O nome nas sombras: um relato verídico

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Queridos leitores, este relato obscuro mescla um fato sombrio, vivenciado nas lôbregas veredas da vida humana, e tons de criatividade e fantasia. Durante a leitura, permita-se imaginar o que seria verídico e o que não seria. Tendemos a acreditar que o mais absurdo é, decerto, o mais improvável de ser real, no entanto, podemos estar profundamente errados. Aprecie a leitura! — Sara Melissa de Azevedo

Certa vez, na quinta série, adaptamos a brincadeira do copo para uma folha de papel. Nessa folha, escrevíamos o alfabeto no topo e as palavras "entrada" e "saída" embaixo. Era para o espírito entrar e sair, e responder às perguntas guiando um lápis ou caneta sobre o papel. Todos os meus colegas estavam fazendo aquilo na brincadeira, mas eu resolvi levar a sério. E o que eu não contava era que algo que estivesse por ali decidisse me responder. 

Perguntei qual era o seu nome, e a caneta que eu segurava começou a se mover em direção às letras N e E. Quando percebi o que estava acontecendo, o medo tomou conta de mim. Assustada, tirei a caneta do papel antes que terminasse de soletrar. Amassei a folha e joguei na lixeira da sala, decidida a esquecer que aquilo acontecera. Mas não foi bem isso que aconteceu comigo… 

No fim da tarde, enquanto caminhava para casa, comecei a sentir algo estranho. Meus passos estavam pesados, como se uma mão invisível pressionasse meus ombros. Talvez eu estivesse impressionada com o que acontecera na sala de aula, ou talvez, como dizemos no Brasil, eu realmente estivesse com um "encosto": um espírito grudado em mim, como uma sombra. 

Na primeira noite, adormeci com um cansaço diferente, um peso, como se uma presença não me deixasse relaxar. Mesmo enquanto dormia, uma parte de mim parecia estar alerta. Tive um sonho — se é que posso chamar de sonho. Estava em um lugar que não consigo lembrar direito, um cenário cinzento e sem tempo, como se estivesse presa entre o sono e a vigília. Havia uma xícara de chá à minha frente, mas não havia rosto, nem vozes, só uma sensação de que algo estava errado. Do nada, a xícara começou a girar. O líquido, que eu não sabia se estava quente ou frio, queimou minha mão. Luzes começaram a piscar ao meu redor, e a xícara, antes comum, agora parecia ameaçadora, dominada por uma força invisível, prestes a ser arremessada contra mim. 

Acordei ofegante, e, embora pudesse parecer só um sonho bobo, o medo que senti foi real. Eu era apenas uma criança, mas sentia um terror profundo que não conseguia explicar. 

Nos dias que se seguiram, a sensação de uma presença ao meu lado só aumentou. Mesmo sozinha, eu não me sentia só. Uma energia densa e sufocante parecia me acompanhar, emanando algo ruim, como se todo o meu corpo estivesse em estado de alerta, ansiando por uma fuga impossível. Não havia nada visível, mas ainda assim era impossível ignorar que, de alguma forma, eu não estava sozinha. Mesmo sabendo disso, tentei levar minha rotina como se nada estivesse acontecendo. Mas ia para a aula acompanhada e observada por aquela presença, enquanto meus pensamentos me lembravam disso obsessivamente. De noite, já em casa, eu continuava a sentir a energia pesada e maléfica ao meu redor. A hora de dormir se tornou o momento mais temido do dia; além de demorar para pegar no sono, cada segundo acordada no escuro era uma tortura. Eu torcia para não ver nada ali, para não ter mais um pesadelo, mas sabia que o sono me trairia, e os sonhos estavam fora do meu controle. 

Me recordo de cada pesadelo que tive nesse período, prova do quanto essa experiência me marcou. O primeiro foi o da xícara. Depois, os sonhos se tornaram cada vez mais sinistros, como se aquela presença quisesse testar meus limites. Sonhei que o amplo quintal da minha casa não existia mais; em seu lugar, havia um cemitério sem grama, frio e desolado, com uma cova em especial que me fazia estremecer — a da minha mãe. Eu a visitava em cada sonho, embora soubesse que não poderia me comunicar com ela. Era um terror profundo, silencioso, mas sem saída. E então, uma noite, uma caixinha de música brotou da terra, iluminada por uma luz esverdeada, e dela saía uma melodia tétrica, desafinada, como se quisesse arrancar algo da minha alma. Acordei assustada, mas estranhamente aliviada por ter escapado antes que aquela música me fizesse mal, como a xícara fizera. 

Mas o encosto parecia decidido a me atormentar. Os dias seguiam com uma angústia que me consumia lentamente, e as noites se tornaram uma batalha sem fim. Por mais que tentasse resistir, o medo era implacável. Em uma dessas noites, depois de mais um pesadelo, acordei com a sensação de que havia vencido, de que finalmente tinha escapado. Foi então que senti uma pressão gélida em meu tornozelo, e algo, ou alguém, me puxou com violência. Eu tinha certeza de que não fora um espasmo involuntário; havia algo ou alguém ali, e não estava para brincadeira.  

Nos dias que se seguiram, era como se o próprio nome dele ecoasse na minha mente: N e E... Neiton, Neila… que diferença fazia? A presença se tornava mais ameaçadora a cada noite, me puxando para o pavor absoluto. 

Então, em uma dessas noites, após sentir o pé sendo puxado diversas vezes, eu estava tremendo igual a uma vara verde debaixo das cobertas, o corpo inteiro em alerta. Finalmente, num impulso, criei coragem e me levantei. Na época, meus avós, a quem eu tratava como pais, dormiam no mesmo quarto, então era só chegar na cama deles e contar.  

Eu achava que meus avós não acreditariam na história, que achariam que era tudo imaginação infantil e isso também me assustava, pois eu contava com a experiência, amor e sabedoria deles para resolver o meu problema.  

Finalmente uma luz na escuridão, ao contrário do que eu achava o meu avô me acolheu e me escutou e a minha avó fez o mesmo. Ficaram impressionados com o tanto que eu, literalmente, tremia de medo. Para o meu espanto, meu avô me contou que um dos meus tios, o mais velho, também já passara por algo semelhante. Disse que à época, eles usavam travesseiros com penas de ganso, e que tiveram de abrir um, dentro dele havia uma coroa de penas emboladas que estava machucando o meu tio.  Eu perguntei, se eles sabiam como me ajudar a me livrar daquilo.  

Então meu avô me levou em uma espécie de benzedeira, uma mulher que tinha conhecimento sobre aquilo. Ela morava próximo de nossa casa, no mesmo bairro. Quando entrei na casa dela, me senti bem, coisa que não sentia a semanas. Ela sabia sobre a minha mãe falecida, mesmo sem nunca ter me visto! Em cima da porta da sala dela, tinha um chumaço de ervas amarradas, na época eu não fazia ideia do que era, hoje imagino que era alguma magia para proteção.  

A mulher ensinou-me algumas orações para eu fazer para o meu anjo da guarda. Ensinou-me que eu deveria acender uma vela para ele em meu quarto, rodeada de açúcar, e rezar para ele. Eu segui todas as orientações à risca e também, por conta própria, comecei a rezar o terço. Havia noites em que a chama da pequenina vela ficava altíssima, cerca de um metro. Aquilo me impressionava, mas eu não sentia medo. Também fomos a um cemitério, acendemos uma vela no cruzeiro para o espírito obsessor que me acompanhava, aproveitamos e também acendemos uma vela para o espírito da minha mãe. Com o tempo o meu temor e as minhas preocupações cessaram. Meu esposo diz que tudo foi fruto da minha mente infantil da época, mas só eu sei o que presenciei e senti naquele tempo. 

Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo

 
 

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