O Espectro de Alonso
Imagem criada e editada por Sahra Melihssa para o Castelo Drácula
Anton S. Miahi XXI
(Escrito em meu Caderno — póstumo)
Sem Data — Já não sabia se era noite ou dia. As trevas da cela ocultavam até o tempo de minha mente. O ar da cela era denso, imóvel, como se aguardasse o próximo sopro de minha respiração. Um peso alojava-se em meu peito, esmagando-me como se mãos invisíveis ali repousassem, exigindo confissão. Fora o sonho, suponho. Mas qual sonho? Fragmentos de imagens difusas escapavam-me, deixando somente uma sensação de desassossego abissal.
E então, uma voz.
Familiar. Fria. Dolorosa.
— Anton…
Meus olhos varreram o breu da cela, encontrando apenas a familiaridade das paredes úmidas e da estreita fresta por onde a lua se recusava a penetrar. A cela, anexada ao laboratório de Arturo, não permitia acesso à parte externa. Mas a voz continuava, entrecortada pelo vento ausente, sussurrando aquilo que eu temia ouvir. O tempo se dobrou sobre si, e voltei àquela noite — a noite de sua morte. O sangue sobre as pedras, o olhar esmaecido, o último suspiro arrancado pelo inevitável. Ele havia perecido nos meus braços, Alonso. Eu não o havia abandonado.
— Você me deixou…
Meu peito apertou-se. Não! Ambos havíamos sido convocados para a Guerra Franco-prussiana. Havíamos marchado juntos. Eu o segurei quando caiu. Vi o brilho esvaecer de seus olhos enquanto o sangue encharcava o chão. Mas ali estava ele, sua forma translúcida oscilando diante de mim, angustiado, desesperado, tão surpreso quanto eu de vê-lo ali.
— Alonso... isto não é possível.
Ele cambaleou para trás, os olhos arregalados, tremendo. Sua voz era um sussurro trêmulo, quebrado pela incredulidade.
— Mas então... eu estou morto?
Meu braço esquerdo doía. A reconstrução metálica rangeu quando movi os dedos, os tubos transportando fluidos de éter sobrenatural pulsando sob a estrutura engenhosa de engrenagens. Arturo, o engenheiro de outro mundo e tempo, dera-me essa dádiva amaldiçoada.
— Sim. Você morreu nos meus braços.
Alonso fechou os olhos, os lábios trêmulos. Então, sua expressão se alterou, determinada, feroz.
— Você tem que sair daqui, Anton.
— A cela está trancada. Arturo selou a fechadura com Éter.
Alonso hesitou, olhando ao redor. Pela primeira vez, parecia perceber o ambiente à sua volta. Do lado de fora da cela, o laboratório se estendia — frascos com líquidos brilhantes repousavam sobre prateleiras, grandes toneis de cobre estavam alinhados junto às paredes, enquanto canos de bronze percorriam o teto e o chão. Mesas de metal sustentavam equipamentos enigmáticos, papéis espalhados, registros incompreensíveis. Próxima dali, a mesa onde eu havia sido modificado cintilava sob a luz pálida de lâmpadas elétricas de um tempo que sequer deveria existir.
Alonso atravessou a porta, saindo da cela. Estava do lado de fora, me olhando com hesitação. Virou-se para a fechadura. Quando sua mão tocou o metal selado com Éter, uma descarga de energia o atravessou, fazendo-o gritar em agonia. Ele recuou, respirando ofegante, seus dedos trêmulos e espectrais se contorcendo.
— Alonso! — Meu instinto dominou minha razão. Avancei, esquecendo-me do óbvio. Minha mão estendeu-se em direção a ele, buscando segurá-lo, mas assim que o toquei, um choque me atravessou, violento, dilacerante. Cambaleei para trás, uma dor cortante percorrendo meu corpo. — Maldição! — soltei um gemido de dor.
Alonso me fitou, os olhos arregalados, sua expressão um misto de horror e culpa.
— Não! Você não pode me tocar! Eu... eu sou... — Sua voz fraquejou, e ele desviou o olhar. — Sou algo que não deveria estar aqui.
— Eu não me importo! — Bradei, ainda sentindo o formigamento do choque percorrendo minha pele. — Você está sofrendo, Alonso! Eu não posso somente assistir!
— Alonso... como você chegou aqui?
Ele parou, as costas rígidas, como se a pergunta o atingisse como um golpe. Lentamente, virou-se para mim. Seu olhar estava perdido, como se buscasse memórias em um véu nebuloso.
— Eu... eu não sei — sussurrou. — Eu me lembro do campo de batalha, do frio, da dor. Lembro do meu sangue escoando pelos meus dedos, do seu rosto, Anton... da sua voz me chamando. E depois... escuridão. Um vazio que me engoliu por inteiro. Eu não sonhei, não senti o tempo passar. Apenas... estava.
Um calafrio percorreu minha espinha.
— E então, de repente, você apareceu aqui?
Ele hesitou, a expressão se contraindo em angústia.
— Não... antes disso, eu ouvi algo. Uma voz. Não era sua. Era algo mais... algo que sussurrava dentro da minha mente, palavras que não compreendia. Foi como se eu fosse puxado para um turbilhão, forçado a atravessar um limiar invisível... e então eu estava aqui. E vi você. — Ele engoliu em seco. — Anton, eu não deveria estar aqui. Algo me trouxe.
Minha respiração pesou. O que quer que tivesse violado as leis da natureza para arrastar Alonso de volta, não o fizera sem propósito.
— Eu já morri uma vez, irmão. Isto não pode ser pior do que aquilo. — Ele respirou fundo, trêmulo, e forçou um sorriso frágil.
Antes que pudesse responder, Alonso se virou novamente para a fechadura, determinado.
Na segunda tentativa, uma nova onda de dor o atravessou, mas algo mais aconteceu. As luzes do laboratório piscaram e oscilaram, faíscas tremulando em suas lâmpadas alimentadas pelo Éter. O fluido nos tubos borbulhava, vibrando, como se o próprio laboratório reagisse à profanação de sua segurança. Alonso cerrou os dentes, seus olhos agora brilhando em desespero e determinação. Com um último esforço, sua mão se fundiu à fechadura, e esta começou a brilhar intensamente até derreter, pingando como cera fervente sobre o chão de pedra.
A porta estava aberta.
Alonso caiu de joelhos, arquejando, as mãos sobre o peito. Quando ergueu o olhar para mim, sua expressão era de súplica.
— Anton... algo... algo está errado. Ajude-me—
O ar do laboratório vibrou. Uma presença emergiu das sombras. A princípio, tinha quatro patas, movia-se como um lobo sem peso, mas logo ergueu-se sobre duas, seu corpo intangível oscilando como vapor. Sua face era um vazio sorridente. Moveu-se em direção a Alonso e, com um gesto lânguido, agarrou-o pelo colarinho. Alonso gritou, os olhos dilatados em pavor.
A criatura virou-se para mim e sorriu.
Então, sem som, sem violência, Alonso e a entidade se desfizeram em uma névoa suave, dissipando-se na escuridão.
Eu estava livre. Mas a liberdade não era o fim, e sim o início. Caminhos se estendiam diante de mim, sombras ocultavam verdades ainda não reveladas. O laboratório, o Castelo e seus moradores guardavam segredos que precisavam ser desenterrados. Eu precisava ir ao fundo de tudo aquilo.
Anton S. Miahi XXII
(Escrito em meu Caderno — póstumo)
Sem Data — Saí da minha cela após testemunhar o horror indescritível da captura de meu irmão—ou daquilo que um dia foi ele—por uma entidade saída das entranhas do inferno. Um espetáculo dantesco. O frio percorreu minha espinha como dedos cadavéricos. Mas não havia tempo para hesitar.
Caminhei rápido, ignorando o tremor involuntário em minhas mãos, e fui direto à mesa com a maior pilha de livros e papéis, na parede oposta à minha prisão. Algo ali continha as respostas que eu precisava. A adrenalina pulsava, e meus olhos famintos devoravam cada página, cada anotação. A escrita meticulosa daquele maldito diário me causava um nó na garganta. Sentia um peso lodoso no estômago, uma angústia viscosa que me abraçava. Mas continuei.
"21 de Janeiro de 1945 — Faz um pouco mais de um ano que já estou aqui neste castelo. O ambiente que o Conde me concedeu foi amplo e vazio à época. Agora que acomodei ferramentas, livros, tanques e outras coisas fundamentais, posso finalmente prosseguir. Isso me tomou uns quantos meses, mas agora tenho o que realmente preciso para perseguir minha ambição."
Meus dedos crispados viraram a página com violência.
"Os primeiros experimentos foram promissores. O Éter flui melhor do que o previsto, e a simbiose mecânica provou-se viável. O hospedeiro, no entanto, sempre perece antes de atingirmos um estado estável. Preciso de espécimes mais resistentes... e talvez menos... racionais."
Minha respiração falhou. Uma gota de suor frio escorreu por minha têmpora. Continuei, ainda que cada palavra me perfurasse como um punhal.
"Um deles, no entanto, surpreendeu-me. A morte não o reteve como os outros. Ele resistiu ao limiar. Movimentou-se. Falou. Confusão e medo tomaram seus olhos, mas algo permaneceu. Sua consciência? Sua alma? Não posso afirmar ainda, mas é um avanço. O Conde ficará satisfeito. Preciso testar mais."
Meu sangue congelou. O ar ao meu redor pareceu rarefeito. Meus olhos corriam loucamente pelas próximas linhas quando outro papel caiu ao chão, escapando de meus dedos trêmulos. Agachei-me para pegá-lo e, ao fazê-lo, senti meu peito se comprimir.
O texto rabiscado na folha era diferente. Escrito com pressa. Desespero. Um grito mudo preso em letras tortas:
"O número 12 me assombra. Ele aparece diante de mim como se ainda possuísse vontade própria. Ele sabe. Ele me encara da escuridão e sussurra meu nome. Eu o criei... mas falhei. Ele não partiu... ele não pode partir."
Mais abaixo, os traços estavam trêmulos, manchados de algo que parecia sangue seco:
"Ele me disse que seu nome era Alonso."
Meu corpo travou. O silêncio tornou-se um peso tangível, esmagador.
Um segundo papel deslizou da mesa. Uma fotografia.
Minhas mãos hesitaram antes de segurá-la. O choque me atingiu como uma lâmina em brasa.
— Não... não pode ser... — Sussurrei, sentindo minha garganta se fechar.
A imagem mostrava uma jovem. Seu rosto era pálido, os olhos fundos, exaustos. Mas eu a reconhecia. Céus... eu a conhecia. As palavras na página seguinte confirmaram o pior.
"18 de março de 1945 — Nestor me trouxe uma jovem. Seu estado era deplorável. Parece que a encontrou na floresta, na noite dos portais abissais. Uma ex-moradora do castelo. Ela balbuciava algo enquanto o mordomo vampírico do Conde a colocava na mesa. Dizia algo começando com 'nauä...' Não se podia entender bem. Então, perdeu a consciência. E eu comecei o experimento. Este foi o número trinta, depois daquele sucesso e fracasso do menino 'Alonso'."
A sala girou. As bordas da realidade se curvaram, como se algo estivesse prestes a me arrancar dali. Eu quis vomitar.
O horror explodiu dentro de mim. Ela esteve nessa mesa. Passou pelo mesmo que eu. Mas meu irmão... Ele sofreu algo ainda pior. As imagens do laboratório tomaram minha mente, as lâminas, os frascos, o cheiro metálico do sangue. O eco dos gritos dele ressoou em minha memória, e uma nova onda de pavor me tomou. O que diabos fizeram com ele?
Minhas mãos apertaram o diário, minha visão ficou turva.
"(...) Horas após terminar os experimentos com o número trinta, coloquei-a na cela do corredor. Não tenho esperanças de que resista por muito tempo, como os outros."
Minha consciência se agarrou a uma última fagulha de esperança.
A cela número cinco.
Corri pelo corredor, apertando o diário contra o peito como se ele fosse a última âncora de minha sanidade. O espaço ao meu redor parecia pulsar, os canos vibravam. O próprio castelo exalava um hálito podre.
Passei por celas escuras, vazias, até encontrar a que buscava. Meus olhos vasculharam o interior.
Um corpo coberto por um lençol branco.
O baque da realidade me atingiu como um golpe de rifle.
A raiva me tomou. A dor se alojou em meu peito, feroz, cruel. Ela era jovem. Tinha um futuro. E agora... era apenas mais um número em um experimento profano.
Minhas mãos tremiam ao abrir novamente o livro. A leitura foi uma punhalada final:
"Por infelicidade, o experimento trinta demonstrou descontrole e falta de lucidez. Seus ferimentos não estavam se recuperando como esperado."
Virei a página. Os últimos registros pareciam escritos por uma mão indiferente, sem resquício de humanidade.
"05 de abril de 1945 — O experimento trinta foi encontrado sem vida nesta manhã. Já havia alguns dias que não se levantava mais da cama. Parece que desistiu de lutar por sua própria vida."
As palavras se tornaram borrões. Um soluço me rasgou a garganta. Lágrimas quentes escorreram por meu rosto. Eu não conseguia impedir.
Estava neste castelo há meses, sofrendo infindáveis provações. Mas nada me preparou para isso.
O silêncio do corredor era opressor.

Anton Stefan Miahi nasceu para os livros e a reflexão, educado num tempo de paz. Aos trinta anos, porém, foi arremessado às batalhas sangrentas contra os prussianos, liderando soldados numa guerra que desafiava toda lógica que lhe era preciosa. No lúgubre Castelo Drácula, Anton enfrenta novamente o caos, onde eventos bizarros testam os limites da razão. Assombrado por traumas e perdas, ele percebe que a racionalidade é apenas uma frágil chama em meio à tempestade sombria da loucura. » Leia todos os capítulos.

Aslam E. Ramallo
Aslam E. Ramallo, renomado autor de "Réquiem para a Poesia" e "Amores Segredos & Poesia", mergulha na essência do Ultrarromantismo e do existencialismo moderno em suas obras literárias. Este prolífico escritor, também destacado professor de história, tece narrativas que transcendem o tempo, imersas na melancolia gótica e na reflexão existencial. Com maestria, Ramallo entrelaça os fios da emoção humana com a complexidade histórica... » leia mais

Esta obra foi publicada e registrada na 15ª Edição da Revista Castelo Drácula, datada de abril de 2025. Registrada na Câmara Brasileira do Livro, pela Editora Castelo Drácula. © Todos os direitos reservados. » Visite a Edição completa.
Uma monodia litúrgica bizarra atravessara nossas almas, tão mais que os tímpanos. A morte parecia habitar o derredor, as velas tremeluziam…