A Janela
Mais uma madrugada em que a insônia é minha companhia. Inquieto, me aproximei da janela, abri-a e senti a brisa fresca tocar meu rosto, dispersando as gotas de suor em minha testa e trazendo um certo alívio, já que durante o dia tem sido demasiadamente quente.
Meu quarto fica no andar superior, proporcionando uma excelente vista de toda a rua. Debruço-me sobre a janela e vislumbro aquela rua vazia, mal iluminada pelos puídos e amarelados postes. Há algum prazer oculto, o qual desconheço, em imaginar o que meus vizinhos estão fazendo dentro das quatro paredes. Consigo ver algumas casas com luzes acesas, enquanto outras estão em absoluta escuridão. No entanto, algo chama minha atenção em uma casa à minha frente. Há um homem alto que anda de um lado para o outro, parecendo nervoso. Abaixo-me para observar com cuidado. Através da cortina, vejo que ele ensaia movimentos que lembram os de um mímico.
Não consigo desviar o olhar. Vejo-o abrir o guarda-roupa e retirar algo que se assemelha a uma fantasia listrada preta e branca. Em seguida, ele a joga sobre a cama e vai até a janela para verificar se ninguém o está observando. Noto que ainda está com a maquiagem característica dos mímicos. Ao retornar, ele carrega uma grande mala. Sinto um frio na espinha, a sensação de que ele sabe que estou a observar seus segredos. Com certa facilidade, ele ergue algumas sacolas pretas, coloca-as na mala e a fecha.
Tomado pelo horror, emito um grito, fazendo com que ele volte à janela. Infelizmente, ele me viu. “É tarde demais, provavelmente aquelas sacolas eram... Não quero nem pensar nisso...”. Algum tempo se passou e tudo voltou a ficar calmo (pelo menos era o que eu achava). Ainda me encontrava sentado no chão, em posição fetal, quando uma suave melodia soou como a sinistra sinfonia de Bach intitulada Toccata and Fugue. Foi então que ele finalmente entrou. Seus passos firmes ecoavam por toda a casa. Subiu as escadas, cruzou o corredor e encontrou meu quarto. Então, eu o vi: tinha por volta de um metro e noventa, o rosto afinado e pálido, coberto de tinta branca, sobrancelhas marcantes, olhos vazios e perversos. Seus cabelos estavam penteados para trás, tão negros quanto aquela noite. Por fim, um sorriso malicioso, que ansiava devorar-me, surgiu. Ele trajava calça de moletom preta e camiseta branca, salpicada de escarlate. A passos lentos, se aproximou de mim e disse calmamente:
— Não era para você ter visto. Agora você fará parte da minha coleção.
Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo
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