A Queda de Asmodeus
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Algum tempo antes de se tornar demônio, Asmodeus foi homem. Rei de Sodoma e de Gomorra, senhor absoluto das cidades gêmeas, cuja opulência rivalizava com os próprios palácios celestiais.
Nascido de ventre nobre, Asmodeus era belo, inteligente e dotado de uma voz que dobrava vontades como o ferro ao fogo. Sob sua liderança, as cidades floresceram, mas não pela justiça e, sim, pela transgressão. Ele compreendeu cedo que o coração humano ansiava mais pelo prazer do que pela virtude, mais pelo caos do que pela ordem.
Ergueu templos onde a carne era louvada, onde o vinho corria mais que a água e onde os juramentos se quebravam como ramos secos sob o peso da luxúria. Criou leis que celebravam o excesso e puniam a piedade. Fez-se adorado como um deus, e por sua ordem, todos os cultos a Yahweh foram banidos.
Asmodeus acreditava ter vencido os céus. Mas Yahweh o observava.
Foi então que três viajantes chegaram aos portões de Sodoma. Vestiam-se como andarilhos comuns, cobertos de poeira e luz. Mas seus olhos brilhavam com uma intensidade que denunciava o eterno por trás da carne. Eram eles: Miguel, o Guerreiro; Gabriel, o Mensageiro; e Rafael, o Curador.
Foram conduzidos ao palácio sob ordem do próprio rei — curioso com aqueles que ousavam atravessar as terras de Sodoma sem temor ou reverência.
No salão de colunas de mármore e tapeçarias carmesim, Asmodeus os recebeu questionador em seu trono elevado. Seu sorriso era cético. Seus olhos, provocadores:
— Dizei, estrangeiros — disse o rei —, que deus vos envia a este lugar que os céus esqueceram?
Miguel falou primeiro, com voz grave como o trovão:
— Não é o céu que esqueceu Sodoma. Foi Sodoma que cuspiu no céu.
Gabriel avançou, dizendo:
— Yahweh nos envia e trazemos uma advertência, ó rei de prazeres. O tempo do juízo se aproxima. Ainda tens escolha. Ainda podes deter o caos.
Rafael, com compaixão nos olhos, completou:
— Abandona teus ídolos. Rejeita tua vaidade. Liberta teu povo do culto à carne. Yahweh é justo e também misericordioso.
Asmodeus levantou-se. Por um instante, o salão silenciou. Mesmo os nobres decadentes que o cercavam sentiram a tensão. Ele então proferiu:
— Misericórdia? E que misericórdia há em um deus que castiga por amor livre, por desejos naturais, por homens que recusam a culpa?
Miguel estreitou os olhos:
— Não é o desejo que condena. É a perversão do sagrado. Tu criaste uma nação sem alma.
Asmodeus, já inflamado, disse:
— Alma? A alma é uma corrente forjada pelos fracos! Eu dei liberdade a este povo. Transformei o sofrimento em prazer. Queimem os céus, se quiserem, Sodoma não se curvará!
Então Gabriel pronunciou a sentença:
— Assim será. Que teu nome se consuma com tuas cidades, a menos que te arrependas — agora. Esta é a última palavra.
Mas Asmodeus os expulsou do palácio. Ordenou que fossem perseguidos pelas ruas, humilhados, feridos — mas os anjos desapareceram diante dos olhos dos soldados, como se nunca tivessem pisado ali.
Naquela noite, o céu abriu-se com rugidos antigos. Fogo e enxofre começaram a cair como estrelas em fúria. Os templos desabaram. Os gritos de prazer viraram gritos de pavor.
Asmodeus, em sua torre, viu tudo ruir. Correu até o topo, gritou aos céus, não por arrependimento, mas por orgulho ferido:
— Maldito sejas, Yahweh! Se me negas tua criação, então que o abismo me aceite!
E o abismo respondeu. Asmodeus olhou para a escuridão, e dela surgiu Lúcifer.
O Portador da Luz estendeu a mão, e com ela fizera um pacto; poder eterno em troca da alma. Um novo trono — não entre os homens, mas entre os condenados.
Asmodeus, à beira do fim, sorriu. Aceitou.
Seu corpo mortal foi consumido pelo fogo de Yahweh, mas sua essência foi arrancada antes da destruição total. Levado por Lúcifer às profundezas do inferno, renasceu como demônio. Seus olhos, antes humanos, tornaram-se brasas eternas. Sua voz, agora, seduzia até os anjos caídos. E seu nome ecoou entre os salões do Inferno como um novo Príncipe.
Asmodeus, o Rei das Cidades Perdidas. O Patrono da Luxúria. O que desafiou Deus. E sobreviveu.
Desde então, cada vez que a vaidade de um homem desafia o céu, quando um líder usa seu povo como espelho de sua própria decadência, Asmodeus sorri do fundo do abismo, recordando-se do trono que perdeu. E do inferno que ganhou.

Thais Gomes
Thais Gomes é apaixonada pelo universo Gótico da Literatura, sua formação é em Letras Português/Espanhol e sua obra mais recente, ainda está sendo produzida, é Contos Vampirescos, uma releitura de muitos personagens do Drácula de Bram Stoker. Inspirada em clássicos como Edgar Allan Poe, Lord Byron, Álvares de Azevedo, e contemporâneos como André Vianco e Eduardo Spör; a autora explora o universo da literatura... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 17ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de junho de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
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