Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula

Ela se levantou, estendeu sua mão direita em minha direção. Seus lábios exibiam um sorriso acolhedor, mas que escondia algo. Por fim, acatei seu convite, pois ansiava sanar minhas dúvidas. Iniciamos uma silenciosa caminhada. Cautelosa, segui ao seu lado, fascinada e amedrontada com aquele lugar. Sentia uma certa claustrofobia, mesmo o lugar sendo amplo. 

Hipnotizada, observei os gases azulados presentes nos numerosos e delicados tubos de ensaio. O som ininterrupto das engrenagens era nauseante. Até mesmo o ar daquele lugar... O desconforto era nítido em meu corpo, mas disfarcei bem — pelo menos, eu acho. Evelyn... ela me intrigava. Em seus olhos havia uma certa malícia — talvez eu esteja errada, talvez seja apenas sua personalidade —, mas o fato de ela conseguir adaptar suas emoções à medida que conversávamos, como se entendesse meus pensamentos, me deixou preocupada. 

Conforme andávamos, me explicou algumas coisas, como a intensa luz lá fora. Disse que se tratava de dois sóis, um raro fenômeno, uma falha temporal — mas que era temporária. Imediatamente, paralisei ao imaginar aquela luz impetuosa rasgando minha frágil existência. Evelyn viu o horror em meus olhos, mas escolheu não perguntar sobre o meu estado. Sobre as engrenagens, disse que não sabia nada a respeito. Porém, noto um sorriso brincalhão nascer em seus lábios. Em seguida, falou: 

— Não se preocupe, Rose. Talvez nada disso seja real... talvez seja apenas o desconhecido brincando conosco. 

Assenti. Em seguida, vi seus olhos esboçarem um estranho sorriso, mas ignorei. Então, avisto ao longe uma porta. Pergunto-lhe onde daria. Disse que ali geralmente era a saída — e afirmou uma verdade irrefutável: o castelo está em constante mudança. 

Por fim, despediu-se e novamente disse para ter cuidado, pois nunca saberemos o que iremos encontrar. Mesmo tendo minhas desconfianças, gostei de sua companhia. Mas, ao olhar para trás, não a vejo mais. Alguns passos à frente, me deparo com uma porta deveras alta, que se esgueira horrivelmente sobre mim. Ela era abobadada — diria comum. Toco a maçaneta, sinto o corpo pulsar. Abro-a e, para minha surpresa, estou no magnífico salão principal. Sinto-me ínfima neste lugar. 

Inexplicavelmente, o som terrífico das engrenagens sumira. Respirei aliviada. Porém, o castelo estava diferente. Fui abraçada por muitos cheiros. Dentre eles, identifico algumas notas adocicadas de maçã. Não era só isso: percebo também uma fragrância floral bastante sutil, mas marcante. Observei o queimar das muitas velas dispostas em cada parede. Isto me trouxe uma sensação de acolhimento. Porém, o odor ferruginoso permanecia ali, flutuando sobre o ar, tal qual um espectro. 

Não lembro a última vez que andei por aqui. Porém, vejo que alguma entidade cósmica jogou os dados do destino — e aqui estou. Parece que um belíssimo jantar será servido. A enorme mesa de jantar está decorada com impecáveis pratos de porcelana branca com a borda em dourado. Para acompanhar, talheres igualmente dourados. Em volta de cada prato, havia galhos secos vermelho-acinzentado, formando uma guirlanda. 

Há também um encantador caminho de mesa confeccionado em linho, num tom verde-claro. Acima dele, exuberantes flores ocupam toda a extensão da mesa. Elas possuíam um formato peculiar: suas pétalas se fechavam tal qual um ovo, a ponto de ficar imperceptível a união de cada uma. Suas cores eram vivas e brilhantes — algumas alvas como a neve, outras traziam um tom escarlate. Elas pareciam guardar segredos de antigas eras. Estavam também espalhadas por todo o hall. 

Enquanto admirava a enigmática decoração, vislumbro o mover de uma sombra trêmula, descendo lentamente os infinitos degraus da colossal escada. Tratava-se de uma criatura com vestes que remetiam a alguma antiga e sigilosa cerimônia. A túnica negra parecia flutuar conforme caminhava. Ostentava uma horripilante máscara pálida e sorridente de um coelho, com orelhas delgadas. No lugar dos olhos, um vazio abissal. Trazia uma carta escarlate. De maneira cortês, se aproximou e me entregou uma carta. Elevo-a à altura do nariz, e sinto o mesmo aroma de maçã adocicada. Fiquei tão enfeitiçada com tudo aquilo que mal vi a criatura se esvair.

Finalmente, leio. Trata-se de um convite para participar de uma festividade chamada Aesttera. Na carta, explicava-se o significado da celebração. Tudo fascinante. Porém, para mim, não há renovação de ciclos, nem moldar sentidos para uma nova existência — muito menos recomeçar. Mas estou intrigada com o tal Baile de Láparos. Houve menção de que haveria trajes para o baile em meus aposentos.

Dirijo-me rapidamente ao meu quarto. Abro a porta devagar, pois aqui foi palco de fenômenos inexplicáveis. Fiquei mais tranquila ao ver tudo em seu devido lugar. Em minha cama, encontram-se meus trajes: consistiam em uma máscara de coelho e um longo vestido vitoriano preto de cetim, com detalhes de renda no colo e nas mangas. Fiquei encantada com o vestido. Lavei-me e troquei de roupa. Controlei meus rebeldes cachos, coloquei minha máscara e segui em direção ao salão principal.

Apreensiva, tenho um vislumbre magnífico: a celebração havia começado. Todos estavam rigorosamente bem trajados — estavam belíssimos. Os homens, todos elegantes, exibiam seus fraques; e as mulheres, com seus vestidos exuberantes. O salão estava cheio. Confesso que, às vezes, esqueço dos demais inquilinos. Através da máscara, vejo a inquietação de alguns; em outros, permeavam dúvidas e medo; já outros são uma verdadeira incógnita.

Vejo alguém se aproximando — era um garçom, equilibrando taças numa bandeja dourada. Falei educadamente que não queria, porém ele explicou que era um licor das raras maçãs sangrentas. Disse que, devido à maturação das maçãs, um líquido começa a escorrer do fruto, resultando em um espesso licor rubro. Fui persuadida por ele e acabei aceitando.

Em mãos, balancei a bebida, que exalava um aroma doce e tentador. Elevei-a aos lábios. Ao provar, fui tomada por uma excitação. Meu estado alterado foi perceptível. Não era possível... isso seria...? Olhei ao redor. Senti uma sensação estranha de estar sendo observada. Respirei fundo. A taça tremia em minhas mãos. Andei até a rosácea para tentar me distrair. Estava uma linda noite. Elevei meus olhos e vi a luz pálida da lua atravessar a rosácea, resultando em um espetáculo único.

Permaneci ali, assistindo o tênue luar rasgar a escuridão, como se ainda houvesse uma luz no fim do túnel (não para mim, certamente). Tomada por uma desesperança, sorvo mais do doce licor. Porém, algo rouba minha atenção: um pisar firme, longínquo, ecoa pelo salão, acompanhado de um leve caminhar de saltos altos. Também escuto passos apressados. Ao virar, vejo um círculo se formando. Aproximo-me devagar — e então é anunciada uma atração que fazia parte das festividades.

Era uma atração circense: uma arlequina, domadora de Láparos. Ela apresentou truques que desafiavam a lógica — diria, realistas demais. O momento que me causou náuseas foi quando ela tirou cabeças de coelhos da cartola e fez malabarismo com elas. Era possível ouvir, de cada um presente, gritos abafados de horror. Encerrou a apresentação apoiando a cartola na cabeça, arrancando aplausos efusivos.

Não sei se foi efeito do licor ou do truque — contemplei algo perturbador. Da cartola escorria um espesso líquido escarlate, serpenteando por seu rosto maquiado. Tive a nítida impressão de que ela olhava diretamente para mim. Sorrindo, ela se despediu.

Todos ficaram espantados, inclusive eu. O círculo se desfez, e então iniciou-se o baile. Os primeiros acordes da Sétima Sinfonia de Beethoven retumbavam por todo o castelo. A dança começou tímida, mas logo se tornou lascívia. "Preciso de mais uma taça", pensei, observando o baile. Parece que o castelo me ouviu: um dos garçons se aproxima. Devolvo a taça vazia e pego a cheia. Antes de sair, ele disse para não exagerar no licor, pois pode causar alucinações.

Desta vez, senti o gosto adocicado com notas ferruginosas. Meu corpo tremia. O sabor era demasiadamente semelhante. Sorvi aquele néctar de uma vez. Enquanto isso, assisto à dança se tornar frenética, fazendo com que as máscaras adquirissem um aspecto macabro — com aumento das orelhas e a presença de dentes pontiagudos.

Não deveria ter feito isso. Será mesmo sangue?

Noctígeno
Rose, uma jovem de espírito sensível, adentra o Castelo Drácula em busca de respostas para os mistérios que a cercam. Lá, ela se depara com um livro encadernado em pele humana, cujas páginas parecem proteger verdades inomináveis. À medida que mergulha nas profundezas do castelo, Rose enfrenta visões perturbadoras e enigmas que desafiam sua sanidade. Em sua jornada, ela descobre que a verdade pode ser mais sombria do que jamais imaginou, e que o conhecimento tem um preço que talvez não esteja disposta a pagar. » Leia todos os capítulos.

Escrito por:
Pablo Henrique

Pablo é um escritor nascido no Nordeste do Brasil, em João Pessoa. Possui uma escrita bastante carregada em angústia, com a essência do terror, horror e ultrarromantismo. Sua paixão pela Literatura Gótica começou na infância. Algumas de suas referências literárias são: Mary Shelley, as irmãs Brontë, Agatha Christie, Edgar Allan Poe e William Shakespeare. Pablo Henrique também é artista visual... » leia mais
15ª Edição: Aesttera - Revista Castelo Drácula
Esta obra foi publicada e registrada na 15ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de abril de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.

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