A Imagem de Clair
Era um daqueles dias em que o ar do interior pesava como chumbo. Eu, Tomás, um jovem de vinte e cinco anos, havia aceitado o convite para fotografar uma família de fazendeiros abastados em uma cidadezinha esquecida no interior do Rio de Janeiro. O ano era 1840, e a fotografia ainda era uma raridade, algo entre a magia e a ciência. As pessoas olhavam com curiosidade e desconfiança para o meu equipamento, mas a paga era boa, e eu não recusaria trabalho, já que estava apenas iniciando na carreira.
Cheguei à fazenda ao cair da tarde. Visualizei um casarão imponente, erguido em estilo colonial, que jazia no meio de uma vasta planície. As janelas eram enormes e, de dentro, eu podia sentir os olhos da família Oliveira me observando. Quando a porta finalmente se abriu, uma senhora de aparência severa me cumprimentou.
— Boa tarde, senhor Tomás. Espero que tenha feito boa viagem.
A voz daquela senhora era educada, mas algo no tom que ela emitiu me deixou inquieto. Havia um clima estranho naquele lugar, algo que fazia o ar parecer mais denso, como se uma presença invisível apertasse meu peito.
— Sim, senhora, tudo tranquilo. A família está pronta para a fotografia? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Ela assentiu com um leve movimento de cabeça e me conduziu até uma sala grande, iluminada pela luz dourada do fim da tarde. Ali, sentados de forma solene, estavam o marido, dois filhos mais jovens e uma filha — jovem, de aparência bela, mas pálida e rígida — no centro da composição.
Preparei o equipamento enquanto eles se ajeitavam. Havia algo estranho na filha, uma jovem que aparentava ter uns vinte anos. Ela estava imóvel, como uma boneca de porcelana, com os olhos fixos em um ponto distante, como se sofresse de alguma loucura ou demência, e um odor desagradável começou a se espalhar pelo ambiente, uma mistura de terra e algo apodrecido. Tentei ignorar.
— Diga-me, senhora. — Arrisquei. — Sua filha está bem? Ela parece um pouco... debilitada.
A mulher, que até então parecia contida, se voltou para mim com um olhar penetrante, e seus olhos brilharam com um misto de raiva e medo.
— Clair está perfeita, senhor Tomás! Perfeita para a fotografia. Apenas faça o seu trabalho, por gentileza!
Clair. Esse era o nome dela. Hesitei por um momento, mas o clima de tensão na sala me fez seguir adiante para terminar logo aquilo. Fotografei a família mais de uma vez, de propósito, para poder estudar um pouco mais profundamente a imagem da pálida e doce Clair.
O som do disparo do obturador ecoou na sala silenciosa. Depois da fotografia feita, não pude evitar me aproximar da jovem. Eu precisava confirmar o que meu instinto gritava. Sem que os pais percebessem, enquanto estavam entretidos, discutindo sobre o futuro resultado da imagem, aproximei-me devagar. A pele de Clair estava fria, marmórea. Toquei seu braço de leve, discretamente, e o calor da minha mão firme encontrou a gelidez daquela pele nívea e bela. Foi quando o odor profícuo e forte se intensificou. Uma certeza horrível se firmou em mim: aquela moça estava morta.
— Há quanto tempo... ela está assim, senhores? — sussurrei, tímido, sem me virar.
— Você é muito esperto, senhor fotógrafo. Aliás, és um fotógrafo ou um médico? Eu vi como a tocou! — A voz da senhora soou firme e dura às minhas costas.
— Não quis importuná-los, senhores. Apenas notei que ela estava... estranha. Sou fotógrafo, e estou acostumado com situações inusitadas.
— Bem, sendo assim, confesso. Nós a enterramos hoje pela manhã. Mas você pode ver que uma família é sempre uma família, e nós quisemos incluí-la em sua última fotografia conosco.
Dei um passo para trás, impactado pela frieza daquela senhora, pela omissão covarde do líder da família e pela aceitação dos outros filhos. Meu coração disparou enquanto os olhos da senhora se cravavam em mim, ameaçadores.
— O senhor fez o seu trabalho, agora deve nos deixar em paz. — Ela continuou, com o tom mais baixo, mas ainda assim carregado de uma ameaça velada. — Se alguém souber o que viu aqui... bem, nosso sobrenome tem influência nesta região, e temos formas de garantir o silêncio.
Engoli em seco, e minhas mãos tremiam enquanto desmontava o equipamento. Saí da casa sem olhar para trás. O odor daquela jovem ainda impregnava minhas narinas, e os olhares da família queimavam minhas costas. Ainda olhei para trás e visualizei a jovem Clair intacta, à distância.
Ao revelar a imagem, passei minutos eternos estudando aquela senhorita morta, como se a admirasse. Demorei para dormir, tocando a fotografia e deslizando meu dedo indicador em cada contorno do corpo da doce defunta. Eu estava louco, eu sei. Mas precisava me aproximar da sua história e descobrir mais informações sobre ela quando ainda estava em vida.
Dias depois, fui chamado novamente para fotografá-los, dessa vez após o enterro, de fato, da jovem. Relutei, mas a curiosidade mórbida e a sensação de dívida me levaram de volta àquela casa maldita. Agora, eram apenas a mãe, o pai e os dois filhos mais jovens.
Preparei a câmera novamente. O ambiente estava diferente, mais frio, embora fosse verão. Algo invisível parecia pairar no ar, trazendo uma sensação sufocante que fazia de cada respiração um esforço.
— Bem, agora estão todos aqui. — Murmurei, quase irônico, tentando não transparecer o nervosismo que me corroía por dentro.
A mãe de Clair me lançou um olhar enigmático e um sorriso cruel.
— Sim, agora estamos todos juntos. Vamos imaginar Clair aqui, família.
A fotografia foi tirada, e eu também imaginei a jovem Clair ali. No momento do disparo, senti uma corrente de ar frio atravessar a sala, como se alguém passasse por mim. Naquele instante, tive a sensação de que algo terrível iria acontecer.
Revelei a fotografia naquela mesma noite, trancado em meu quarto, sentindo meu coração ainda acelerado. Quando a imagem finalmente tomou forma no papel, minha garganta secou. A filha, morta, estava ali, no centro da fotografia, de pé, exatamente onde eu a havia visto da primeira vez. O mesmo olhar vazio, a mesma imobilidade apavorante. Clair estava ali. Mesmo sem estar. Eu não deveria ter aceitado fotografá-los novamente.
Abandonei a cidade no dia seguinte, e não sei dizer se o que vi foi real ou se minha mente, atormentada pela tensão daquela família, me pregou uma peça cruel. Mas de uma coisa eu sei: a imagem daquela moça morta, eternamente presente na fotografia, assombrará meus dias para sempre. No entanto, jamais serei capaz de me desfazer da fotografia que guardo com afinco em minha gaveta. E todos os dias, embora atormentado, contemplo a imagem de Clair.
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