Três e trinta e três
Oito anos após a morte de meu esposo.
Coloco minha cabeça no travesseiro. Você não está mais ao meu lado, como sempre. É... já faz cinco, ou será que são sete anos? Eu não sei, mas o seu relógio despertador está ali, a dentadura, os óculos deixados de lado para dormir; tudo que você deixou está ali.
Oito anos e um dia após a morte de meu esposo.
Estranho... Hoje de manhã, quando acordei, o seu relógio despertador estava no chão. Estou certa de que ele vibra ao despertar e que estava próximo da beirada da mesa, mas não consigo me lembrar de tê-lo programado para isso.
Oito anos, um dia e 11 horas após a morte de meu esposo.
Eu me lembro de ter deixado o relógio despertador ligeiramente mais à direita hoje de manhã, quando o recoloquei na mesa.
Oito anos, um dia e meio após a morte de meu esposo.
Meia-noite. Acordei assustada durante um pesadelo. Pensei ter visto alguém na porta do quarto, parado e em pé. Não era nada, só o meu roupão pendurado no gancho.
Oito anos, um dia e quinze horas após a morte de meu esposo.
O despertador tocou às três horas da madrugada. Agora me lembro de tê-lo programado, mas era pra ter sido às três horas da tarde, e não agora. Me enganei.
Oito anos, um dia, quinze horas e cinco minutos depois da morte de meu esposo.
Sinto uma mão gélida afastar os cabelos que estão sobre a minha testa. Sinto uma fraquíssima, indelével corrente de ar, um toque frio na minha testa. Abro um olho. Devo estar sonhando.
Oito anos, um dia, quinze horas e dez minutos depois da morte de meu esposo.
Não consigo dormir. Sinto que não estou sozinha em meu próprio quarto. Começo a suar, está quente! A água... Vou tomá-la, ela sempre está aí. Do seu lado da cabeceira.
Oito anos, um dia, quinze horas, dez minutos e vinte segundos depois do assassinato de meu esposo.
Socorro! Minha garganta está fechando! Me solta... Tira as mãos do meu pescoço, querido, você não entende? Você tinha de morrer.
Oito anos, um dia, quinze horas, trinta e três minutos depois que matei meu esposo envenenado.
Está tudo escuro. Por que o despertador tocou? Abro os olhos e não vejo nada, apenas preto. Depois, nada...
3h33min
Óbito: Feminino, branca
Idade: Não informada
Causa provável do óbito: Intoxicação por medicamentos
Observações: Nenhum sinal de violência externa.
Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo
Aryane Braun é curitibana por nascimento, amor e dor. Formou-se em Letras pela UFPR e possui duas graduações na área da educação. Atualmente, trabalha em uma biblioteca de um colégio público em Curitiba e adora o que faz, pois ama o ambiente que os locais de ensino proporcionam...
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