Com Amor Infinito, Nauärah

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Anos Antes...

Às margens de um rio próximo à sua aldeia, Nauärah brinca com uma coroa de flores ao redor da sua cabeça, quando seu pequeno amigo Tupiará se aproxima.

— Nauärah, você está parecendo uma noiva com essa coroa de flores coloridas. 

— Tupiará, você me seguiu? Volte para a sua aldeia já, pequenino!

— Só se você prometer que eu serei o seu pajem!

— Para você ser o meu pajem, eu preciso me casar, e essa coroa de flores precisa ser branca.

— Então, faça outra coroa e se case. — Tupiará sorri de maneira inocente.

— Não é assim tão rápido, pequeno. — Nauärah sorri.

— Então, eu te ajudo a fazer a coroa de flores e você entra com os passos bem devagar para o casamento ser demorado.

Nauärah gargalha e toca o rosto do petiz.

— Não ria de mim, Nauärah, isso não é justo! Sempre foi meu sonho entrar levando alianças, flores e óleo ungido em um casamento. Um dia eu quero ser o seu pajem!

— Ó, pequeno deusinho, sente aqui mais perto. Para eu me casar, preciso completar dezoito anos. Eu acabei de fazer dezessete. Além do mais, eu preciso amar alguém de verdade, bem forte, aqui dentro. — Nauärah brinca de apertar as mãozinhas fechadas de Tupiará próximo ao seu peito. 

— Vai demorar muito pra você amar alguém bem forte aí dentro e fazer dezoito anos?

Nauärah sorri da inocência de Tupiará.

—  Bem, para os meus dezoito anos ainda falta um ano, deusinho, que são trezentos e sessenta e cinco dias inteiros com a noite junto, entendeu? Sobre amar alguém bem forte aqui dentro e me casar, não sei quando será, meu pequenino. Mas eu te prometo que no dia em que eu me casar, você será o meu pajem! É uma promessa...! Você está ouvindo?

Eles sorriem à beira do rio e a voz da promessa de Nauärah ecoa nos ouvidos de ambos.

Semanas depois...

— Nauärah, o que houve? Você não sai da sua aldeia há muito tempo... — Tupiará adentra o seu quarto, correndo.

— Retire-se, Tupiará. Você é muito pequeno para compreender o que eu estou sentindo agora. 

— Mas... eu ainda vou ser seu pajem um dia?

— Eu não sei, Tupiará... eu realmente não sei... Não é que eu não queira que você seja meu pajem, mas a promessa só vale se eu realmente me casar, e o fato é que não sei se quero mais me casar algum dia. É melhor você sair do meu quarto agora. Não gostaria de ver ninguém por enquanto.

— Você não conseguiu nenhum noivo, por isso está triste e não quer mais se casar, não é? Mas você é tão linda! Como não apareceu um noivo?

— Só você para arrancar um pouquinho do meu sorriso, mas não é por isso. Eu apenas não quero mais. É melhor você sair agora, pequeno. Obrigada por vir me visitar, mas eu estou em um estado que você não pode compreender. Estou suja e não quero te contaminar. É uma sujeira que você não pode ver. 

— Você não está suja. Você está cheirosa. Eu não consigo ver sujeira nenhuma!

— Um dia você entenderá, pequenino... Por agora, saia.

Nanquim observa Tupiará saindo triste do quarto de Nauärah e retornando à sua aldeia. Ele nota que ela está agora sozinha e planeja confortá-la ainda mais. Ele entra no quarto dela lentamente e senta-se na cama, tocando suavemente seus pés cobertos.

— Como você está, minha Veracruz?

— Eu não sou mais a sua Veracruz. Nem de nenhum homem. Guarde a veracruz para a Ayärah, que acabou de nascer.

— Você sempre será a minha Veracruz. Isso nunca mudará! A veracruz é única, individual, intransferível! Vim saber como você está se sentindo agora.

— Suja, imunda, impura, desonrada. 

Nanquim fecha os olhos e põe as mãos na fronte. Respira fundo, de cabeça baixa. Depois a olha nos olhos.

— Minha filha, por favor, não se veja assim, nem se trate dessa forma. 

— Mas eu não sou mais pura, pai...

— Não diga mais isso. É claro que você é!

— Como? Quem vai querer se casar comigo agora? Quem? Só se for algum urbano da cidade, sem nossos preceitos. Eu prometi tanto a Tupiará que ele seria o meu pajem...!

— E ele será o seu pajem! Se você casar com um indígena ou um urbano. Mas se você não quiser se casar um dia, não a obrigarei, nem sua mãe, nem ninguém. Talvez seja até melhor assim, tendo você sempre conosco na aldeia. Não precisarei entregar a minha Veracruz a ninguém. Eu sinto muito, muito mesmo, minha filha. Você não pode imaginar o quanto me culpo por não estar ao seu lado naquele momento cruel. Eu o teria matado, se ele não tivesse morrido.

— Eu também sinto muito, pai, por ser impotente. Eu queria tanto lhe dar a honra de me casar um dia... Mas agora o matrimônio parece mais distante... quase impossível, e eu não consigo mais. Perdi minha honra da pior maneira possível. Como poderei confiar em alguém ou me aproximar de um rapaz sem lembrar de tudo? Não... Não consigo... Também não quero mais falar sobre isso. Me dói o tempo todo.

— Não precisa dizer mais nada... Mesmo com o nascimento dos seus irmãos gêmeos, não sairei do seu lado um só instante daqui para frente. Eu deveria ter lhe entregado esse amuleto ainda na infância. — Nanquim mostra um amuleto com o cristal chamado "Ágata de Fogo". — Quero que coloque isso no seu pescoço. Ele que lhe dará força e proteção. Está consagrado pela sua avó e programado com palavras de sua mãe. Qualquer um que tentar contra você, será lançado ao mal no mesmo momento.

As palavras de Nanquim soam como um decreto à luz da lua cheia, que acabara de apontar no céu de um início de noite.

Dias atuais...

Querida aldeia,

Espero que esta carta vos encontre bem. Escrevo a vocês e gostaria que esta primeira carta vocês lessem com boa dicção para os outros líderes, para os meus pais e o restante da aldeia que me viu partir.

Aqui é tudo diferente. Há outra cultura. As pessoas se vestem como se fosse um inverno eterno, apesar de vocês sempre me educarem a preservar também o meu corpo. Eu não tiro a minha capa um só instante, nem mesmo para dormir. Aqui é frio o tempo todo.

Neste lugar também tem magia, percebo pelo próprio Castelo Drácula. Mas acredito que a magia natural da terra cuja qual eu conheço, pode servir como proteção e aprendizado.

Quero comunicar também que eu fui bem recebida. A anfitriã Olga Niviitiz me recebeu com educação e respeito. Por outro lado, há figuras masculinas por perto e o meu coração anda temeroso por isso, vocês podem imaginar. Os homens daqui são diferentes de vocês. Eu ainda estou temerosa, assim como estava ao deixar a aldeia.

Falando em homens, eu avistei um bem próximo, mas ele não me dirigiu a palavra nem ousou se aproximar. Deve ser um residente como eu. Mas prometo que irei me cuidar. Também prometo que não apontarei a minha flecha para ninguém...! Vocês me ensinaram a não agir mais com violência e a usar a força apenas quando necessário e para o bem, ou pensam que não sou boa no kyuudoo?

Papai, não me julgue nem fique preocupado comigo. Eu sei que exceto por conúbio, o senhor não gostaria que eu saísse do meu lugar, nem deixasse a proteção do teu abraço, especialmente despois de tudo o que aconteceu comigo, e ainda mais sozinha. Também sei que, ao partir naquela grande embarcação, você jurou a Tupã e prometeu aparecer aqui neste castelo quando eu menos esperasse, mas por favor, tenha calma! Depois explicarei por que não podes fazer isso ainda. Mas ainda tenho esperança de que quebres o teu orgulho, de uma forma que possas adentrar as portas do Castelo onde estou hospedada para me visitar sem mágoas nem bravura. Aqui é diferente, mas não se assuste, estou bem e os meus estudos sobre esse lugar têm sido produtivos. A sua Veracruz está bem protegida aqui, eu garanto, pai. Amo muito você.

Mãezinha, as suas rezas e toques por todo o meu corpo surtem efeito até o momento. Ainda ouço a música ritualística que cantavas, ao me lembrar do seu ritual de proteção. Me sinto abençoada por isso. Ainda sinto o afago das tuas mãozinhas cuidadosas percorrerem toda a minha pele com a tinta tão rubra e milagrosa. Eu estou com tanta saudade do teu abraço e do teu carinho de mãe. O amuleto que me protege continua pendurado em meu pescoço, não se preocupe. Eu te amo muito também.

Ayurä e Ayärah, eu espero que vocês tenham parado de brigar. Tupã está triste e o céu chora, encharcando o barro de lágrimas, quando vocês se desentendem. Brigas não fazem parte da nossa cultura, meus irmãos. Conflitos podem surgir, mas vocês dois precisam se consagrar mais e se reconciliarem. Estão esquecendo dos ensinamentos xamânicos? Criança indígena não briga. Vocês estão permitindo que a violência da cidade adentre os vossos corações, meus pequenos? Amem-se um ao outro porque eu também amo vocês.

Vozinha, eu não vou me esquecer do que a senhora disse. Tentarei encontrar por aqui as folhas medicinais que mencionou. Mas este lugar é tão sombrio e mágico ao mesmo tempo... Não sei quando retornarei, por isso não guardo as plantas. Se eu encontrar alguma planta medicinal, utilizarei. Meus cabelos estão com uma textura péssima, vó. Como o carinho das tuas mãos fazem falta para os meus fios...

Bom, no mais, eu estou bem. Estou cuidando do meu corpo, pois não esqueci que ele é um templo. Estou me alimentando bem também, embora a alimentação aqui neste lugar seja bastante diferente e menos saudável, exceto no Castelo. E digam a Tupiará que um dia... ele será o meu pajem, não importa a idade.

Cuidado com as onças e sucuris da região. Não estou aí para lançar flechas como ninguém, caso se aproximem. 

Escrevam-me. Gostaria de receber notícias de vocês. Que Tupã vos guarde.

Com Amor Infinito...,

Nauärah Tupiniquim.

Personagens neste capítulo:

Texto publicado na 8ª edição de publicações do Castelo Drácula. Datado de agosto de 2024. → Ler edição completa

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Glícia Nathállia Campos

Nascida em um outono, na capital da Bahia, cresci em uma família que me proporcionou muito incentivo ao estudo e à cultura de qualidade. É por isso que sou uma pessoa que ama a leitura, o conhecimento, a escrita e outras áreas artísticas. Minha paixão pela arte faz aprofundar-me nela. Enfim, sou alguém com uma sensibilidade aflorada; aprendi a lidar com situações com muita humanidade, senso e responsabilidade. Sou livre de convenções e de preconceitos.

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