A Mortt, de Alva: Capítulo 1
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Antemanhã de lua cheia, lôbrega em névoa rubra. Outono e decadência, a morte encíclica brinda, hoje ou amanhã, a todos os que residem no âmago da vida. Aromantada em jasmim, Alva Ttelihllen lacrimante está sobre o corpo de sua mãe, cujo lânguido coração pulsara pela última vez na colheita de fungos para o desjejum. Uma cesta deles está caída ao lado do cadáver e o silêncio é a profecia d’um perpétuo adeus. Um oblivinum mórbido pode ser ouvindo, no fundo do ser de Alva, pois ela se recorda de tocar o instrumento à sua mãe, quando era pequenina.
Entretanto, no horizonte, caminhando; Alva observa surgir um cavaleiro com armadura ornamental de ferro negro e uma imensa foice cortante. Ele se aproxima silente e, já bem perto, observa os cristais lacrimais de Alva que o fitam. Intrigado por tê-los ao seu dispor, o Cavaleiro paralisa. Alva levanta-se devagar e, dos arbustos rosais ao derredor, colhe uma rosa rubra e a coloca no torso do cavaleiro, próximo ao seu coração vazio. “Seja bondoso com a alma de minha mãe… ela era gentil e amável… esta foice a causará dor?” — Por assimilação, Alva compreendeu que ele era o Ceifador.
Logo após o abalo primevo, o Cavaleiro da Morte fez florir um crisântemo em suas mãos enluvadas e, ao colocá-lo sobre a fronte da falecida Grascie, fez com que su’alma se esvaísse do manto da vida. Alva o abraçou, delicada. “Obrigada…” — agradeceu, pois compreendeu que o Cavaleiro não apenas a ouviu, mas honrou o seu pedido. Diante do abraço, diante do envolver das mãos lhanas em sua armadura árida, o Cavaleiro encostou seu rosto no rosto de Alva, cuidadosamente; segurou-lhe em sua cintura e, pouco a pouco, tornou-se incorpóreo em névoa negra, até desaparecer.
Ele tinha de ceifar uma nova alma e, portanto, precisava partir. Alva colheu os cogumelos e voltou para seu lar solitário. O Coveiro foi chamado para cumprir com seu lavor, entretanto, Alva permaneceu em seu recôndito, observando o dia perecer; sua demasiada sensibilidade a impedia de comparecer ao enterro da senhora Grascie. Alva, em lágrimas, adormeceu no crepúsculo e despertou à meia-noite, destinada a cumprir o que se revelara em seus sonhos: escrever uma carta ao Cavaleiro da Morte.
“Caríssimo Cavaleiro da Morte… ou Ceifador… Ou tão só um cultor de crisântemos…
Confesso-te não ter sido afável ter te encontrado n’esta melancólica aurora, sob o céu vestal da vida, com a brisa horizontal rarefeita. Vivenciei, senhor, a dor mais augúria possível àqueles que, com estima profunda, caminham descalços sobre a gramínea da vida, sem cultivar rancores, sem cometer uma única injustiça… entretanto, acalenta-me que levaras a alma de minha amável mãe, com o respeito que lhe era merecida.
Escrevo-te, não obstante, por ser submissa à solidão desde então e ninguém há de compreender minha dor tal como tu podes, sendo o Ceifador das almas d’esta doce, e cruel, Lacrimur. Tu vês para além do que reside em meu semblante, eu sei, eu sinto. E mesmo que esta carta não alcance a tua sublimidade obscura, e tu venhas visitar-me tão só no meu fim, peço-te que, então, me escrevas; para que eu compreenda haver, n’este derredor misterioso que constitui a vida em si mesma, uma razão para que seja devolvido o sorrir à minha feição magoada.
Diga-me, Cavaleiro, o que pode defrontar o sôfrego luto, com adagas de alívio, e vencer?
Com carinho e dor…
Ao Cavaleiro,
de Alva Ttelihllen”
A missiva, n’um envelope de seda enegrecida, fora colocada aos pés do rio no bosque próximo à casa de Alva, lá onde frequente se avista Morpho Cisseis em crisálidas e em voos ornamentais. A espécime é conhecida pelo seu vínculo com a Morte, dada a efemeridade de sua existência, a beleza sublime de sua constituição e, acima de tudo, a fleuma de suas transmutações. Alva espera que o símbolo vestal da borboleta azulescida resulte no vir do Cavaleiro ao seu encontro, entretanto, reside em seu âmago uma fé de que as borboletas sussurrarão as palavras da carta ao Cavaleiro e ele versará uma resposta gentil antes de sua próxima visita.

Sahra Melihssa
Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. No túmulo da sua literatura gótica, a autora entrelaça o terror, horror e mistério com a beleza mélea, o fantástico e o botânico, como em uma valsa mórbida… » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 15ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de abril de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
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