Ninguém Vai Embora
— Cara, acho que não está dando certo — falou Fabrício, observando o copo imóvel no centro da tábua.
— Pois é. Não se mexe. Talvez devêssemos tentar outra coisa — concordou Renato.
Paulo, Ricardo, Renato e Fabrício estavam ali pela primeira vez, reunidos para tentar invocar espíritos com um tabuleiro improvisado e um copo.
— Ah, eu falei que era uma má ideia. Não tem graça nenhuma. Vamos parar com essa besteira — disse Ricardo, afastando-se um pouco, visivelmente incomodado.
Paulo, mais teimoso, segurou o amigo pelo braço.
— Espera. Olha o copo — a voz saiu baixa e trêmula. — A porra do copo está se mexendo.
O copo deslizou lentamente sobre o tabuleiro, como se uma força invisível o empurrasse. O silêncio caiu sobre os quatro amigos, e um calafrio percorreu a espinha de cada um.
— Vamos fazer uma pergunta? — sugeriu Fabrício, hesitante, olhando para os outros.
— Vai lá, você começou essa merda — disse Renato, encarando Fabrício, tentando parecer corajoso, mas seu rosto denunciava o medo.
Fabrício respirou fundo, engolindo em seco antes de formular a primeira pergunta. A resposta veio, letra por letra, formando palavras sobre o tabuleiro. Eles seguiram com outras perguntas, fascinados e, ao mesmo tempo, aterrorizados.
Horas se passaram até que Paulo sugeriu o fim do jogo.
— Já está tarde, pessoal. Vamos mandar o espírito embora.
— Concordo — disse Fabrício, olhando nervosamente ao redor. — Vamos perguntar se ele quer ir.
Ele posicionou a mão sobre o copo e fez a pergunta. O copo moveu-se lentamente até o "NÃO".
— Ele não quer ir, não — Ricardo riu, tentando disfarçar o nervosismo.
— Por que você não quer que a gente vá? — insistiu Paulo, agora sem tirar os olhos do tabuleiro.
O copo começou a deslizar novamente, letra por letra, formando uma nova frase: N-I-N-G-U-E-M V-A-I E-M-B-O-R-A.
Os quatro se entreolharam, sem saber o que fazer.
— Puta merda, o que ele quer de nós? — perguntou Renato, a voz quase em um sussurro.
Eles repetiram a pergunta, e a resposta veio rápida e fria: M-E S-I-N-T-O S-O-Z-I-N-H-O O-N-D-E E-S-T-O-U P-R-E-C-I-S-O D-E C-O-M-P-A-N-H-I-A.
Ricardo levantou-se de repente, puxando a mão para longe do tabuleiro.
— Eu vou embora. Isso está me assustando de verdade — anunciou, afastando-se.
Mas, no instante em que deu um passo, a porta da sala bateu com força, fechando-se sozinha. O som ecoou pelo cômodo, e todos viraram na direção da porta, horrorizados. O copo voltou a se mover: N-I-N-G-U-E-M S-A-I. E-U J-A F-A-L-E-I.
Ricardo soltou um grito abafado, com as mãos tremendo.
— Eu sabia, eu sabia que isso ia dar merda!
— Calma... — Paulo tentou controlar o grupo, embora ele próprio estivesse à beira do pânico. — Vamos perguntar o que ele quer. Talvez exista um jeito de a gente sair.
— Como podemos sair daqui? — Renato se inclinou sobre a mesa, esperando uma resposta.
O copo moveu-se novamente, a resposta deslizando lentamente entre as letras: S-O-M-E-N-T-E C-O-M I-G-O.
Paulo arregalou os olhos.
— O que isso quer dizer? Ir com ele? Pra onde?
A resposta veio mais rápido, com uma fluidez perturbadora, como se o espírito estivesse ganhando força: P-A-R-A O-N-D-E E-U E-S-T-O-U.
Renato praguejou baixinho, afastando-se enquanto olhava ao redor com desespero.
— Esse filho da puta está pensando o quê? — gritou, desafiador.
No instante em que as palavras deixaram seus lábios, seus olhos se arregalaram, fixos em um canto escuro da sala. Ele apontou com o dedo trêmulo, incapaz de falar.
— Renato, o que foi? — Fabrício engasgou, os olhos arregalados.
No canto escuro da sala, uma figura nebulosa, um vulto denso e ameaçador, começou a se formar. Algo sombrio e sem forma, mas terrivelmente real. Todos encararam o vulto, sem conseguir desviar o olhar, enquanto ele se aproximava, lentamente, como uma sombra rastejando.
Então, uma batida aguda e insistente soou. O telefone tocava na sala ao lado, rompendo o silêncio mortal que preenchia o cômodo. Na casa ao lado, a mãe de Ricardo atendeu.
— Alô?
— Oi, Ana. Como você está? Os meninos ainda estão na casa?
Ela sorriu.
— Sim, estão aqui, trancados na sala de jogos. Vou chamá-los para você. Um instante.
Desligou o telefone e caminhou rapidamente até a sala de jogos. Ao abrir a porta, um grito horrorizado escapou de sua boca.
Quatro corpos jaziam no chão, rostos congelados em expressões de puro terror. Olhos arregalados, bocas abertas em gritos silenciosos, como se, naqueles últimos instantes, eles tivessem encontrado algo além do compreensível, algo que sequer a morte os libertaria. Naquele tabuleiro amaldiçoado, quatro vidas agora compartilhavam a infelicidade eterna com algo que jamais deveria ter sido perturbado.
Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo
Residente de Dom Pedrito/RS, Cláudio Borba formou-se em Contabilidade e escreve contos de terror e poemas geralmente melancólicos. Ele faz parte de diversas antologias de contos e poéticas de diversas editoras. E atualmente trabalha para lançar seus livros de contos e poemas....
Leia mais em “Contos”:
Mmoggun era um artesão que vivia em um vilarejo isolado, onde sua arte de esculpir máscaras era vista como uma habilidade quase mística…
Certa vez, na quinta série, adaptamos a brincadeira do copo para uma folha de papel. Nessa folha, escrevíamos o alfabeto no topo e as palavras…
Falos. Colecionava-os, de todos os tipos e tamanhos. Os primeiros, comprara em sex shops. Depois que se tornara médica legista, ficou mais…
O relógio batia nove horas, e José, diferente dos jovens de sua idade, preferia estar em seu quarto, testando algum software novo, descobrindo…
Na minha maldição de viver muitas vidas, ainda tenho a vã esperança de encontrar, além dela, todas as minhas almas amigas…
Entrevistador: Qual era sua relação com a vítima? | Amigo da vítima: Nos criamos juntos. Amigos de rua, de infância…
Tudo começou com uma reminiscência. Caminhando pela rua, por alguma calçada que serviu de gatilho, voltei vinte anos atrás…
— Alertei para ele não ir até lá... — disse Marcos, equilibrando seu corpo inebriado na banqueta, os cotovelos apoiados na bancada de madeira…
— Cara, acho que não está dando certo — falou Fabrício, observando o copo imóvel no centro da tábua. — Pois é. Não se mexe. Talvez devêssemos…
Tenho que acordar todos os dias às 7h da manhã. Mas levantar cedo nunca foi meu forte. Para que eu consiga, de fato, despertar até o horário…
Quando o lockdown começou, muitos falavam sobre o fim dos tempos; como negar isso? Eu via apenas o nada lá fora, apenas fragmentos de uma…
Na cidade pulsante de Nova Arcadia, onde o neon iluminava…
No coração de um lixão vasto e sombrio, onde o sol raramente penetrava a nuvem de lixo e decadência, vivia uma criança chamada Leo. Seu pai, um homem…
Ramalho era um homem praticamente invisível, não no sentido literal da palavra, mas na forma como ele caminhava pelo mundo sem chamar…
Samuel sempre foi um entusiasta da tecnologia. Desde pequeno, ele tinha um fascínio por tudo que conectava humanos…
Tia-avó Antônia era considerada "a tia legal”; adorava crianças, animais, coisas estranhas. Morou por muito tempo com a tia Vitória, irmã mais velha…
A construção estava em ruínas. Aquela casa devia ser mais velha que o mundo. Os matos cresciam desordenadamente e tomavam conta dos…
Desde que entramos em quarentena, nunca mais fomos os mesmos. Dia após dia, nossa sanidade foi cruelmente usurpada pelo desconhecido…
Não importava que o mundo estivesse em lockdown, Dario passava todos os dias pela curva atrás do mercado. Era o caminho mais rápido…
O vampiro Lázaro, cujo nome escolhido revelava sua ânsia por renascimento, atravessara séculos de opulência e extravagância, mas há…
Ada Reinier. Esse era seu nome; os dois nomes formavam um palíndromo, graças ao bom Deus, ela repetia, como um mantra que afastava o caos..
Ao entardecer, Ana caminhava sozinha por uma rua vazia, o eco de seus passos se misturando ao som distante de folhas secas sendo arrastadas…
[O labirinto do quarto de tua mente vagante e doente ensaio do mundo lá fora...] Em uma cidade onde a luz se tornara uma memória distante…
Rodolfo era o engenheiro de segurança da informação mais experiente da Companhia. Desde criança, abria e esmiuçava aparelhos eletrônicos…
O encontro no café de sempre tinha aquele toque familiar de rotinas que se entrelaçam. Entre goles de…
Com um movimento violento e preciso de minhas mãos, um arremesso de tinta laranja-abóbora na tela completava a pintura, e o transe finalmente…
Era por volta das onze horas da noite. Eu estava me preparando para dormir; já havia feito meus rituais noturnos, como ir ao banheiro, escovar…
Dizem que a única coisa perfeita no mundo é Deus, mas eu tenho que discordar. Sempre fui do tipo que acredita na capacidade do homem…
Era um daqueles dias em que o ar do interior pesava como chumbo. Eu, Tomás, um jovem de vinte e cinco anos, havia aceitado o convite para…
A cama estava sem o lençol. O espelho estava quebrado. Na cômoda havia poucos pertences: apenas um hábito limpo, algumas roupas íntimas…