As bases da perfeição
O vampiro Lázaro, cujo nome escolhido revelava sua ânsia por renascimento, atravessara séculos de opulência e extravagância, mas há muito deixara para trás a vida de riquezas. Havia doado seus tesouros e, com eles, todas as ilusões de grandeza que sustentara por tanto tempo. Na atualidade, escondido sob a identidade de um professor universitário de literatura, ele dava aulas sobre autores mortos que falavam das inquietações da alma. Seus alunos admiravam a beleza imaculada de seus traços: os cabelos negros sempre meticulosamente alinhados, a pele de alabastro que resplandecia à luz suave das lâmpadas do campus. No entanto, poucos notavam a angústia profunda que cintilava em seus olhos, uma tristeza que nenhum toque de juventude eterna poderia esconder.
Lázaro retornara ao convívio com os mortais, escolhendo enfrentar as dificuldades e as misérias que a sociedade contemporânea reservava a quem ousasse viver de um ofício intelectual. Acompanhava as greves e os protestos estudantis, observava os jovens lutarem contra um sistema de exploração implacável e via de perto o desgaste e a exaustão dos professores, seus colegas, obrigados a lidar com salários indignos e a precariedade das condições de trabalho. Enquanto assistia a tudo isso, sentia a contradição entre sua imortalidade intocável e a fragilidade humana. Por mais que se esforçasse para compartilhar a dor e a decadência ao redor, sabia que jamais seria realmente um deles.
Certa noite, após um dia extenuante na universidade, Lázaro voltava para casa, cortando caminho por um parque que se estendia em amplas simetrias de alamedas de árvores e canteiros geométricos. A névoa que cobria o lugar deixava as formas vagamente definidas, como um esboço do mundo real, e o silêncio parecia comprimir o ar, tornando-o quase palpável. Lázaro sentiu um arrepio atravessar-lhe a espinha quando seus olhos captaram uma forma peculiar no centro de uma pequena praça abandonada: uma escultura de um humanoide cuja simetria era tão perfeita que beirava o inumano. O rosto, em particular, possuía uma beleza idêntica em cada lado, cada traço replicado com precisão de um lado ao outro do eixo imaginário que o dividia ao meio.
A estátua, aparentemente esculpida em mármore branco, emanava uma estranheza que fez o vampiro hesitar. Ao se aproximar, notou uma inscrição na base: Ad perpetuam harmoniam. Por alguma razão que ele não compreendia de imediato, Lázaro sentiu uma repulsa quase visceral. O horror diante daquela simetria impecável trouxe-lhe à mente uma memória antiga, de quando ele próprio ainda era jovem e humano: o rosto de um amante, cuja perfeição facial lhe provocava uma sensação de inquietude insuportável. Aquele amor fora efêmero e marcado pela indiferença gélida do outro, como se Lázaro, com todos os seus defeitos e anseios, fosse incapaz de encontrar reciprocidade na perfeição daquele ser.
Enquanto olhava a escultura, Lázaro percebeu que o horror da simetria residia na ausência de humanidade, na falta das assimetrias que tornam um rosto belo verdadeiramente vivo. Cada detalhe harmonioso da estátua parecia zombar da angústia de ser humano, como se insinuasse que a imperfeição e a dor eram meras falhas a serem corrigidas, traços insignificantes que a simetria podia aniquilar. Ele recuou um passo, com uma estranha sensação de que a estátua o observava, mesmo com olhos esculpidos em pedra cega.
Nos dias que se seguiram, Lázaro notou que a imagem da estátua o perseguia. Ele a via em reflexos distorcidos, em desenhos que os alunos rabiscavam nos cadernos e até nos padrões de rachaduras na parede de sua casa. Parecia uma presença espectral, como se o mármore em si carregasse uma consciência alienígena que tentava comunicar algo indizível. Em uma noite de insônia, decidiu voltar à praça e encarar a estátua uma última vez. Dessa vez, a névoa estava ainda mais densa, e ele teve a impressão de que as formas das árvores e das sombras se organizavam ao redor da escultura em padrões igualmente simétricos.
Ao se aproximar, um pensamento horrível surgiu: e se a simetria fosse, em última análise, a perfeição da morte? A ausência de vida, de caos, de desequilíbrio. Ele se aproximou até tocar o mármore frio e, ao fazê-lo, sentiu um lampejo de dor. Uma memória longínqua irrompeu em sua mente — lembranças de momentos em que sacrificara parte de sua humanidade para tornar-se imortal. Lázaro compreendeu, então, que sua beleza eterna era uma forma de simetria monstruosa, um equilíbrio antinatural entre a vida e a morte, um estado suspenso que aniquilava tanto a experiência humana quanto a decadência.
Enquanto os pensamentos o assaltavam, ele se deu conta de que a perfeição da estátua representava uma força que tentava apagar as irregularidades do mundo, eliminar os defeitos e igualar todas as coisas. A busca pela beleza perfeita era, na verdade, um caminho de aniquilação. A simetria negava o dinamismo da vida e instaurava uma ordem de imobilidade. Era uma ameaça sutil, presente na própria estrutura da sociedade, que exigia rostos inexpressivos e corpos idealizados, vendendo a ilusão de perfeição enquanto esmagava qualquer forma de resistência ou originalidade.
Lázaro recuou da escultura, sentindo uma amargura insuportável. Ele percebeu que sua própria busca pelo equilíbrio — seja entre a vida e a morte, ou entre a pobreza e a opulência — era igualmente fútil. A perfeição, assim como aquela simetria opressora, jamais lhe traria a paz que ansiava. Era necessário aceitar as imperfeições e os desequilíbrios como parte essencial da existência. Por mais que sua beleza imortal o mantivesse preso ao exterior perfeito, ele precisava, de algum modo, abraçar as assimetrias internas, os erros e as cicatrizes que carregava.
Deixando a praça envolta em névoa, Lázaro seguiu seu caminho, determinado a viver entre os humanos, com suas misérias e excentricidades, sem nunca mais desejar a perfeição que sua imortalidade lhe concedia. Sabia que, embora o horror da simetria pudesse ser perturbador, a verdadeira beleza residia nas imperfeições que davam vida e significado às coisas.
Toda fotografia é uma imagem que carrega o espectral: a morte. O instante fotografado jamais será vivido novamente; assim jaz um tempo que passou…