Palíndromo de carne

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Ada Reinier. Esse era seu nome; os dois nomes formavam um palíndromo, graças ao bom Deus, ela repetia, como um mantra que afastava o caos. Não sabia por que, mas nascera com uma obsessão pela perfeição, pela simetria. Dito isso, ela sabia que jamais se casaria, pois teria que modificar seu nome. 

Qualquer imperfeição era uma ferida que queimava seu pensamento até o limite. Quando se machucava, sempre feriria o outro lado. Um equilíbrio imposto, necessário para o silêncio em sua mente. Sentia um contentamento, uma espécie de prazer débil, ao observar os dois lados cicatrizando por igual. 

Então, por que o médico se recusava a livrá-la desse fardo, negando-lhe a paz de um corpo simétrico, mesmo que mutilado? Ele não aceitara remover o outro seio, o perfeito, deixando-a aprisionada na imperfeição. A irregularidade a dilacerava mais que o bisturi. O médico cirurgião não entendia. Como podia manter sua sanidade enquanto sua própria carne a traía com uma assimetria que não conseguia suportar? Por que ele não aceitara fazer a mastectomia? Perguntava-se, já com a faca em riste. 

Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo

 
 

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