Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Ando pelo único caminho que se atravessa na neblina cinza. Preciso chegar; devo estar atrasado. Inóspito. Inseguro. Lanço dúzias de preces e continuo. Caminho sem fim, sem trégua, nessa estrada que se apresenta tão conhecida, mas, sem memória, não posso. Estou sonâmbulo. Não sei se amanheceu ou se é noite ainda. 

Abre-se uma clareira, repentina, ofuscando o olhar. Surgem árvores, mas ainda estou ofuscado; ramos sobem pelas minhas pernas, parecem dedilhar, mas não há dedos, não há apalpadelas. Envolvido, inseguro diante da segurança. A prensa amaciada pelas folhas grandes que sobem pela minha boca. Grito de socorro calado, como uma mão que tapa os lábios; sufoco. 

Não é normal. Nada disso é normal. Apreensivo. Tudo ao redor começa a clarear. Não estou mais sufocado. Vejo tudo como câmera de cinema, minha visão de sétima arte: transeuntes ao redor com suas vidas normais e as sacolas cheias de pão, casais se beijando na porta da despedida, o cheiro de café e os cachorros nos postes, rasgando as bolsas de lixo. Mas ninguém me vê, nem toma nota; ambos passam com raiva, com gestos, alegria e desconfiança, mas ninguém parece me observar. Enquanto isso, tento sair da armadilha, implorar por aqueles seres humanos normais. Em vão. O bizarro me doma. 

Perdendo as forças, exausto. Perecendo. Entregue totalmente àquilo que a natureza pode fazer aos homens; a mim. Perdido em um íntimo profundo e escuro, como entre as paredes do quarto. 

Agora estou sentado na cama, sem ar. Suado como um porco pronto para o abate. Acendo meu cigarro. Ainda são três horas da madrugada. Devo um banho e passar um café. Logo mais terei de enfrentar a rotina. 

Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo

 
 

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