Minha bela coleção de almas amigas
Na minha maldição de viver muitas vidas, ainda tenho a vã esperança de encontrar, além dela, todas as minhas almas amigas. E, enquanto esse momento frívolo não chega, adquiri um hábito que todos olham com estranheza: essa mania de colecionar lembranças. Dizem ser mórbido, e talvez até seja mesmo, mas o que eles sabem sobre corações mortos? Sobre a fria solidão dos séculos? Toda a minha coleção, que repousa em minha casa, em molduras gastas, em velhos baús, em álbuns, são as únicas coisas capazes de fazer o meu coração morto chegar perto de bater. Minha coleção favorita: minhas fotografias post-mortem, memórias fiéis das minhas almas amigas que um dia caminharam comigo, compartilharam seus risos, sua vida e seus gostos tão duvidosos quanto a própria eternidade.
Doralice, que sonhava com o mar, sentia como se a maré pudesse alcançá-la mesmo nas terras mais áridas. Júlia, que murmurava consigo mesma versos melancólicos com uma doce tristeza, que quase me faziam querer ser mortal e experimentar a efemeridade. Endora, a ousada, que dançava como se fosse sempre a última dança; ela tinha fome pela vida. Vitória, o farol em meio à tempestade, aquela que não se abalava; e, mesmo agora, sua imagem ao meu lado na fotografia mostra em seus olhos mortos a força que ela tinha. E minha amada Lara, que, ainda viva, ainda espera com um coração que bate com um anseio por algo que não se explica; enquanto o tempo passa, ela mantém minhas lembranças vivas.
Cada vez que uma dessas almas amigas se vai, eu morro um pouco mais em minha não vida. E, em meu luto, preciso de descanso, pois a eternidade às vezes me esgota. Então eu repouso, mas não o repouso do fim, apenas um sonho breve em meu sepulcro silencioso, onde espero, mais uma vez, a chance de despertar e passar momentos na companhia de minhas almas amigas.
Condenei-me a viver entre paredes de concreto e pedra fria, quando minha mente queria fugir para as florestas, admirar a altura das árvores…