Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Quando me aproximei daquelas ruínas, imaginei que encontraria destroços de um outrora sombrio, objetos deteriorados pelo tempo e, talvez, segredos esquecidos sobre aqueles que já se foram. Mas, não. Ao invés disso, avistei densos arbustos que possuíam uma espécie de flor de hibisco, cor de sangue vivo.

Adentrando nestas plantas, encontrei um recôndito que, como uma clareira, deixava o sol pálido atravessar sutilmente o seu interior e a luz evidenciava uma estrutura fascinante. Era como uma biblioteca em um jardim, possuía estantes de pedra, esculpidas como por um artista antigo. Os livros — sim, as estantes tinham livros inteiros — estavam protegidos dentro de invólucros feitos de algum tipo de rocha, talvez da mesma cujas estantes haviam sido erguidas. Cada livro, em um idioma desconhecido, ocupava um desses invólucros que o preservavam da umidade.

Embora lindo, era… estranho…

O silêncio pairava como uma mórbida presença que, de soslaio, observava. A brisa frígida fazia assemelhar-se a oscilação da folhagem e dos hibiscos, como passos entre a vegetação e isso me assustava. Sempre que me aventurava a abrir um dos invólucros e folear algumas páginas, arrepiava-me a tez como se algo amedrontador estivesse escrito em seu interior. Em um dos livros, notei que a tinta estava ainda fresca…

Cada detalhe me levava a uma inquietação profunda, então fugi o mais rápido que pude após o segundo arrepio, pois, com ele veio o que eu juro ter sido um murmúrio, um sussurro longínquo e tão próximo… acho que esse bizarro som dissera-me “hibisscuss” — arrastando no “s” como o silvar de uma cobra cuja língua freme na ponta dos lábios.

Quando alcancei o nevoeiro outra vez, respirei profundamente aliviada, mas isso não durou muito; notei uma flor daquelas em meu braço, devia ter caído por causa do meu movimento fugaz. Ao puxá-la, senti uma pungente dor. Sua raíz adentrara minha pele, deixando viva a carne por debaixo, como uma ferida profunda. Temi que tivesse algum veneno, todavia, dentre a névoa naquele lugar tão macabro, eu não podia encontrar algo que pudesse ser utilizado para desinfeccionar a ferida.

Em razão daquele murmúrio bizarro, veio à mente a opção de sugar o local para, quem sabe, extrair qualquer veneno existente. Eu, então, o fiz. Sangue. Gosto ferroso. Até ser engasgada com outra flor de hibisco que emergiu do local mais uma vez… puxá-la abriu ainda mais o ferimento inicial. Foi uma dor terrível…

Olhei para a lesão, preocupada e agonizando, e o que vi fora perturbador…vi dezenas… infindas raízes na carne, minúsculas e, sutilmente, em movimento… dentro de mim… mudando a minha humana natureza e transformando-me em uma delas… das flores… por uma maldição sussurrada em meu ouvido…

Texto publicado na Edição 12 da Revista Castelo Drácula. Datado de janeiro de 2025. → Ler edição completa

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Sahra Melihssa

Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.

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