Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

O relógio batia nove horas, e José, diferente dos jovens de sua idade, preferia estar em seu quarto, testando algum software novo, descobrindo novos sites ou apenas jogando jogos vintage em seu emulador. Gostava também de ouvir música em seu toca-discos; essa atmosfera dos anos noventa lhe agradava muito. Antes de se sentar em sua cadeira, ele liga o toca-discos. Seus dedos passeiam sobre os plásticos que protegem cada vinil e, finalmente, escolhe o álbum: Violator, da banda Depeche Mode. É um de seus álbuns favoritos. Os primeiros acordes de "World in My Eyes" ecoam no quarto. Acompanhado de sua caneca transbordando de café, José inicia sua noite. Primeiro, checa seu e-mail, que está transbordando de spam, entre outros e-mails indesejáveis. Quando estava selecionando-os, algo chamou sua atenção. 

No passado, sua curiosidade o levou a lugares peculiares, e desta vez não foi diferente. O e-mail em questão era, no mínimo, suspeito. Ele elevou a caneca aos lábios e inspirou os aromas de baunilha, canela e notas de chocolate. Sorveu e colocou o café ao lado do mouse, sobre a mesa de madeira. 

Ele havia ouvido dezenas de casos sobre e-mails estranhos, que mais se assemelhavam a alguma creepypasta, de tão fantasiosos que eram. Essas histórias geralmente eram encontradas em algum fórum do Reddit, ou acabavam em um tópico escondido do 4chan, com o intuito de viralizar ou assustar. 

Ele estava prestes a clicar quando sentiu as garras gélidas e pontiagudas do medo cravarem-se em sua nuca, roubando os contornos leves de seu rosto, assim como a mansidão tão presente em seus olhos azuis. Sua expressão adquiriu feições de pavor, e a ponta suada dos dedos escorregava sobre o mouse. Olhou em volta; tudo estava igual: o abajur emanava a luz azulada ao lado esquerdo de sua cama, as roupas continuavam sobre a cama, o café também estava lá. Piscou os olhos e retomou sua atenção para a tela do computador. Havia algo naquele estranho e-mail. Primeiro, seu remetente parecia ser criptografado; não havia nada escrito, apenas um link. Ele passou a mão na testa; as primeiras gotas de suor começaram a aparecer. “Não deve ser nada”, pensou ele. Enquanto isso, "Personal Jesus" tocava na vitrola. Bebeu mais um pouco de café e clicou. Uma aba foi aberta, e ele imediatamente reconheceu: era um site chamado CleverBot, um chatterbot criado pelo veterano em IA Rollo Carpenter, que já havia desenvolvido outros aplicativos para a web. 

José estava eufórico, pois havia um mistério envolvendo o CleverBot. Uma creepypasta, temida por muitos, dizia que, através deste chatterbot, o usuário poderia se comunicar com “Ben”, um garotinho que amava jogar Zelda e que havia morrido sob circunstâncias misteriosas, com sua alma presa em uma fita do jogo. Cético, José inicia uma conversa com perguntas triviais, interagindo com a máquina. Estava se divertindo bastante, mas, de repente, as perguntas começaram a soar estranhas. Seus olhos estavam fixos na tela, e ele decidiu desafiar o aplicativo. Começou a digitar: “Onde está o Ben?”, mas antes de enviar, houve uma resposta. 

— Se fosse você, não faria isso. 

— Não faria o quê? 

— Talvez você encontre algo de que não goste. 

— Eu não iria procurar nada. 

— Eu sei que sim; não adianta negar. 

Imediatamente, uma sensação perturbadora de estar sendo observado o envolveu. Pensou: "Isto está ficando bizarro, melhor fazer outra coisa". Porém, algo o prendia ali. 

— Deve ser algum tipo de brincadeira. Adeus. 

— Não vá, José; estava começando a me divertir. 

— Como você sabe meu nome? 

— Ora, eu sei de tudo. 

— Nunca deveria ter aberto aquele e-mail. 

— Tarde demais para arrependimentos. 

— Aliás, eu adorei a luminária azul. 

Suas mãos tremiam. Ele saiu do computador, olhou em volta, ligou a luz, fechou as janelas e a porta. 

— Sabe, José, gosto muito de Depeche Mode. Inclusive, “Waiting for the Night” é uma das minhas preferidas. 

Uma atmosfera terrível pairava naquele quarto. José estava amedrontado, andando de um lado para o outro. Uma pavorosa sensação de sufocamento o acompanhava, como se fosse um obsessor. Sentiu uma dor pungente brotar de seu peito, gritou até não poder mais e, antes de sucumbir, leu a última frase no computador. 

— A propósito, me chamo BEN.

Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo

 
 

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