Efêmera beleza substancial
Nutrício é teu olhar que se deleita em teu corpo nu
Teu pedestal de ilusões,
Teu altar de corações,
Tua coroa de sangue
O riso ecoante de tua balada alimentícia
É o exício de tua sanidade
O massacre consigo mesmo, o vício da serpente
Um brinde de teu próprio veneno,
Um coquetel de narcisismo diário
O elixir de teu corpo, tua veneração,
A substância da beleza temporal
Você se embriaga de si mesma,
Quando se olha no espelho, quando se vende,
Até quando você se entrega
E teu espírito sofre uma overdose
O que ocorre na sua mente é um inferno indescritível
Uma lavagem intestinal,
Um vômito de tua verdade,
Uma perdição triste,
Um distúrbio psicológico sufocante
Ao veneno da altor condição egocêntrica.
Uma súcubo encarnada, pesadelo da noite,
Insurgência criatura que nunca foi amada,
Sem dignidade, do fel sem nada
Uma perdida criança sem fé, na feiura
Mestra dos prazeres carnais, existe cura?
No reino da vaidade, onde a luz resplandece,
Uma jovem, como estrela, em passarelas tece,
Belíssima, sua imagem a todos encantava,
Mas em seu peito, a arrogância, obscura, se guardava.
Certa noite, ao luar, em sombria encruzilhada,
Desprezou um pobre homem, alma desgarrada,
Um cigano, de olhos profundos como abismo,
Fez-lhe um gesto de dor, um eco de desatino.
“Que a beleza te abandone, que o espelho te traia,
No alvorecer, a verdade, como sombra, se insinua.”
As palavras voaram, como pássaros sinistros,
E ao romper do dia, revelaram-se os mistérios.
Na manhã seguinte, a jovem acordou,
O reflexo em seu espelho, um terror a brotou:
Um fúrunculo, grotesco, como sombra se espraiou,
Tomou metade de seu rosto, a beleza se esvaiu.
A luz que a cercava, agora escura e turva,
Seu coração, outrora leve, em tormento se curva.
Na solidão e no horror, seu espírito clama,
Em busca de redenção, para apagar a chaga.
Partiu pela cidade, em noites de pesadelo,
As vozes dos perdidos ecoavam em desvelo,
“Quem se esquece da dor, e em si a vaidade,
Encontra no espelho a mais amarga verdade...”
Os rostos, desmanchando,
Espelhos de sua pena
na culpa e na praga,
Penintência, punição,
Retorno, sangramento, lágrima, lição...
Dela, a feiura bradava, uma história tão plena.
Cada passo um desafio, cada esquina um lamento,
Na busca por perdão, encontrou seu tormento.
Até que no crepúsculo, ao som do vento frio,
Lá estava o cigano, de olhos cerrados como desafio.
“Por que vens, ó criatura, à sombra que te atenta?
Teu orgulho se despedaça, a beleza se lamenta.”
“Rede de desamores, a vida a tecer,
Só em humildade, menina, encontrarás o renascer.”
Com lágrimas nos olhos, ela implorou,
“Mostra-me o caminho, para o mal que eu causei.”
O cigano sorriu, sua alma é pura,
“Para quebrar a maldição, é preciso ternura.
A beleza verdadeira, não reside na face,
Mas no amor que se oferece, no ato que não desfalece.”
A jovem, arrependida, com passos trôpegos, seguiu,
Ajudando os abandonados, e em seu peito, um fio
De luz que renascia, em cada gesto gentil,
A dor foi se esvaindo, e a esperança, um perfil.
No reflexo, ao amanhecer claro,
Vi a beleza resgatar, o amor, o raro,
Aquele organismo estranho
O carrasco de tua virtude
A simbiose que lhe drenava
furúnculo, símbolo de sua jornada,
Desvanecia, e a jovem, enfim, estava curada.
Nas sombras e na luz, no amor e no espanto,
Aprendeu que a verdadeira beleza é o encanto
De um coração que, mesmo ferido e triste, renasce
Transfigura, enxerga, reconhece, se reconhece no espelho
Encontra na dor da tragédia da pele
A força que perdoa, aprende e persiste.
Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo
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