Círculo Sem Fim

Imagem criada e editada por Sara Melissa de Azevedo para o Castelo Drácula

Ao entardecer, Ana caminhava sozinha por uma rua vazia, o eco de seus passos se misturando ao som distante de folhas secas sendo arrastadas pelo vento. O cheiro do asfalto quente invadia suas narinas e a fazia franzir a testa. Sentia como se já tivesse passado por ali antes, mas não conseguia se lembrar de quando. Cada janela fechada, cada esquina parecia lhe sussurrar algo, um segredo esquecido. 

“Você já esteve aqui”, a voz em sua mente murmurava, insistente, e a sensação de déjà-vu se intensificava. Ana balançou a cabeça, tentando afastar a estranha familiaridade. “Isso é loucura”, pensou, forçando-se a ignorar o arrepio que subia pela nuca. A lógica lhe dizia que nunca havia caminhado por essa rua, mas a intuição gritava o contrário. 

Quando Ana dobrou a esquina, avistou Lara e Júlio, amigos de longa data, parados à frente de um portão enferrujado. Estavam imóveis, de costas para ela, como se a esperassem. O choque de vê-los ali, em um lugar onde não deveriam estar, fez seu coração acelerar. Não era possível que eles soubessem de sua caminhada. 

“Vocês me seguiram?” Ana perguntou, tentando esconder o nervosismo na voz. 

Lara se virou lentamente. Seu rosto estava pálido, os olhos distantes, como se não estivesse realmente ali. “Ana, não fomos nós que te seguimos. Foi você quem nos trouxe até aqui.” 

Júlio, sem mover os lábios, murmurou uma resposta: “Você sente isso, não sente? Como se tudo isso já tivesse acontecido... exatamente assim.” A voz dele era baixa e arrastada, como se viesse de um lugar muito distante, de uma memória perdida no tempo. 

Ana recuou um passo, a sensação de déjà-vu esmagando sua razão. Tudo naquela cena parecia errado, como uma fotografia borrada. O portão enferrujado se agitava com o vento, rangendo como uma voz rouca, e a rua ao redor parecia tremer, distorcendo-se. Por um instante, ela sentiu que a realidade se partia como vidro, e uma segunda imagem, sobreposta à primeira, mostrava Lara e Júlio com expressões aterrorizadas, os olhos vazios, como se tivessem sido esvaziados de qualquer vida. 

“O que está acontecendo?” Ana sussurrou, dando mais um passo para trás. Mas a rua parecia não ter fim, e os detalhes se repetiam, como um loop interminável. Os mesmos galhos secos rolando pelo chão, o mesmo cheiro pesado de asfalto. 

Lara deu um passo à frente, o rosto ainda inexpressivo. “Você já tentou sair daqui antes. E sempre termina voltando.” 

Ana queria gritar, mas a voz lhe faltava. As palavras de Lara ecoavam em sua mente como um presságio, enquanto o déjà-vu se transformava em algo mais profundo, mais horrível — a sensação de que aquele instante era eterno, uma prisão para a qual sua mente retornava repetidamente. E quanto mais ela tentava escapar, mais percebia que o mundo ao seu redor não era feito de ruas e casas, mas de lembranças. Lembranças de uma tragédia que ela não podia compreender, mas que, de algum modo, já havia testemunhado. 

De repente, Júlio ergueu a mão, apontando para o portão enferrujado. “A única saída está lá, mas você nunca teve coragem de atravessar.” A voz dele era um sussurro frágil, quase como se não quisesse que ela o ouvisse. 

Ana olhou para o portão, que parecia pulsar com uma vida própria, a ferrugem crescendo como veias em uma pele doente. Sentiu a mente vacilar, enquanto flashes de uma memória distante vinham à tona: ela e os amigos, rindo juntos na mesma rua, antes que algo terrível os separasse para sempre. Mas a lembrança se fragmentava antes que pudesse entender, e o déjà-vu a arrastava de volta àquele momento interminável. 

Tomada por uma súbita urgência, ela correu em direção ao portão, sentindo o chão vibrar sob seus pés. Antes que pudesse alcançá-lo, porém, a realidade ao seu redor começou a se desfazer, as cores se esvaindo e os sons se distorcendo. Lara e Júlio se tornaram vultos indistintos, suas vozes um murmúrio distante. E, quando Ana tocou o portão, tudo se desfez em escuridão. 

Ela abriu os olhos, de volta à rua vazia ao entardecer, exatamente onde começara. 

Texto publicado no Desafio Sombrio 2024 do Castelo Drácula. Em outubro de 2024. → Ler o desafio completo

 
 

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