O Memórum de Olga Nivïttz: Masqarilla

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula
— Por que tão irreconhecível, caríssima Olga? — Dissera Drácula, tomando seu liquor-carmesim. Sorri ao ouvi-lo, sempre me agradava a sua presença, entretanto a máscara dourada e ornamentada impedia-o de saber de minhas expressões faciais. Meu longo vestido escarlate em veludo, possuía um fardo pouco hostil, com detalhes em cetim e renda negra. Era de beleza estonteante, melancólico como quem o vestia.
— Prefiro a discrição, meu querido. — Respondi-lhe com voz suave, aproximando-me dele enquanto observava-me no espelho do aposento, magnífico espelho com adornos em voluta.
— Hum… deixas o fardo de anfitrião em meu dorso para que possas usufruir do anonimato. — Proferiu com suave escárnio. Toquei-lhe a face, sutilmente.
— És um sui generis anfitrião, amável Conde. Sabes que quanto mais pessoas souberem quem sou, mais risco há de vir sobre este alcácer atemporal. — Relembrei. Drácula apenas assentiu. Meu lar vincula-se a mim; minha dor é sua dor, tanto quanto meu prazer e meu pensar; o fim da minha existência sucumbiria cada torre que fora aqui, um dia, erguida; a cruz da consciência pelos que residem n’este imo, no antro de sangue vivo e scripta manent, não é apenas um adorno. Espíritos e corpos, criaturas e entidades; sob minha proteção, pelo meu Castelo. Embora, em sua ironia e humor característicos, Drácula impulsione em verbo a verdade de seu encargo de Anfitrião, ele sabe que sem tal ventura sob si — e sem a minha solidão por cautela e dever, os males que podem emergir externo ao meu controle serão, decerto, fatais a todos e, em especial, a ele.
Entretanto tais pensares não afloraram em meu ser naquele instante. Ver-me o reflexo tão gracioso em ouro e veludo escarlate, trouxe-me uma sutil languidez advinda d’outros males. Ouvia ao fundo a valsa do salão e os risos longínquo dos tantos convivas. Vi, quebrantando minha distração emocional, Drácula levantar-se, aproximando-se de mim; o espelho de Sirenniha era o único capaz de refleti-lo. Atrás de mim, envolveu-me com seus braços e pôs em meu pescoço um belíssimo colar.
— Para que, mesmo irreconhecível, sejas a mais bela d’este fabuloso evento. — Sussurrara acariciando-me os ombros. Toquei o colar.
— Fascinante… do que é feito? — Indaguei encantada pelo lume dourado profundo, quase enegrecido e envelhecido, daquela joia rara.
— Chamo de nithiurium. Há de sedar as tuas angústias pelo período que usá-lo; reluz em dourado arcano, pois há um sigilo em seu fecho. É o mesmo sigilo que há de prensar sutilmente o teu pescoço, se assim desejares. — Toquei o fermoir, senti a energia de Pherhesí.
— Como tu poderás salvar-me da morte por asfixia? — Drácula sorriu.
— Tomei as necessárias precauções, minha Dama. — Olhou-me, então, somente como teus olhos o poderiam fazer. — Teu fascínio pela dor não alcançará a capacidade suave d’este pequeno artefato. A lapidação e seu poder estão na medida para o teu prazer, não para tua morte.
Toquei a face de Drácula, acariciando-o em agradecimento.
— Permita-me… — Disse, beijando-me o dorso de minha mão esquerda. — Uma primeira dança. — Assenti, reverenciando-o. Iniciamos os movimentos calmos e sincronizados. Sem palavras a pronunciar, pois, não era preciso. Drácula sempre fora meu confidente, sabendo minhas dores e amores, meus pecados mais sombrios; a cor viva de meu sangue amaldiçoado. No fim da dança, beijou-me a fronte e, depois, meus lábios — sobre a máscara que cobria toda a face. Ergueu-me sua taça vazia, indicando que buscaria mais liquor para sua bel fascinação. Dei-lhe adeus e o vi sair pelos umbrais. Tal como pressenti e intui ao dar-lhe minha seiva de vida, Drácula, quando próximo, é uma companhia intrigante e agradável, capaz de quebrantar minha catatônica introspecção, permitindo clareiras abrirem-se sobre a densa floresta que me sou, todavia, sob familiar circundante solitude, segui para meu destino: o salão da Masqarilla.
Texto publicado na Edição 12 da Revista Castelo Drácula. Datado de janeiro de 2025. → Ler edição completa
Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e criadora de Ars OAN mor — para apreciadores de sua literatura intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. Ars OAN mor é o pertencente recôndito de Sahra e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.
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