Abram a porta

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula
Trabalhar era meu refúgio.
Eu via pessoas e conversava.
Me distraia,
Sorria...
Mas o mundo parou,
Silenciou
E diante de tanto horror,
Se trancou.
Mas o que eu faria
Ali sozinha,
Com o que mais temia:
A velha da minha tia.
Há tempos acamada,
Face que me aterrorizava
Voz cavernosa,
Chorosa e pegajosa.
Presa nesse pesadelo de vida,
Acompanhando pela Tv
Tantas vidas perdidas
Sem ao menos uma despedida.
Sem trabalhar,
Tendo que dela cuidar,
Lamentava ensandecida.
Enfim a epifania!
Uma vida moribunda
Pela minha,
Pela sua.
O Diabo deveria aceitar
Ficar com ela e nos salvar
Precisamos abrir as portas.
Tal qual não foi minha surpresa,
Quando no dia seguinte,
Sentada à mesa,
Minha tia estava a fumar?
Por um golpe do destino,
Seu fantasma agora era inquilino
Do que deveria ser meu lar.
O inferno estava lotado.
Não houve barganha,
Nenhum trato.
E até que o mundo padeça
Ou se recupere, não tenho certeza
Pode ser que eu enlouqueça
E esta vida passe a aceitar.
Enquanto isso não acontece
Ela está aqui a me torturar
Uma alma que, por muito tempo, esteve calada,
Agora me despeja toda sua raiva.
Sem ter para onde ir,
Esperando a porta abrir
Inalo fumaça de um fantasma.
Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo
Ana Kelly, natural de São Paulo (SP), é poeta, escritora, contista e artesã, sócia-proprietária da loja de acessórios e artigos alternativos, Ivory Fairy. Tem poemas e contos publicados como co-autora em diferentes antologias. No ano de 2009 recebeu o prêmio de 1º lugar, em um concurso de poesias do tema “Natureza”, do Projeto Chance, no Centro de Educação Unificado ( CEU ) em Paraisópolis. Organizadora da segunda Semana Literária Digital de 2023…
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