Intruso
Eu sabia que algo estava errado comigo. Não era uma dor passageira e comum. Era uma presença, uma sensação de que havia algo se movendo dentro de mim. No princípio de tudo, eu ignorei. Pensei que poderia ser o estresse, a falta de sono, inventava qualquer desculpa para que eu conseguisse me acalmar. Mas a sensação ficou cada vez mais intensa. Tinha algo crescendo dentro de mim.
Até que, em uma noite, enquanto tossia sem parar, senti um gosto estranho na boca. Um pequeno ponto branco emergiu entre os meus lábios, coberto de sangue e muco. Consegui retirá-lo com minhas mãos trêmulas e, ao analisá-lo no banheiro, eu quase perdi a consciência. Era um globo ocular. Pequeno, muito pequeno. Ele me encarava, como se algo dentro de mim estivesse utilizando-o para me observar.
Entrei em pânico. Corri para o hospital, mas nenhum médico viu algo anormal.
— Você está bem. — diziam, sem fazer ideia do que eu segurava com minhas mãos.
Eu tentei acreditar neles, mas aquela sensação desconfortável continuava. Algo rastejava por dentro do meu corpo, pelos meus pulmões, entre meus tecidos. Em cada respiração minha, eu sentia que havia algo, ou alguém, dentro de mim, respirando comigo.
Os dias passaram, e a transformação se intensificava cada vez mais. Eu evitava me olhar. O espelho se tornou meu inimigo, um reflexo daquilo em que eu estava me tornando. No entanto, uma noite, o terror chegou ao seu clímax. Enquanto deitava, senti algo se movendo em meu abdômen. Um movimento estranho. O horror estava tão profundo que não consegui reagir. Apenas deitei com meus olhos arregalados, enquanto a coisa dentro de mim se mexia.
Foi então que eu senti um braço. Esquelético, ele se moveu para fora de meu intestino, um osso branco rompendo minha pele. Gritei, mas era um grito abafado pela dor insuportável que sentia. O braço se mexia de forma descontrolada, como se estivesse tentando se libertar. Eu pude sentir cada movimento dele, as articulações se encaixando e se quebrando, tudo ao mesmo tempo.
As dobras de meu intestino se enrolavam nele, como se meu corpo estivesse tentando mantê-lo preso. O cheiro de carne podre tomou o ar, um fedor que não podia ser lavado, tampouco ignorado. O braço finalmente parou de se mexer.
Dias depois, enquanto passava as mãos pelo meu ventre, senti uma pulsação. Algo estava vivo, algo que não deveria estar. Minhas pernas amoleceram quando percebi a verdade. Eu estava grávida. Não de uma criança normal, não de algo humano. A coisa dentro de mim crescia, era como se se alimentasse de minha carne, de meu sangue. Eu conseguia senti-la, sentia seus movimentos, suas tentativas de romper a carne que ainda a mantinha presa.
Numa manhã, eu a ouvi. Um grunhido vindo de dentro de meu ventre. Uma voz abafada, uma presença que se comunicava comigo. Uma vida horrenda e monstruosa que se nutria de meu medo e desespero.
O que eu carrego dentro de mim não pertence ao nosso mundo. É uma afronta à natureza e à vida. Cada nova descoberta é um novo passo em direção à loucura. Talvez um aviso de que o final está perto de chegar. Eu sou uma prisão feita de carne, pele e ossos, e, quando essa coisa se libertar, eu não serei mais nada.
Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo
Residente de Dom Pedrito/RS, Cláudio Borba formou-se em Contabilidade e escreve contos de terror e poemas geralmente melancólicos. Ele faz parte de diversas antologias de contos e poéticas de diversas editoras. E atualmente trabalha para lançar seus livros de contos e poemas....
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