem e foi logo dizendo:

– Boa noite, senhoras! – disse ele, dirigindo-se diretamente a Cecile e sua filha, como se já soubesse que ambas eram as proprietárias do local –. Gostaria de algo forte para beber. E se não for muito tarde e nem muito incômodo, um jantar seria muito bem-vindo.

Rapidamente, um conhaque fora-lhe servido. Após tomar de um único gole a dose oferecida, pediu que a garrafa – mesmo que já pela metade – fosse deixada sobre a mesa. Antes que a garçonete lhe pudesse dizer qualquer coisa, lançou sobre a mesa uma moeda de ouro, pagando adiantado um valor bem acima daquele que imaginava ser por uma garrafa lacrada. A jovem que lhe servira a bebida recolheu a moeda e disse-lhe:

– Seja bem-vindo à nossa humilde casa, cavalheiro! Meu nome é Lilian Leblanc. Aquela que atende no balcão é minha mãe. Seu nome é Cecile Leblanc. Estamos ao seu dispor para atendê-lo da melhor forma possível. Seu jantar será logo servido, nossa cozinha funciona durante toda a noite. O que mais duas humildes estalajadeiras podem lhe ser úteis? Senhor...?

– Rubens! Muito prazer. Eu estou bastante atrasado, terminando de jantar eu já vou embora. Como as coisas estão indo por aqui, madame?

– Alguns reclamam da crise aqui; outros, da seca acolá, e muitos comentam sobre uma tal de Depressão econômica. Mamãe e eu não nos importamos muito com o que acontece lá fora. Temos nossos fregueses cativos e nosso movimento é sempre o mesmo em todas as épocas do ano. Aqui, em nossa humilde casa, tudo ocorre na mais absoluta paz e quietude. Nossos fornecedores nos abastecem continuamente com tudo o que precisamos. Na verdade, há tempos que nem mesmo saímos daqui dessa ilha. Temos sempre muito trabalho por aqui.

– Depressão econômica! Mesmo que seja longa e castigante, não se deve, de forma alguma, ser comparada ao que foi a Peste Negra, a Átila, o Huno, ou a qualquer uma das Cruzadas. Independentemente dos flagelos, o ser humano tem um dom a resistir a qualquer coisa – disse ele, sorvendo mais uma dose do conhaque.

Madame Cecile, que servia outros fregueses no balcão, mas a todo o tempo prestava zelosa atenção naquele sinistro forasteiro, dirigiu-lhe a palavra pela primeira vez, o questionando:

– Que tipo de homem é o senhor? O que o traz à nossa humilde casa, senhor Rubens?

– Peço perdão se disse algo errado, senhora. Sou um humilde viajante em uma importante missão, a serviço de pessoas poderosas do lugar de onde venho. Não sou do tipo de homem perigoso. Sou apenas um viajante. Se o que eu disse ofendeu a senhora ou a essa casa de alguma forma, eu revogo imediatamente. Às vezes me excedo um pouco nas palavras, talvez porque ainda trago na lembrança os velhos costumes de quando eu ainda era professor de História em meu país. Por falar em História, gostaria de lhes contar uma bastante interessante, se permitirem. Quem sabe se, depois de ouvirem o que tenho para dizer, possam me ajudar de alguma forma.

Cecile, que era estalajadeira desde que conseguira alcançar a parte de cima do balcão, sempre acostumada às esquisitices de seus fregueses, deu de ombros, como se, para ela, alguém falando ou ficando em silêncio fosse totalmente irrelevante. Contudo, sabia que o que mais agradava a um viajante, além de uma cama macia, boa comida e bebida farta, era poder compartilhar suas estórias a quem quisesse ouvir. Naquela noite, havia uma dúzia de pessoas presentes, talvez até um pouco mais. Entretanto, a estória seria de maior interesse de mãe e filha.

O forasteiro enchera seu copo até a borda e o emborcou de um único trago. Após limpar a garganta, pediu licença aos presentes e principiou a seguinte narrativa.

– Antes de qualquer coisa ser dita, devo preveni-los que o que tenho a dizer possa parecer uma estória de viajante, ou até mesmo algum desvario de alguém desprovido de suas capacidades mentais. Mas quero que saibam que, da mesma forma que há a luz, também existem as trevas. E, se porventura acreditam em Deus e todas as hostes celestiais, também devem acreditar que haja o príncipe das trevas e seus seguidores – sendo também eles, anjos – que, junto com seu mestre, foram lançados no abismo e reinam naquele lugar onde a esperança não jaz...

... Alguns dizem que o primeiro deles foi Caim, por ter derramado o sangue de seu irmão na terra ainda virgem do pecado. A punição de Deus para esse primeiro homicida havia sido algo severo e exemplar. “... é maldito na terra e que esta não mais lhe dará frutos, sendo, portanto, fugitivo e errante...” Caim fora marcado e condenado a vagar pela terra, sendo eternamente perseguido pelos demais filhos de Adão. Pelo assassínio covarde de seu irmão, a Luz Divina abandonara sua fronte. Caim, uma vez órfão, havia sido adotado pelas trevas, sendo obrigado a viver nas sombras, tendo o sangue como seu único alimento. Uma vez que dera o sangue de seu irmão para que a terra bebesse, Caim e sua prole também assim o faria.

Outros, no entanto, defendem que o primeiro nosferatu foi Judas Iscariotes – o traidor. Aqueles que defendem essa teoria se baseiam nas próprias Escrituras Sagradas, que, ao mesmo tempo que está escrito que Judas, estando amargamente arrependido por ter vendido seu próprio Mestre, atentara contra sua própria vida, há rumores de que a morte – privilégio para todos aqueles que buscam conforto no sono eterno – lhe fora negada. De forma bastante obscura, as Escrituras relatam que o traidor passou a viver num lugar chamado “Aceldama”, ou seja, campo de sangue. Ninguém sabe ao certo o que fora feito do traidor, apenas que desapareceu nas sombras do esquecimento, sem deixar nenhum tipo de vestígio.

Durante séculos, as estórias sobre mortos-vivos caíram no esquecimento, até virarem lendas, e as lendas virarem mitos. Quase uma era se passara sem ninguém mais ouvir falar sobre os filhos das trevas que caminhavam na noite e se alimentavam de sangue, até surgir o príncipe da Valáquia, Vlad Tepes – o Empalador. Contudo, seus súditos o chamavam de Vlad Dracul – o “filho do dragão” – ou, simplesmente, Drácula. Esse príncipe, após perceber que sua imagem se envolvera em diversas estórias de horror e sangue e que certamente chamaria a atenção da Igreja, para evitar que uma Cruzada fosse convocada contra ele, forjara sua própria morte, e seus restos mortais teriam sido levados para a igreja de Santa Maria la Nova, em Nápoles, na Itália.

O que de fato ocorrera é que, com auxílio de alguns súditos mais fiéis que o ajudaram a forjar sua própria morte, se recolhera nas ruínas de um de seus castelos e, usufruindo de sua imortalidade, escondido nas sombras da escuridão, esperou que um longo tempo passasse, até que, por mais uma vez, sua existência caísse por completo no esquecimento.

Em fins do século XIX, essa sinistra criatura emerge mais uma vez na figura de um abastado e temido Conde, que, devido à importância de sua linhagem, não quisera abandonar nem o nome, muito menos o símbolo de seus antepassados. Esse Conde, após séculos e séculos sobrevivendo do sangue e do medo de camponeses inocentes, encontrou seu fim nas mãos de um sábio e destemido cientista holandês, que, além de médico, também era um grande estudioso das ciências ocultas e sabia como poderia colocar um fim ao reinado de terror do Conde...

O forasteiro interrompera sua narrativa, para molhar a garganta com mais uma dose de conhaque. Secou a garrafa e pediu outra, que muito rapidamente lhe fora servida. Empolgado pela atenção que recaíra sobre si e sua inverossímil narrativa, nem mesmo se dera conta de que o sabor da bebida havia mudado. Em seu momentâneo silêncio, percebeu que havia vários sussurros entre os demais presentes. Madame Cecile, sem ser indelicada e aproveitando que o viajante se calara por um momento, aproveitou a ocasião e disse:

– Certamente que o senhor fosse um ótimo professor. Mas, se não estiver enganada, pensei ter ouvido dizer que era um historiador e não um professor de Literatura...

– Ainda não terminei minha história, madame. O melhor ainda está por vir.

... O Conde Drácula, cansado de sua vida monótona em seu castelo – se alimentando de camponeses rudes e donzelas simplórias – decidira partir para a Inglaterra para expandir seu reino de terror em terras civilizadas. Seu corpo e alguns de seus bens pessoais foram transportados em um navio mercante chamado Deméter. Porém, quando esse navio chegou à costa da Inglaterra, todos os tripulantes haviam morrido durante a viagem. Os dois únicos corpos encontrados a bordo – o capitão amarrado ao leme e seu imediato crucificado de cabeça para baixo no mastro principal – estavam com suas veias vazias, sem uma única gota de sangue.

Junto ao capitão, escondido entre suas vestes íntimas, fora encontrado o Diário de bordo do navio, que, além de informações de praxe sobre a viagem e a carga transportada, também relatava a presença de um grande mal a bordo. Nesse diário estava registrada a presença de nove tripulantes a bordo em sua origem, quando o navio partiu do porto de Varna, na Romênia. Contudo, no decorrer da viagem, surgiu a presença de uma passageira clandestina, uma bela mulher que estava escondida entre a carga no porão do navio. Constava nesse mesmo diário que, desses nove primeiros tripulantes, seis deles haviam perecido de forma misteriosa durante a viagem. Um dos tripulantes e a passageira clandestina haviam desaparecido.

Pelos registros, era o médico de bordo, o doutor Clement, um médico desempregado – estudioso de astronomia, filosofia e também especialista em doenças obscuras, segundo ele mesmo – que havia ficado obcecado em caçar e matar o monstro a bordo, que, segundo ele, estava se alimentando do sangue dos tripulantes. Numa das páginas do diário, o capitão relatara que houvera uma terrível luta entre o doutor e um enorme morcego. O doutor tivera vários ferimentos graves, mas também conseguira, com uma cruz de madeira, tendo uma de suas pontas afiadas, ferir seriamente o monstro, que derramara bastante de seu sangue pelo convés do navio. Parte desse sangue fora recolhido pelo doutor, que, segundo ele, seria para análise posterior. Esse foi o último registro da presença do médico a bordo. Após o desaparecimento do médico, a passageira clandestina também não foi mais citada no diário.

O então médico, que ousara enfrentar o suposto monstro de frente, fora dado como desaparecido pela justiça inglesa. A história do Deméter fora logo esquecida – afinal, era apenas mais um navio, dentre tantos, que todos os anos a força da tempestade destruía e lançava seus destroços junto à praia. Doutor Clement, uma vez que juridicamente fora dado como desaparecido ou morto, lançado ao léu do esquecimento, de posse de parte do ouro que era transportado no Deméter e também de algo de um valor inestimável, decidira deixar de vez sua antiga vida de médico – quase todo o tempo desempregado – para trás.

Doutor Clement, sabendo que nenhuma autoridade em Londres, nem mesmo na Inglaterra – ou em qualquer outro lugar que fosse –, o levaria a sério sobre estórias de homens que se alimentam de sangue e poderiam se transformar em enormes morcegos, decidiu que o melhor a se fazer era seguir o exemplo de seu algoz e também ele mesmo, esconder-se nas sombras do esquecimento. Conseguiu novos documentos, trocou de nome e de origem, e após se mudar para o continente, iniciou uma nova vida comprando uma antiga e abandonada fortaleza, que, por séculos, funcionara como uma espécie de leprosário franciscano. Doutor Clement, durante o dia, era um simples estalajadeiro, recebendo em sua pousada viajantes de todos os cantos do mundo, sempre muito atento a todo tipo de estória contada sobre monstros e criaturas estranhas. Entretanto, durante a noite, era um incansável estudioso das ciências ocultas, enquanto sua bela e jovial esposa fazia as vezes de anfitriã do local...

Lilian, que estava próxima ao clandestino, muito interessada na estória que ele contava, após essa última parte da narrativa, se afastara sorrateiramente dele e se aproximara de sua mãe, que estava atrás do balcão com toda sua atenção voltada para o forasteiro, que, após se servir de mais uma satisfatória dose de seu conhaque, continuou:

– Segundo informações muito seguras, Maurice Leblanc – antigo doutor Clement – após ter dado um fim em sua antiga identidade, se mudara para o continente, casando-se em seguida com a estranha passageira que viajara clandestinamente na última viagem do Deméter. Essa mesma fonte me assegurara que o antigo doutor tivera uma filha, que, nos dias atuais, deveria estar com 40 anos ou talvez até um pouco mais. Pelo que ouvi, sua aparência é de alguém com vinte anos apenas. Contudo, o mais estranho de tudo isso seria o fato de sua mãe, a mesma clandestina do Deméter, nunca ter envelhecido um único dia desde o dia em que fora vista pela última vez, quando zarpara do porto de Varna.

Não tenho nenhum interesse com o que acontecera ao doutor Clement, muito menos em sua família, mas tão logo, naquilo que ele retirou do navio, quando, de uma forma bastante inteligente, tanto ele como sua futura esposa saltaram do barco na primeira oportunidade que tiveram após a hercúlea luta travada contra o monstro a bordo. Estou aqui para recuperar aquilo que as pessoas que me contrataram chamam de “Relíquia”. Ou seja, um frasco contendo parte do sangue do Conde Drácula. Essas pessoas a quem me refiro são bastante poderosas e, há tempos, investigam o paradeiro do doutor Clement. Após décadas de sigilosas investigações, suas informações, obtidas por fontes bastante seguras, me trouxeram até aqui.

Há rumores de que, com a morte do Conde, os outros de sua espécie perderam parte de seus poderes. Não conseguem mais transformar outros seres humanos, já não possuem o poder do rejuvenescimento e muito menos o de autorregeneração. São decrépitas criaturas se escondendo nas sombras, sobrevivendo como ratos nos esgotos. Contudo, acreditam que, com o sangue do Conde, qualquer um que o possua poderá tornar-se um mestre vampiro com todos os poderes de outrora. Ou quem sabe, até mesmo, trazer o próprio Conde de volta das profundezas do inferno.

Não tenho certeza se isso seja possível. Mas, por todas as coisas que já vi e ouvi nesse mundo, já não sei se a palavra "impossível" tem mais algum significado. Apenas tenho a plena certeza de que, se Drácula conseguir retornar ao nosso mundo, virá mais forte do que nunca e arrastará todo o ódio dos anjos caídos consigo. Alguns imaginam que, quando Drácula foi morto, assim que chegou àquele lugar onde a esperança não existe, fora recepcionado com honras de Estado, e o lugar à direita do Príncipe das Trevas lhe fora oferecido...

O forasteiro se calara e ficara observando qual seria a reação dos que estavam ali presentes. Seu maior interesse era como mãe e filha agiriam ao ouvir sua história. O que viu e ouviu o deixou bastante irritado, pois toda a estalagem caíra numa grande algazarra. Gargalhadas e gracejos por todos os lados. Uma das mulheres dentre a clientela se molhou de tanto rir. Madame Cecile, após conseguir com muita dificuldade conter o riso, disse ao forasteiro:

– Prezado senhor Rubens, ou seja lá qual for seu verdadeiro nome. Sua história foi realmente fantástica. Nesses dias em que qualquer escrito vira uma obra literária, o senhor bem que poderia virar escritor e, quem sabe, até ganhar aquele prêmio... Como é mesmo o nome?

Alguém dentre os presentes gritara do fundo do salão:

– Nobel!

– Isso mesmo! Prêmio Nobel. Realmente sua imaginação é muito fértil, senhor. Mas, como sou uma boa anfitriã e busco sempre agradar a todos os meus fregueses da melhor maneira possível, não o deixarei vagando sozinho ao léu, como se fosse uma pessoa desequilibrada. Tentarei, dentro de minhas faculdades mentais limitadas, participar de seus devaneios.

Houve mais um turbilhão de gargalhadas por todo o salão.

– Quanto à então "Relíquia", não se preocupe, ela está bem segura aqui dentro dessas paredes. Neste antigo Santuário, nenhuma criatura das trevas pode entrar livremente, exceto se for transportada por um ser inocente. Nenhuma alma viva ou qualquer coisa que caminhe na luz ou nas sombras jamais colocará suas mãos nessa tal Relíquia. Dou-lhe minha palavra...

Ainda bastante irritado, após tentar se levantar e suas pernas não responderem ao seu comando, questionou ele a madame Cecile:

– Como pode ter tanta certeza disso?

Após dar uma gargalhada tão alta que chegou a abalar todas as estruturas da estalagem, causando um silêncio geral em toda a casa, ela lhe respondeu:

– Qualquer coisa, para ser tocada, antes precisa existir. Garanto-lhe que tal coisa, se um dia existiu, não existe mais. Se essa tal Relíquia tivesse existido de fato, com todo esse poder que o senhor imagina, certamente eu já o teria usado em meu benefício há muito tempo...

Alguns dias depois, um destacamento da polícia fez uma batida na Pousada Eclipse à procura de um viajante que fora dado como desaparecido e fora visto pela última vez entrando naquele estabelecimento. Madame Cecília alegara que nada sabia sobre esse fato. Autorizara que toda sua casa fosse revistada e, com um sorriso muito inocente na face, oferecera aos policiais uma rodada de bebidas por conta da casa. O chefe daquela operação, encantado com a beleza e simpatia de Madame Cecília, não apenas aceitara a bebida oferecida, bem como solicitara humildemente mil perdões por tão inconveniente incômodo, ordenando que aquela missão fosse imediatamente dada por encerrada...


Escrito por:
Alex Miranda

Alex Miranda é professor da área de humanas, formou-se em Filosofia e História. Alex sempre foi apaixonado por Literatura, o Terror e o Suspense estiveram presentes em sua vida desde a infância, o que o levou a se aproximar de histórias do gênero. O autor, nascido no interior de Goiás, já possui algumas obras publicadas pela editora Hánoi, as quais: Bar de Suzana (2021) e Segredos inocentes (2023). Alex também possui outras obras em processo de criação. Suas inspirações vão de... » leia mais
17ª Edição: Dívanno - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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